Grande Rio do desperdício de água

Em 11 cidades da Região Metropolitana, perda na distribuição passa de 30%: Japeri, na Baixada, é a recordista de má gestão com mais de 53% da água desperdiçada

Por Emanuel Alencar | ODS 6 • Publicada em 18 de setembro de 2019 - 11:01 • Atualizada em 19 de setembro de 2019 - 01:37

A Estação de Tratamento de Água de Japeri: paralisação de obra da Cedae,, desde 2014, acabou com a esperança de melhoria de abastecimento de água no município onde desperdício é recorde (Foto: Prefeitura de Japeri)
A Estação de Tratamento de Água de Japeri: paralisação de obra da Cedae,, desde 2014, acabou com a esperança de melhoria de abastecimento de água no município onde desperdício é recorde (Foto: Prefeitura de Japeri)
A Estação de Tratamento de Água de Japeri: paralisação de obra da Cedae acabou com a esperança de melhoria de abastecimento de água no município onde desperdício é recorde (Foto: Prefeitura de Japeri)

A construção de uma estação de tratamento de água (ETA), de uma elevatória e de um reservatório em Japeri, na Região Metropolitana do Rio, iniciada há cinco anos, jamais terminou. Com a interrupção da obra, ficaram também suspensas as esperanças de milhares de pessoas em conseguirem, enfim, água nas torneiras de casa. A cidade – cujo prefeito, Carlos Moraes, está preso desde julho de 2018, sob acusação de conluio com o tráfico de drogas – é a recordista em má gestão da Cedae, a companhia de saneamento do Estado do Rio. Nada menos do que 53,3% de toda a água distribuída se perde, seja em vazamentos nas redes, furtos, fraudes em hidrômetros ou usos ilegais. Em todo o Grande Rio, a situação é dramática. Onze das 21 cidades da Região Metropolitana perdem mais de 30% de suas águas de abastecimento.

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Na região central de Japeri, são sete bairros e cerca de 30 mil pessoas dependendo da construção da estação de tratamento de água. Embora essas famílias tenham encanamento, a maioria das casas sofre com escassez. A obra parou e ninguém mais sabe quando será concluída

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Os dados constam em documento elaborado pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate), do Ministério Público do Rio, anexado a inquérito que vem sendo avaliado pelo Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), ao qual o #Colabora teve acesso com base na Lei de Acesso à Informação. O descaso com um bem tão precioso cobra sua fatura: gera desperdício de recursos públicos que são, geralmente, repassados ao usuário por meio de tarifas.

Membro do Fórum Popular Permanente de Japeri, Esdras da Silva diz que o coletivo ainda tenta levantar detalhes da situação da gestão do saneamento no município que padece com os piores Índices do Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Por lá, o descaso no saneamento assume sua face mais nociva, ao impor à uma população extremamente vulnerável, riscos ainda maiores.

“Na região central de Japeri, são sete bairros e cerca de 30 mil pessoas dependendo da construção da estação de tratamento de água. Embora essas famílias tenham encanamento, a maioria das casas sofre com escassez. A obra parou e ninguém mais sabe quando será concluída”, lamenta Esdras.

Com investimentos de R$ 11,3 milhões do governo federal, a construção da ETA teve até cerimônia de inauguração, em 2014. As obras caminhavam bem, até pararem, em 2016. De lá para cá, nada mudou. No ano passado, a Cedae abriu concorrência para contratar empreiteira para concluir os serviços, com valor-base de R$ 24,11 milhões. O Tribunal de Contas do Rio (TCE) afirma haver inconsistência em algumas regras do edital, que devem ser revistas.

No início de 2017, a prefeitura de Japeri chegou a manifestar o interesse em romper o contrato com a Cedae. Mas não houve avanços nesse sentido. Em maio, o prefeito em exercício, Celso de Melo, protocolou ofício à Cedae pedindo a retomada das obras da estação de tratamento.

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O usuário não tem controle sobre seu consumo, nem a garantia de que está pagando o valor adequado. Além disso, muitas áreas da Baixada sofrem com intermitência no abastecimento, mas mesmo que a água não entre todos os dias nas casas, a conta chega no fim do mês com o valor baseado no consumo estimado. Um estímulo à inadimplência

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Água não entra, mas cobrança chega

Pesquisadora do Observatório das Metrópoles e professora do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Lucia Britto destaca que o baixo percentual de instalação de hidrômetros em cidades da Região Metropolitana do Rio é um gatilho para inadimplências. Japeri tem índice de apenas 11% de hidrometração, o mais baixo entre as cidades fluminenses.

“Isso significa que a cobrança é feita por consumo estimado. O usuário não tem controle sobre seu consumo, nem a garantia de que está pagando o valor adequado. Além disso, muitas áreas da Baixada sofrem com intermitência no abastecimento, mas mesmo que a água não entre todos os dias nas casas, a conta chega no fim do mês com o valor baseado no consumo estimado. Um estímulo à inadimplência”, observa. “Da mesma forma, a hidrometração deve ser adotada também em todos estabelecimentos comerciais com medições mensais e cobrança. Muitos desses estabelecimentos na Baixada possuem ligações irregulares e não pagam o que consomem”.

O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) tinha como meta para 2018 no Sudeste atingir o índice de perdas na distribuição de no máximo 33%. Os dados mostram que somente no município do Rio de Janeiro as perdas eram inferiores a esse valor, no ano de 2017.

“A Cedae precisa adotar urgentemente um programa de controle de perdas, orientado pela uma gestão sustentável e que preserve os direitos dos usuários de receberem água todos os dias em suas casas e pagarem um valor justo, respeitando os princípios decorrentes do direito humano à água”, completa Ana Lucia.

Por e-mail, a Cadae informou que está elaborando levantamento de dados com objetivo à instalação de macromedidores em regiões de favelas. Após esse estudo será possível definir quais as primeiras comunidades onde poderão instalar os equipamentos.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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