Por que o Rio de Janeiro alaga sempre?

Choveu muito, é verdade. Tem muito lixo na rua, é fato. Mas a cidade carece de infraestrutura, gestão, projetos e responsáveis

Por Agostinho Vieira | ODS 11 • Publicada em 9 de abril de 2019 - 19:38 • Atualizada em 16 de fevereiro de 2022 - 10:09

Funcionários da Comlurb tentam desobstruir os bueiros com as ruas da cidade alagadas. Foto Carl de Souza/AFP

Aconteceu novamente. Em uma segunda-feira, 8 de abril, choveu mais no Rio de Janeiro do que a previsão para todo o mês de abril. Aconteceu novamente. A cidade parou, as ruas ficaram alagadas, carros foram arrastados e pessoas morreram. Aconteceu novamente. Diante da tragédia anunciada, o prefeito da hora, o bispo Marcelo Crivella, culpou o excesso de chuva, as falhas no sistema de alarmes e aproveitou para tentar dividir a responsabilidade com a Cedae. Não que ela não mereça. Mas como diria a jovem deputada Tabata Amaral, do PDT de São Paulo, isso é muito pouco para quem está há mais de dois anos no comando da prefeitura.

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O trabalho de manutenção quase nunca é feito, ainda temos canos de chumbo espalhados pela cidade, que foram instalados no tempo do Imperador D. Pedro II

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Tabata ficou conhecida nacionalmente por interpelar o ex-ministro da Educação Ricardo Vélez em uma audiência no Congresso. O vídeo viralizou nas redes sociais, virou um sucesso de público e de crítica. “Parece que não há sequer um ministério”, dizia a parlamentar estreante de apenas 25 anos: “Em um trimestre não é possível que o senhor apresente um Power Point com dois, três desejos para cada área da educação. Cadê os projetos? Cadê as metas? Quem são os responsáveis?”, dizia a deputada.

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As mesmas cobranças poderiam ser feitas para o prefeito Crivella na Câmara de Vereadores: “Cadê os projetos? Cadê as metas? Quem são os responsáveis?”. É fato que choveu muito, choveu demais. É verdade também que a população não tem feito a sua parte, é mal-educada e continua jogando lixo nas ruas e entupindo os bueiros. Mas se o trabalho tivesse sido feito, as consequências seriam muito menores. Não é de hoje que o Rio de Janeiro sofre com as chuvas. As águas de março ou de abril já mataram muito gente por aqui, nas favelas e no asfalto. Se o problema é antigo, o que os nossos prefeitos vêm fazendo para minimizá-lo? Ganha uma bala Juquinha quem lembrar a última vez que um buraco foi aberto na cidade com o objetivo de trocar uma tubulação antiga por uma nova.

Mulheres se penduram nas grandes do Jardim Botânico para fugir das ruas alagadas. Foto Carl de Souza/AFP
Mulheres se penduram nas grandes do Jardim Botânico para fugir das ruas alagadas. Foto Carl de Souza/AFP

“Quando um buraco é aberto na rua, normalmente é para consertar um vazamento”, garante o professor Paulo Canedo, da Coppe. “O trabalho de manutenção quase nunca é feito, ainda temos canos de chumbo espalhados pela cidade, que foram instalados no tempo do Imperador D. Pedro II. A última vez que houve um trabalho mais sistemático de substituição foi no projeto Rio-Cidade, no início dos anos 90”, explica.

Para Canedo, a nossa infraestrutura de drenagem não é adequada e alagamentos como os que aconteceram esta semana e em fevereiro último voltarão a ser registrados. Segundo ele, o material usado nas tubulações do Rio é basicamente o mesmo de outras cidades desenvolvidas do mundo, o que falta é acompanhar a vida útil e trocar sempre que for necessário: “Os técnicos da prefeitura têm essas informações, basta ter planejamento e recursos para fazer o que precisa ser feito. Algumas tubulações simplesmente se desfizeram como tempo, são restos de ferro retorcidos”.

Mas trocar ou modernizar a rede de drenagem de uma cidade como o Rio deve ser algo bastante demorado e caro. Certamente. E aí que entram os projetos, as metas e os responsáveis. Como não dá para fazer tudo ao mesmo tempo, é preciso priorizar, identificar as áreas mais ameaçadas e prioritárias. Ter um projeto conceitual pronto para cada área, com custos aproximados e alternativas de solução. Isso facilitaria muito o trabalho do prefeito, de qualquer prefeito, desde que ele queria realmente gerenciar o solucionar os problemas. Caso contrário, é só esperar pela próxima tragédia.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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