Resíduo do açaí para fazer rações e cosméticos

Pesquisa de bióloga do INT revela que cerca de 80% da semente de açaí pode ser usada nas indústrias farmacêutica e de alimentos

Por Faperj | ODS 12ODS 4 • Publicada em 18 de agosto de 2019 - 21:36 • Atualizada em 10 de fevereiro de 2022 - 18:43

A bioquímica Ayla Sant’Ana no Laboratório do INT: semente de açaí, descartada no processo de produção na Amazônia, pode ser aproveitada para fazer rações e cosméticos (Foto: Amanda Oliveira/INT)

 

(Por Juliana Passos/Faperj) – Foi ao receber uma visita de rotina no laboratório em que trabalha que Ayla Sant’Ana, já interessada em trabalhar com a flora amazônica, viu sua ideia começar a se concretizar.  Na oportunidade, ainda em 2015, a pesquisadora do Laboratório de Biocatálise do Instituto Nacional de Tecnologia (Labic/INT) aproveitou para perguntar quais eram os maiores desafios em relação a resíduos da região e descobriu que 80% da semente de açaí era descartada no processo de produção e não tinha destino definido. Tendo trabalhado com biomassa da cana-de-açúcar no mestrado e no doutorado, Ayla contava com expertise na área, mas gostaria de trocar de objeto de estudo e passou então a se dedicar à composição da semente de açaí.

Vencedora do Prêmio Capes de Tese, em 2014, na categoria Biotecnologia, e, naquela ocasião, em fase de estágio probatório no INT, a pesquisadora trocou a oportunidade de fazer um ano de pós-doutorado no exterior por recursos para sua nova pesquisa. “Essa foi a oportunidade que eu tive de me lançar em um novo tema. E então comecei a pesquisar e a entrar nessa área de resíduos amazônicos”, contou Ayla, formada em Ciências Biológicas: Microbiologia e Imunologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e com mestrado e doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Bioquímica também da UFRJ.

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Para surpresa da bióloga, descobriu que aquilo que era descartado a toneladas, tinha em sua composição um alto conteúdo de uma substância chamada manana, geralmente encontrada em baixa quantidade na natureza, e com larga possibilidade de usos na indústria de alimentos e de cosméticos. “Na semente de açaí, 50% da massa seca é formada por manana e não existe registro, pelo menos nós não encontramos, de nenhum outro resíduo agroindustrial abundante que tenha uma quantidade de manana tão grande disponível na natureza. Então, o que hoje é considerado lixo e está simplesmente sendo queimado, nós vemos como algo extremamente valioso, com uma composição diferenciada,”, entusiasma-se Ayla.

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De grande potencial, a pesquisa está em fase de conclusão da primeira etapa, relativa à identificação da composição química da semente. Uma das formas de descrever as suas propriedades, explica a pesquisadora, é decompor as moléculas de açúcar até sua unidade fundamental, que, no caso da manana, significa chegar até a manose. Esses açúcares, presentes em toda semente como reserva de energia, são necessários até que seja gerada a primeira folha e, a partir daí, a força para o crescimento e desenvolvimento passa a vir da fotossíntese. É nessa composição que está o potencial dessa semente. “Esses dois produtos têm um valor de mercado muito alto. Tanto a manose é utilizada diretamente como fármaco na indústria farmacêutica como pode ser uma molécula de partida para o desenvolvimento de várias outras moléculas de interesse”, conta Ayla.

Ayla Sant'Ana e sua equipe: pesquisa de campo entre as comunidades ribeirinhas no Amapá ainda no segundo semestre de 2019 (Foto: Amanda Oliveira)
Ayla Sant’Ana e sua equipe: pesquisa de campo entre as comunidades ribeirinhas no Amapá ainda no segundo semestre de 2019 (Foto: Amanda Oliveira)

Em agosto de 2018 a equipe coordenada por Ayla depositou um pedido de patente do processo que levou à descoberta. E nesta semana a revista Nature publicou um artigo da equipe sobre a pesquisa desenvolvida. O trabalho estará descrito detalhadamente na dissertação de Ingrid Santos Miguez, contemplada com uma Bolsa Nota 10 da FAPERJ, para a realização de seu mestrado. Nesse processo de caracterização, está a bolsista de Iniciação Científica Ingrid Venturelli, também contemplada pela Fundação. Atualmente, o principal financiador da pesquisa é o Instituto Serrapilheira, do qual Ayla receberá R$ 1 milhão ao longo dos próximos três anos.

Possibilidades

Atualmente a manose já é utilizada para tratamento de infecção urinária, ainda que seus efeitos não sejam um consenso entre os pesquisadores da área médica. Ayla destaca o potencial da manose como “molécula de partida” para a produção de outras substâncias, como o manitol, receitado a todos que fazem o exame de colonoscopia, para limpeza do intestino. De acordo com a bióloga, atualmente o processo para a produção do manitol tem como base moléculas de sacarose, com aproveitamento de 25%, mas poderia chegar a 90% com a manose.

Ela conta que um licor de coloração avermelhada extraído da semente apresentou características igualmente animadoras, rica em polifenóis, substâncias associadas a propriedades antioxidantes e propriedades anti-inflamatórias. No último ano, o grupo se concentrou em realizar a caracterização química aprofundada do extrato, utilizando técnicas de identificação de alta resolução, em colaboração do Laboratório de Tabaco e Derivados do INT e do Centro de Espectrometria de Massas de Biomoléculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Mas não são apenas os humanos que podem ser beneficiados pela manana. Substâncias derivadas deste açúcar já estão presentes nas rações de alta qualidade para cães e equinos. Produzidas a partir da parede celular de leveduras, elas agora poderão ser encontradas com maior facilidade na natureza. Outra composição que chamou a atenção dos pesquisadores do Labic é a formação de açúcares que funcionam como prebióticos, ou seja, alimentam as boas bactérias presentes em nosso organismo.

A preocupação de Ayla não se limita às perspectivas de sucesso nas pesquisas sobre o fruto. A bióloga também se interessa pelas possibilidades de geração de riqueza para os produtores de açaí da região. Neste segundo semestre de 2019, ela parte para uma pesquisa de campo entre as comunidades ribeirinhas no Amapá, uma colaboração com a pesquisadora Terezinha Soares dos Santos do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (Iepa). “Ainda não temos a resposta de como isso se daria, e também não queremos impor nada. Precisamos conhecer mais a fundo o trabalho feito pelos produtores”, diz a pesquisadora. Seu desejo é poder incluir pessoas da região em um mestrado ou doutorado na pesquisa, financiada pela cláusula de estímulo à diversidade na ciência prevista no edital do Instituto Serrapilheira.

*Da Faperj

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Faperj

Este texto foi produzido e publicado originalmente no boletim da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

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