Saneamento da Barra: obras intermináveis e superfaturadas

As construções de redes, troncos coletores e elevatórias de esgotos, que custaram mais de R$ 120 milhões, deveriam ter beneficiado mais de 500 mil pessoas. Foto Custódio Coimbra

Relatórios do TCE apontam superfaturamento de R$ 18 milhões em três contratos que tiveram todos os prazos esgotados

Por Emanuel Alencar | ODS 14ODS 6 • Publicada em 22 de fevereiro de 2019 - 08:50 • Atualizada em 17 de fevereiro de 2020 - 19:54

As construções de redes, troncos coletores e elevatórias de esgotos, que custaram mais de R$ 120 milhões, deveriam ter beneficiado mais de 500 mil pessoas. Foto Custódio Coimbra
As construções de redes, troncos coletores e elevatórias de esgotos, que custaram mais de R$ 120 milhões, deveriam ter beneficiado mais de 500 mil pessoas. Foto Custódio Coimbra
As construções de redes, troncos coletores e elevatórias de esgotos, que custaram mais de R$ 120 milhões, deveriam ter beneficiado mais de 500 mil pessoas. Foto Custódio Coimbra

Em meio a uma conturbada tentativa de concessão dos serviços de esgotamento sanitário, a região da Barra e Jacarepaguá tem histórico recente de obras de saneamento que nunca terminaram e estão envoltas em superfaturamentos. Com recursos do governo do estado, por meio do Fundo Estadual de Conservação Ambiental (Fecam), três contratos da Cedae, assinados em 2013, estão na mira do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Os sobrepreços somam R$ 18 milhões. A Cedae e as empreiteiras, instadas a ressarcirem os cofres públicos, ainda podem recorrer. O que não se pode mais contestar é o cronograma de duas das três intervenções, estourado em mais de três anos.

Não há exigências quanto a prazos, e essas investigações acabam não dando em nada. Pior: quanto essas obras são paralisadas, a parte executada tende a se deteriorar. Então, quando há uma retomada, a perda de dinheiro acaba sendo inevitável

Com baixa cobertura de tratamento de esgotos e crescente favelização, a chamada Área de Planejamento 4 (AP-4) entrou no foco das políticas ambientais há sete anos, por conta das Olimpíadas e dos Jogos Paralímpicos de 2016. Ainda em 2013, a Cedae firmou três contratos somando mais de R$ 120 milhões para obras de construções de redes, troncos coletores e elevatórias de esgotos. O objetivo era melhorar as condições ambientais no quintal dos atletas que viriam competir e ajudar a limpar a barra do Rio. As intervenções beneficiaram mais de 500 mil pessoas.

O contrato de maior valor (R$ 55 milhões), chamado “Obras do Sistema de Esgotamento Sanitário do Eixo Barra-Recreio – Restinga de Itapeba” (contrato 9/2013), assinado em fevereiro de 2013, até hoje não foi concluído, com execução de 41%. Em voto proferido em novembro de 2018, a presidente do TCE, Marianna Montebello, destaca que a Corte identificou irregularidades ligadas à elaboração do projeto básico, com itens superestimados ou desnecessários e outra ligada à liquidação da despesa, “que não representou com exatidão o crédito do particular contratado efetivamente executado”. No voto, a conselheira pede à Cedae e ao Consórcio Aliter Enotec que devolvam, solidariamente, R$ 3.299.566,88 ao erário. As obras, que beneficiariam 138 mil pessoas, foram paralisadas ainda em 2017. O TCE recomenda que a Cedae rescinda o contrato e faça nova licitação.

TCE diz que ‘faltou zelo’

No caso das obras do Eixo Olímpico (contrato 8/2013), tocado pelo Consórcio Enotec Jofegê, o órgão fiscalizador apurou a existência de valores indevidos após inspeção, e determinou economia de R$ 10.220.341,95. Em voto no dia 9 fevereiro de 2017, o conselheiro do TCE Marco Antonio Alencar, hoje afastado, afirma que houve “uma total falta de zelo com o dinheiro público empregado nesta obra tão importante (…)” e que “tais equívocos não poderiam ter sido cometidos por profissionais destacados para trabalho de tal envergadura”. No voto, Alencar chama a atenção para “possível superdimensionamento em até 818%, em relação ao previsto no catálogo da EMOP (Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro), cujos valores servem de referência e não podem ser afastados sem uma justificativa convincente, o que em nenhum momento aconteceu”.

De acordo com a assessoria do TCE, o caso irá novamente a plenário. Esta intervenção, que foi concluída, tem o objetivo de captar os efluentes gerados nas adjacências da Lagoa da Tijuca (Avenidas Abelardo Bueno e Salvador Allende), impedindo o lançamento direto desse esgoto sem qualquer tipo de tratamento no ecossistema.

