Diário da Covid-19: Pandemia reduz o ritmo nas capitais brasileiras

Consumidores lotam a rua 25 de Março, no centro de São Paulo, após a reabertura do comércio. Foto Amauri Nehn/ Brazil Photo Press/AFP

Doença avança rapidamente para o interior do país e 81% dos municípios brasileiros já possuem infectados pelo coronavírus

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 12 de junho de 2020 - 09:41 • Atualizada em 19 de dezembro de 2021 - 11:53

Consumidores lotam a rua 25 de Março, no centro de São Paulo, após a reabertura do comércio. Foto Amauri Nehn/ Brazil Photo Press/AFP

O Brasil ultrapassou a marca de 800 mil pessoas infectadas e 40 mil vidas perdidas para a covid-19, no feriado de Corpus Christi (11/06), segundo os números oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde. O país está em 2º lugar isolado no número de casos. Hoje (12/06), o Brasil deve ultrapassar o Reino Unido em número acumulado de óbitos e assumir também a segunda posição neste triste ranking.

Na contabilidade do dia a dia, o Brasil já apresenta o maior número diário de casos e de óbitos da covid-19 desde a semana passada e a cada dia se aproxima dos números acumulados dos EUA. Por conta disto, o maior país da América do Sul poderá superar o maior país das Américas em número acumulado de mortes até 29 de julho de 2020, caso as medidas de controle da covid-19 não mudem, segundo projeção feita pelo Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês), da Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos.

De fato, sabemos que os registros oficiais estão subestimados e o número de pessoas infectadas é muito maior do que o dado registrado. Ontem foi divulgada mais uma parte do estudo coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), realizado em 133 municípios do Brasil, estimando que o número de pessoas infectadas é seis vezes maior do que a estatística oficial. O estudo tem financiamento do Ministério da Saúde e avalia que a velocidade com que a doença se espalha pelo país é muito preocupante.

Profissionais de saúde da cidade de Melgaço, no Pará, voltam de barco ambulância após visitar oito famílias que vivem sem eletricidade em uma pequena comunidade ribeirinha no rio Quara. Foto Tarso Sarraf/AFP
Profissionais de saúde da cidade de Melgaço, no Pará, voltam de barco ambulância após visitar oito famílias que vivem sem eletricidade em uma pequena comunidade ribeirinha no rio Quara. Foto Tarso Sarraf/AFP

Todavia há uma boa notícia e nem tudo está perdido. O Brasil ainda pode evitar o pior cenário (aquele que indica mais de 150 mil mortes) se adotar as medidas corretas, como veremos no final deste diário. Mas antes vamos mostrar que existem alguns sinais positivos, pois o ritmo de crescimento da pandemia tem diminuído nas capitais. Os números absolutos crescem, mas os números relativos diminuem. Nas cidades sedes administrativas estaduais já há sinais de redução também dos valores absolutos. Será que o pico da pandemia já foi alcançado nas capitais e já teve início a descida da curva?

Ainda é cedo para se ter uma conclusão definitiva, mas as 27 capitais que, em conjunto, foram responsáveis pelo grande surto inicial já apresentam menor ritmo do que os demais municípios brasileiros e já começam a registrar números médios menores de mortes. Por exemplo, a cidade de São Paulo ultrapassou por pouco a média de 100 mortes diárias na 22ª Semana Epidemiológica (SE de 24 a 30 de maio), mas reduziu ligeiramente na 23ª SE e manteve uma média de menos de 100 mortes diárias nos primeiros 11 dias de junho.

Os dois ritmos da pandemia no Brasil

O Brasil tem 5.570 municípios. As 27 capitais brasileiras (incluindo Brasília) possuem uma população conjunta de 50,1 milhões de habitantes, representando 24% do total de 210,1 milhões de habitantes. Os demais 5.543 municípios possuem 160 milhões de habitantes (76% do total).

