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#ParaTodosVerem: pessoas com deficiência visual enfrentam novos desafios na pandemia
Como manter distanciamento social? Onde está o álcool em gel? O indivíduo ao lado usa máscara? Em tempos de covid-19, estas são algumas das dificuldades de quem é cego
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“Meu filho, se não tiver o VoiceOver, como eu vou mexer?”. Silvéria Costa tem 46 anos, perdeu completamente a visão aos 3 e trabalha na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência do Rio de Janeiro (SMPD). A entrevistada entrou na chamada pelo Google Meet, mas não dizia nada. “Ativou o VoiceOver?”, ela pergunta ao filho. Quando o problema é resolvido, Silvéria diz que a plataforma é acessível, mas ela tinha esquecido a rotatividade de tela desbloqueada no celular, atrapalhando a mobilidade. Silvéria conta que, às vezes, é difícil ativar, ao mesmo tempo, o Google Meet e o VoiceOver, ferramenta que lê em voz alta o que está na tela de dispositivos eletrônicos. Encerrada a conversa, ela acidentalmente aciona a câmera enquanto passa os dedos pela tela do celular tentando fechar a chamada. A realidade de Silvéria é a de cerca de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual no Brasil — de acordo com dados do Censo 2010 — que encontram dificuldades para se adaptar a aparelhos eletrônicos e aplicativos pouco acessíveis, mas muito utilizados no home office.
Na pandemia, muitas práticas passaram a depender de recursos tecnológicos, mas nem sempre essas ferramentas são acessíveis. É o caso de vendas online, por exemplo, que usam vídeos e fotos sem audiodescrição.
É “ver pelos olhos de outra pessoa”, define Luciane Molina, cega, especialista em acessibilidade e consultora de audiodescrição. Luciane destaca que os leitores de tela usados por pessoas com deficiência visual são capazes de identificar um texto, mas não uma imagem. E mesmo com iniciativas como #PraCegoVer ou #ParaTodosVerem, que sinalizam imagens com descrição, Luciane lembra de diversas vezes em que teve dificuldades para usar mídias sociais e outros serviços oferecidos por aplicativos do dia a dia, como os de delivery.
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O ensino a distância (EaD) também está presente no cotidiano das pessoas com deficiência visual. Os problemas do modelo remoto, em maioria, são os mesmos enfrentados por outros estudantes, como falha na conexão, falta de um ambiente ideal para estudo e poucos aparelhos eletrônicos disponíveis em casa. Mas há mais, como a principal ferramenta de estudo: o toque. Maria da Glória Almeida, cega e professora do Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, comenta os desafios da ausência do tato na educação de pessoas com deficiência visual: “Não se ensina a uma criança cega qualquer conteúdo apenas verbalizando, por melhor que você verbalize, por mais que o professor tenha uma eloquência oral. Ele não supre a necessidade de a criança estar frente a frente com o objeto da sua aprendizagem”.
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Veja o que já enviamosMas há pessoas com deficiência visual que preferem o modelo remoto ao presencial, como Silvéria Costa. Ela diz até sentir saudades dos momentos divertidos com seus colegas de trabalho na SMPD. Mas a economia de tempo para se locomover e as dificuldades impostas pela falta de acessibilidade no Rio fazem com que ela escolha o home office. A área da Estação Central do Brasil, por exemplo, perto de onde Silvéria trabalha, não é um local de fácil acesso. Ela conta que durante o trajeto para a secretaria municipal é comum encontrar obstáculos, como postes e barracas de camelôs, em cima do piso tátil, que deveria ajudar na acessibilidade. “O mundo nunca vai ser acessível, e a gente tem que se adaptar”, desabafa.
O Rio, porém, está longe de ser a única cidade com falta de acessibilidade. Em Araraquara, no interior de São Paulo, Luana Ribeiro, de 39 anos, também encara vários desafios. Dentre eles, a falta de acesso a serviços essenciais. Como em uma de suas idas ao mercado durante a pandemia. Ao chegar ao estabelecimento, devido a um decreto municipal que só permitia a entrada de uma pessoa por vez, um segurança impediu a sua entrada por estar acompanhada do filho. Ela, então, propôs que um funcionário a auxiliasse. Nada feito. Mãe de três adolescentes, Luana deixa claro: “Eu não terceirizo o meu papel para ninguém. Quero assumir”. Por isso, fez questão de não desistir. Após recorrer à Guarda Municipal, finalmente conseguiu entrar no mercado. “A gente passa por isso a todo momento”, conta.
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A especialista em acessibilidade Luciane Molina comenta que barreiras na comunicação atrapalham a autonomia das pessoas com deficiência visual durante a pandemia. Ela ressalta que os cuidados com a higienização são muito importantes, mas deixam a pessoa com deficiência visual em uma posição de vulnerabilidade. Álcool, por exemplo, pode danificar o braile. A plastificação de superfícies, como um botão de elevador, retira boa parte do relevo, principalmente se for com um material espesso. “São situações que acabam passando despercebidas. Muitas vezes as pessoas que enxergam não se dão conta de que aquele braille vai fazer falta”, diz Luciane.
