Diário da Covid-19: Brasil se aproxima do recorde de mortes da pandemia

Dulcineia Gomes Pedrada, dona de casa de 97 anos, foi uma das primeiras idosas vacinadas na campanha da prefeitura do Rio contra a covid-19. Foto Thiago Ribeiro/AGIF

Vacinação avança lentamente e mortalidade pelo coronavírus deve piorar antes de melhorar

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 31 de janeiro de 2021 - 10:44 • Atualizada em 9 de fevereiro de 2021 - 09:33

Dulcineia Gomes Pedrada, dona de casa de 97 anos, foi uma das primeiras idosas vacinadas na campanha da prefeitura do Rio contra a covid-19. Foto Thiago Ribeiro/AGIF

O número diário de pessoas infectadas no Brasil se manteve acima de 50 mil casos no mês de janeiro de 2021 e a curva epidemiológica de mortalidade, em ascensão, está com uma média diária acima de 1.000 vidas perdidas, aproximando-se dos montantes ocorridos no pico dos óbitos registrados em julho de 2020. Mesmo com o início da vacinação – que por sinal caminha em ritmo muito lento – tudo indica que a mortalidade pelo SARS-CoV-2 ainda vai piorar antes de apresentar tendência de significativa melhoria.

A vacinação avança de maneira rápida em alguns países, em ritmo lento em outros e nem começou na maioria das nações do mundo. Em pouco mais de um mês, Israel já vacinou 54% da sua população. Os Emirados Árabes Unidos e Seychelles já vacinaram 31% dos seus habitantes. O Reino Unido – que foi o primeiro país a aplicar doses da vacina de Oxford, a partir do dia 08 de dezembro – conseguiu imunizar 13% da população até o dia 29/01. Os EUA vacinaram 8,4% e o Brasil – que começou a vacinação no dia 17/01 – chegou em 29 de janeiro com cerca de 0,8% da população imunizada. A média mundial está em 1,2%, conforme mostra o gráfico abaixo.

Não há dúvida de que a vacina protege a pessoa vacinada. Porém, os estudos científicos dizem que levaria meses até que as pessoas sejam imunizadas, em número suficiente, para permitir a retomada da vida normal. A chegada de vacinas altamente eficazes em dezembro aumentou a esperança de que elas acabem retardando ou contendo a disseminação da doença pelo conjunto da população. Mas somente as vacinas não são suficientes e as medidas preventivas não podem ser abandonadas.

Além do mais, a despeito do grande esforço do desenvolvimento de vacinas, o grande perigo atual são as novas variantes do coronavírus. Vários países já estão sofrendo com as novas cepas do SARS-CoV-2 que possuem maior grau de transmissibilidade, podem reinfectar as pessoas e se espalham rapidamente, como no caso das mutações da Inglaterra (B.1.1.7) e da África do Sul (B.1.351). Ainda não se conhece o real potencial da cepa surgida em Manaus, mas os relatos clínicos indicam que a deterioração dos pacientes é maior e mais rápida. Pesquisadores de dez instituições, incluindo a Imperial College, a Universidade de Oxford e diversas instituições brasileiras, publicaram artigo no site Virological descrevendo casos da nova variante que recebeu o nome de “P.1”. As conclusões iniciais são de que essas cepas, que estão se espalhando pelo mundo, podem tornar inúteis os anticorpos monoclonais que estão sendo desenvolvidos como tratamento e devem ameaçar de forma significativa a eficácia das vacinas.

O perigo é que a propagação destas novas cepas se transforme em um tsunami que amplie a pandemia no Brasil e na América Latina. Na semana passada, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que a nova mutação pode ser mais difícil de lidar e que a decisão de transferir os pacientes com covid-19 de Manaus, sem o menor cuidado, deve ter plantado mudas da nova cepa em todo o Brasil e que poderemos ter uma “mega epidemia” daqui a 60 dias.

O panorama da covid-19 no Brasil

Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil chegou ao dia 30 de janeiro de 2021 como 9,23 milhões pessoas infectadas e 224,6 mil vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 2,4%. O mês de janeiro bateu todos os recordes mensais anteriores em número de casos e o número de mortes está em ascensão e já se aproxima do recorde ocorrido em julho de 2020.

O gráfico abaixo mostra os valores diários dos casos da covid-19 no Brasil nas 22 quinzenas de 01 de março a 31 de janeiro de 2021. Nota-se que, na quinzena de 01 a 15 de março, houve uma média diária de apenas 13 casos, passou para 8.856 casos na primeira quinzena de maio e deu um salto para o pico da 1ª onda de 43.641 casos na primeira quinzena de agosto. Nas quinzenas seguintes os números caíram até 21,8 mil casos de 01 a 15 de novembro. Todavia, a 2ª onda ganhou força e os números voltaram a subir e chegaram a 44,1 mil casos na segunda quinzena de dezembro de 2020, batendo o recorde de 52 mil casos na última quinzena de janeiro de 2021.

O gráfico abaixo mostra os valores diários dos casos da covid-19 no Brasil de março de 2020 a janeiro de 2021. Nota-se que no mês de março houve apenas 184 casos diários em média, passando para 2.655 casos diários em abril e saltando para o pico da 1ª onda em julho de 2020 com 40,7 mil casos diários. Houve queda nos meses de agosto, setembro e outubro. Porém, uma 2ª onda começou em novembro, sendo que o mês de dezembro apresentou o pico de 2020 com 43.229 casos diários e o primeiro mês de 2021 manteve média recorde em torno de 50 mil casos. Os números de janeiro foram maiores do que o montante de casos de todo o primeiro semestre do ano passado.