O gráfico abaixo mostra o percentual do número de casos entre as 27 capitais e o restante dos municípios brasileiros. No dia 28 de março, o Brasil tinha 3.903 pessoas infectadas, sendo 3.003 nas capitais (76,9%) e 900 nos demais municípios (23,1%). Mas ao longo das semanas seguintes este quadro foi mudando e no dia 09/06, as 27 capitais tinham 308.382 casos (41,7%) e os demais municípios tinham 431.121 casos (58,3%). Portanto, o número de pessoas infectadas cresceu muito mais rápido fora das capitais (considerando que existem municípios com zero casos e zero mortes).

O gráfico abaixo revela o percentual do número de mortes entre as 27 capitais e o restante dos municípios brasileiros. No dia 28 de março, o Brasil registrou 114 óbitos pela covid-19, sendo 95 nas capitais (83,3%) e 19 nos demais municípios (16,7%). Mas ao longo das semanas seguintes este quadro foi mudando e no dia 09/06, as 27 capitais registraram 20.327 óbitos (52,9%) e os demais municípios registraram 18.079 óbitos (47,1%). Portanto, o ritmo do crescimento do número de pessoas que perderam a vida foi maior entre os municípios fora das capitais.

O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes da covid-19 para os 5.543 municípios que não são sedes estaduais de 29 março até o dia 09 de junho. Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis. Mas as linhas (pontilhadas) do ajuste da tendência polinomial de terceiro grau apresentam uma suavização das oscilações sazonais e indicam uma extrapolação para os próximos 7 dias.

O importante a observar é que existe de fato uma tendência ao aumento diário acentuado dos casos nos 5.543 municípios brasileiros. Porém, o crescimento do número de mortes apresenta uma menor inclinação, indicando uma certa estabilização em um platô elevado. A perspectiva para os próximos 7 dias é um número médio próximo de 600 óbitos diários.

O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes da covid-19 para o conjunto das 27 capitais de 29 março até o dia 09 de junho. A metodologia é semelhante à anterior.

Vale indicar que também aqui existe uma tendência ao aumento diário do número de casos nas 27 capitais, mas em ritmo mais suave que nos demais 5.543 municípios. Porém, o gráfico indica que o crescimento do número de mortes parece ter atingido o pico no início de junho e já apresenta uma tendência de decrescimento da curva. A perspectiva para os próximos 7 dias é um número médio próximo de 400 óbitos diários, significando queda nos valores semanais.

Todavia, seria ainda intempestivo dizer que as capitais brasileiras já ultrapassaram o pico e começaram a “descer a ladeira”. Isto porque, os números até o dia 09 de junho estavam muito influenciados pelos menores valores do fim de semana passado. Talvez no final da próxima semana seja possível avaliar melhor com um número maior de observações se esta reversão da curva veio realmente para ficar.

Todos os dados acima mostram que a pandemia do novo coronavírus tem dois ritmos no Brasil. A doença está avançando cada vez mais para as cidades menores e já são 81% dos municípios brasileiros com algum caso da covid-19. Nos 5.543 municípios que já possuem algum caso ou tem o potencial de contrair a doença e registrar vítimas fatais, a velocidade da transmissão ocorre em ritmo mais acelerado do que nas capitais.

As 27 capitais brasileiras parecem que estão seguindo um certo padrão internacional de avanço rápido da pandemia e depois uma redução também rápida em um espaço temporal de 3 meses. O dia 17 de junho marcará os 3 meses da primeira morte ocorrida na cidade de São Paulo. Os dados indicam que existe uma tendência de redução principalmente no número de mortes nas capitais.

Contudo, existem dois perigos que podem comprometer uma possível descida na curva pandêmica nas capitais. Um perigo é que muitas pessoas com sintomas de covid-19 no interior venham para as capitais para se tratar no sistema de saúde e, no processo de deslocamento e tratamento, acabem contribuindo para um maior número de contágios.

Outro perigo é o crescimento dos casos com o fim do isolamento social e a retomada das atividades. O Brasil ainda tem o número básico de reprodução (R0) acima de um, o que torna perigoso um repique no contágio e até uma segunda onda de casos, que levariam também ao aumento das mortes. O Brasil está numa encruzilhada. Pode escolher controlar a pandemia ou pode escolher liberar a economia. Os próximos dias vão revelar qual o caminho escolhido.

Frase do dia 12 de junho de 2020

“Lágrimas não são argumentos”

Machado de Assis (1839-1908)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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