ODS 1
Drogas, garimpo, contrabando de madeira… tudo junto e misturado
Narcotráfico expande negócios, se associa ao desmatamento e as queimadas, acirra conflitos de terras e alimenta escalada da violência na Amazônia Legal
Encastelado nas favelas e nas periferias das grandes cidades, o narcotráfico fez as malas, ampliou seu território no país e se instalou na Amazônia Legal. O tráfico de drogas e o aumento do desmatamento e das queimadas, além dos conflitos de terras, estão por trás da escalada da violência na região. Facções do crime organizado estão negociando cocaína com contrabando de madeira, drogas diversas com manganês e outros metais saídos de garimpos, sem falar na relação do narcotráfico com o aumento indiscriminado de uma série de conflitos ambientais que transformaram a Amazônia em terra de ninguém.
Em 2020, os estados da Amazônia Legal apresentaram taxas de violência letal mais altas que a média nacional. Foram ao todo 8.729 mortes. Enquanto no Brasil, a taxa foi de 23,9 mortes violentas intencionais (MVI) a cada 100 mil habitantes; na região, a taxa ficou em 29,6. O aumento das mortes violentas intencionais cresceu 9,2% nas áreas rurais e de florestas da Amazônia Legal. E os estados líderes dessa violência foram Amapá (41,7), Acre (32,9) e Pará (32,5).
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Veja o que já enviamosOs dados fazem parte da pesquisa “Cartografias das Violências na Região Amazônica”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, feita com apoio do Instituto Clima e Sociedade e parceria de pesquisadores do Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistência na Amazônia, da Universidade do Estado do Pará (Uepa). Os números da pesquisa revelaram que pelo menos desde os anos 2000 a disseminação da violência homicida no Brasil vem se alterando. Se, há pouco mais de duas décadas, as mortes estavam mais concentradas nos grandes centros urbanos, hoje, elas passaram a se espraiar para cidades menores do interior, fenômeno que já ficou conhecido como interiorização da violência.
Ao comparar as taxas de mortes violentas intencionais por zonas de ocupação, verificou-se, por exemplo, que o conjunto de municípios com as maiores taxas foram os sob pressão de desmatamento (37,1 por 100 mil habitantes). Em seguida, vieram os municípios desmatados (34,6), os municípios não florestais com taxa de 29,7, e, por fim, os municípios florestais apresentam a menor taxa de letalidade violência, com 24,9 por 100 mil. E uma das conclusões do estudo é que “a intensa presença de facções do crime organizado e de disputas entre elas pelas rotas nacionais e transnacionais de drogas que cruzam a região; e o avanço do desmatamento e a intensificação de conflitos fundiários, que resulta também no crescimento da violência letal” explicam a escalada da violência letal na região.
“Grande parte da destruição da floresta é fruto de atividades ilegais alimentadas por complexas cadeias criminosas nacionais e transnacionais que movimentam diferentes economias: de madeira à minérios passando pela especulação imobiliária, lavagem de ativos e outros crimes como o tráfico de pessoas ou animais silvestres”, diagnosticou Aiala Colares Couto, geógrafo, professor assistente do Departamento de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e um dos pesquisadores do estudo.
Originalmente, o objetivo do estudo era traçar a relação do crime organizado na Amazônia Legal com crimes ambientais, mas, à medida que a pesquisa foi avançando, notou-se a relação intrínseca de facções do crime organizado com o aumento dos conflitos agrários, a escalada da violência no campo, a intimidação das lideranças de movimentos sociais rurais e, por fim, a chegada do narcotráfico em territórios indígenas.
Se o Comando Vermelho (CV) fez a opção por adentrar a região pelas portas principais, as capitais Belém (PA) e Manaus (AM), o Primeiro Comando da Capital (PCC) foi comendo pelas beiradas, e ocupando espaço nas cidades do interior dos estados da Amazônia Legal. “O PCC conseguiu adentrar algumas áreas do interior do estado do Pará, sobretudo municípios com forte presença de comunidades indígenas, como Altamira e Itaituba, e, para fincar bandeira, aliou-se com organizações criminosas locais”, comentou Couto, acrescentando que o CV hoje já se configura como uma ameaça perigosa a muitas comunidades quilombolas no Pará.
Nos três estados líderes da violência letal na região, o PCC, a IFARA (Irmandade, Força Ativa e Responsabilidade Acreana), CV e Bonde dos 13 disputam o controle no Acre. No Amapá, a briga é entre duas facções locais, a União Criminosa do Amapá (UCA) e a Família Terror do Amapá (FTA) aliada do PCC. E no Pará, detectou-se a presença do CV, predominante na Região Metropolitana de Belém, e do PCC, que atua mais no interior, nas regiões de Altamira e seu entorno. Mas há também, facções do estado como o CCA, FDN e pequenas facções locais, mas com grande influência em unidades prisionais, a exemplo da Equipe Rex. Por fim, há também o B40 grupo que surgiu na região Nordeste, mas que atua na Amazônia a partir do Pará.
Se, num passado recente, os povos da floresta viviam sob constante ameaça de grileiros, fazendeiros e empresários da mineração e do agronegócio; com o narcotráfico chegando a Amazônia legal, o crime organizado virou um importante adversário nas disputas pelo uso da terra. Com a Amazônia sendo explorada por grandes grupos criminosos nacionais e internacionais, que, em grande parte, contribuem para a destruição da floresta, já é possível identificar, inclusive, a estratégia de atuação de duas dessas principais forças: enquanto o PCC vem optando por uma atuação mais empresarial, arrendando terras para plantio de maconha e se associando a outras atividades econômicas, o CV se alinha a grupos locais e, ao tomar o controle do território, muda o nome da denominação local assumindo definitivamente seu poderia como CV.
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.