Procurado pelo #Colabora, o Consórcio Enotec Jofegê informou que a intervenção foi totalmente concluída, “não existindo qualquer saldo a executar do contrato”. Ainda segundo o advogado Bernardo Ferreira, procurador do Consórcio, “quanto a questão envolvendo o TCE, o Consórcio se reserva ao direito de não se manifestar no momento por se tratar de processo em trâmite, sem qualquer decisão de mérito”. Ferreira afirmou ainda, em nota, que “o Consórcio sempre atuou de acordo com as normas vigentes, não recebendo qualquer valor de forma indevida”. E que “todos os valores recebidos até a presente data refletem o serviço efetivamente executado. Ademais, cumpre-nos destacar que a proposta do Consórcio que culminou no contrato subscrito representava um desconto de 33,3% ao orçamento do Cedae”.

No caso da ampliação do sistema coletor de esgotos da Lagoa da Tijuca (contrato 26/2013), beneficiando 424 mil pessoas, o TCE pediu, no dia 14 de fevereiro de 2019, a devolução de R$ 4.766.049,00 ao erário, pela Cedae e pela construtora Augusto Velloso S/A. Essa é mais uma obra com execução a conta-gotas: 80% está pronta, estourado o prazo inicial em mais de quatro anos.

Obras paradas, deterioração e mais gastos

A morosidade de atuação do Tribunal de Contas (TCE) na fiscalização de obras públicas é histórica. Há ainda na história recente do órgão um episódio bastante constrangedor: os conselheiros Aloysio Guedes, Domingos Brazão, Marco Antônio de Alencar, José Gomes Graciosa e José Maurício Nolasco foram presos temporariamente na Operação Quinto do Ouro, em 29 de março de 2017. Soltos em 7 de abril do mesmo ano, eles seguem afastados de suas funções desde então. Todos são suspeitos de receber propina para fazerem “vista grossa” em contratos entre empreiteiras e o governo.

Na avaliação do advogado ambientalista Rogério Zouein, a lentidão das análises do TCE está associada, muitas vezes, a desfechos que não trazem consequências efetivas em benefícios à sociedade.

“Não há exigências quanto a prazos, e essas investigações acabam não dando em nada. Pior: quanto essas obras são paralisadas, a parte executada tende a se deteriorar. Então, quando há uma retomada, a perda de dinheiro acaba sendo inevitável. A suposta economia, conseguida com devoluções ao erário, vai por água abaixo, porque é bem provável que tudo que tenha que ser refeito. O resultado é que a suposta fiscalização vai ser inócua, porque a economia será inexistente”, critica.

O #Colabora entrou em contato com as empreiteiras Aliter, Enotec e Augusto Velloso, mas não obteve respostas. Foram solicitados cronograma das obras e informações sobre respostas às investigações do TCE. Os citados tiverem dois dias para enviar as respostas à reportagem. A Cedae enviou a seguinte nota: “As decisões proferidas pelo Tribunal de Contas não são definitivas e a Cedae vem prestando todas as informações necessárias para esclarecer os fatos que geraram as conclusões inicialmente apontadas pela Corte de Contas”.

Disputa pela titularidade dos esgotos

A região da Barra e Jacarepaguá é objeto de uma disputa sobre a titularidade do esgotamento sanitário. A prefeitura do Rio planeja licitar o tratamento de esgotos à iniciativa privada, deixando a Cedae com o abastecimento de água. Mas a licitação, marcada para o último dia 11, acabou cancelada pela juíza Aline Maria Gomes Massoni da Costa, da 4ª Vara de Fazenda Pública, que acatou ação anulatória da Cedae. O argumento da empresa pública é de que um contrato firmado em 2007 com a prefeitura prevê a concessão de esgotos na região para a Cedae por 50 anos, prorrogáveis por mais 50. O contrato, diz a Cedae, impede rescisão unilateral por parte do governo municipal.

O Ministério Público Estadual lembra que as políticas de saneamento da Região Metropolitana do Rio devem passar pelo crivo do novo órgão colegiado Instituto Rio Metrópole. Criado pela Lei Complementar 184/18, o órgão é formado por prefeituras e pelo governo do Estado. Os promotores querem entender ainda quem de fato ficará com o necessário saneamento das favelas, uma responsabilidade da prefeitura desde 2007, mas que efetivamente nunca foi assumida. A gestão de Crivella estima que a concessão dos esgotos na AP-4 reverterá aos cofres municipais R$ 350 milhões de outorga.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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2 comentários “Saneamento da Barra: obras intermináveis e superfaturadas

  1. Márcio B Santa Rosa disse:

    Excelente Matéria. É preciso colocar uma lente de aumento nesses contratos ligados à área de saneamento para que se consiga “sanear” o setor. Assim poderemos ter soluções permanentes pautadas na transparência e obediência às exigências contratuais e ao respeito aos cidadãos que pagam suas contas e têm direito a serviços bem realizados pela concessionária.

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