Ela ressalta que pessoas com deficiência visual acabam mais expostas à covid-19: “Não temos uma noção exata do distanciamento social, então a gente não sabe se a pessoa está afastada de nós. Também não podemos ver se a máscara que ela está usando cobre o nariz. Quando entramos em um estabelecimento, não sabemos onde está o álcool, a menos que alguém explique para a gente”.
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Residente do estado de São Paulo, Luciane ainda não tinha se vacinado no momento da entrevista. Até então, a prioridade na imunização era apenas para quem recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC), como foi o caso de 20 estados mais o Distrito Federal durante a pandemia. O site do Governo Federal define o BPC como um auxílio financeiro mensal equivalente a um salário-mínimo para a pessoa com deficiência que comprove não ter recursos para se sustentar.
“Categorizar a deficiência por critério de renda é ter uma exclusão ainda maior. Não é uma condição fisiológica, como tem sido levado em consideração no caso das comorbidades. Pessoas idosas também estão em vários níveis sociais e nem por isso foram categorizadas”, diz Luciane. Apenas no dia 10 de junho teve início em São Paulo a vacinação para todos os maiores de 18 anos com deficiências permanentes.
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Enquanto isso, no Rio de Janeiro, onde mora Maria da Glória, a professora do Instituto Benjamin Constant, todos as pessoas com deficiência visual com mais de 18 anos foram considerados prioridade na fila para a vacinação. Quando o Plano Nacional de Imunização entrou em vigor e permitiu autonomia para os estados, representantes da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e do Laboratório de Tecnologia Assistiva apresentaram a questão da vacinação de pessoas com deficiência visual à Prefeitura do Rio, que não mostrou resistência para atender o pedido.
Felipe Rigoni (PSB-ES), primeiro cego a ocupar o cargo de deputado federal no Brasil, eleito em 2018, defende que a preferência deveria ser para todas as pessoas com deficiência, ou então com base na necessidade – o que, de acordo com ele, poderia ser mapeado com a regulamentação do Artigo 2 da Lei Brasileira de Inclusão, que diz respeito à avaliação biopsicossocial. “Sou completamente cego, então numa avaliação puramente clínica, eu tenho um grau de deficiência grave. Agora, em uma avaliação biopsicossocial, por uma série de razões, como minha família e a nossa condição financeira, eu nunca tive grandes barreiras que me fizessem ter dificuldade como pessoa com deficiência”, diz.
Enquanto a vacinação não chega para todos, instituições de apoio para cegos permanecem com restrições na realização de suas atividades. É o caso da Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto e Região (Adevirp), instituição sem fins lucrativos que trabalha com 200 pessoas com deficiência visual, com aulas para estudantes, oficinas, além de esportes e recreação para todas as faixas etárias. Marlene Cintra, de 62 anos, cega, é presidente da Adevirp desde 1998. Ela lembra como foi suspender as atividades presenciais: “No dia em que a gente fechou, eu saí daqui chorando. A Adevirp sem os meninos que não enxergam é como um corpo sem alma. Mas a nossa força é que estamos trabalhando para eles”.
E qual a primeira palavra que vem à mente dela quando se fala em Adevirp? “Luz. Porque aqui as pessoas chegam sem esperança e reencontram o sentido da vida”. Para manter o apoio aos alunos durante a pandemia, as atividades passaram a ser realizadas no sistema remoto. A Rádio Web da associação, por exemplo, está sendo utilizada como um meio de contato com os alunos.
A paralisação das atividades não essenciais também afetou a vida de quem pratica esportes. Estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Andreia Meireles, de 23 anos, tem apenas 20% da visão e praticava judô paralímpico antes da pandemia. Chegando a treinar duas horas por dia de segunda a sexta-feira, a jovem já foi medalhista de prata em um Grand Prix e disputou com pessoas sem deficiência. No entanto, a prática desportiva para pessoas com deficiência visual vai além de ganhar ou perder, pois, como descreve Andreia, ela auxilia a “ter noção de espaço e a se locomover”, o que a ajudou a ter “mais mobilidade e autonomia na rua”. Mesmo assim, ela prefere não voltar a treinar antes do término da pandemia: “É melhor você parar um pouco, antes que seja a próxima vítima”.
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José Mário Ferraz é estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Apaixonado por esportes, viagens e contar histórias. Fluente em inglês e alemão, intermediário em espanhol.
Luana Reis é estudante de Jornalismo da UFRJ em busca de aventuras para futuramente rechear essa breve apresentação de experiências.
Ruth Scheffler, nascida no interior de São Paulo, em Ribeirão Preto, é estudante de Jornalismo na UFRJ. Dentre as suas temáticas favoritas estão política, relações internacionais e ambientalismo. Apaixonada por conteúdos audiovisuais, sobretudo, documentários.