O gráfico abaixo mostra os valores diários do número de óbitos no Brasil nas 21 quinzenas de 16 de março de 2020 a 31 de janeiro de 2021. Nota-se que, na quinzena de 16 a 31 de março, houve uma média diária de apenas 13 óbitos. Na segunda quinzena de maio o número médio diário de mortes pulou para 906 óbitos e continuou aumentando até o pico de 1.069 óbitos na segunda quinzena de julho. A partir de agosto o número de mortes diminuiu até o mínimo de uma média diária de 394 óbitos na primeira quinzena de novembro. Porém, as cifras voltaram a subir no restante do ano e continuou subindo em janeiro de 2021. A média diária de 1.025 óbitos na segunda quinzena de janeiro de 2021 está próxima do valor máximo de 2020. Tudo indica que, em fevereiro de 2021, infelizmente, o recorde diário de óbitos deva ser atingido.

O gráfico abaixo mostra os valores diários dos óbitos da covid-19 no Brasil nos 11 meses de 2020. Nota-se que no mês de março houve apenas 6 vítimas fatais diárias em média, passando para 190 óbitos diários em abril e saltando para o pico da 1ª onda de 1.061 óbitos diários em julho de 2020. Houve queda nos meses de agosto a novembro, mas um novo aumento em dezembro, com média de 704 mortes e um valor ainda maior de 958 vidas perdidas em janeiro de 2021. A média diária de vidas perdidas foi de 490 óbitos no 1º semestre e saltou para 731 óbitos no segundo semestre do ano passado. O primeiro mês de 2021 começa com a curva epidemiológica com números elevados e em ascensão.

As curvas epidemiológicas estavam subindo no primeiro semestre, atingiram um pico em julho e iniciaram um período de redução até o início de novembro. Mas houve uma reversão das curvas que passaram a apresentar uma tendência de alta. O pico da média móvel de casos da 2ª onda superou o pico da 1ª onda na semana de 13 a 19 de dezembro de 2020 e atingiram o auge em janeiro de 2021 A média móvel de mortes também apresenta tendência de alta, sendo que o ajuste polinomial indica que as curvas epidemiológicas começam o mês de fevereiro de 2021 com tendência de alta.

O panorama global da pandemia

O mundo chegou a 102,6 milhões de pessoas infectadas e a 2,2 milhões de vidas perdidas para a covid-19 no dia 30 de janeiro, com taxa de letalidade de 2,2%, segundo a Universidade Johns Hopkins.

O gráfico abaixo mostra a evolução da média diária dos casos da covid-19 no mundo, nas 24 quinzenas de 01 de fevereiro a 31 de janeiro de 2021. Nota-se que, na quinzena de 01 a 15 de fevereiro, houve uma média diária de 3,9 mil casos. Na quinzena 16 a 31 de março, o número de casos deu um salto para 44,2 mil e continuou subindo até 272,5 mil casos na quinzena de 01 a 15 de setembro. Nas quinzenas seguintes houve uma aceleração com a média diária ultrapassando 600 mil casos em dezembro de 2020. O pico de toda a série ocorreu na primeira quinzena de janeiro de 2021, com praticamente 700 mil casos diários. Felizmente, o número de casos teve uma queda expressiva na segunda quinzena de janeiro, ficando abaixo de 600 mil casos diários.

O gráfico abaixo mostra os valores diários dos casos da covid-19 no mundo nos 12 meses de 2020 e janeiro de 2021. Nota-se que no mês de janeiro houve menos de 1 mil casos diários em média (quase todos na China), passando para 2,6 mil casos diários em fevereiro, 25 mil casos em março e 283 mil casos em setembro. Nos últimos 4 meses do ano houve uma aceleração da pandemia chegando a 623 mil casos diários em dezembro de 2020. No primeiro semestre a média diária de pessoas infectadas foi de 57 mil casos e passou para 394 mil casos no segundo semestre de 2020. Lastimavelmente, os números médios de janeiro de 2021 foram ainda maiores (embora a 2ª quinzena de janeiro tenha números menores do que na 1ª quinzena).

O gráfico abaixo mostra a evolução do número diário de óbitos no mundo nas 24 quinzenas de 01 de fevereiro a 31 de janeiro de 2021. Na quinzena de 01 a 15 de fevereiro, houve uma média diária de apenas 97 vidas perdidas, dando um salto para 2,4 mil óbitos na segunda quinzena de março e para o pico da 1ª onda com 6,6 mil óbitos na primeira quinzena de abril. Este pico não foi superado até a segunda quinzena de outubro. Mas a 2ª onda trouxe números elevados em novembro e dezembro, com o pico de mortes diárias do ano sendo atingido entre 16 e 31/12 com 11.419 óbitos. Lamentavelmente, os números continuaram subindo em janeiro de 2021 e chegaram ao cume de 13,6 mil mortes diárias entre 16 e 31 de janeiro de 2021 (mais do que o dobro do pico da primeira quinzena de abril de 2020).

O gráfico abaixo mostra os valores diários dos casos da covid-19 no mundo nos 12 meses de 2020 e janeiro de 2021. Nota-se que nos meses de janeiro e fevereiro houve menos de 50 mortes diárias em média (quase todos na China), passando para 1,3 mil óbitos diários em março e chegando ao pico de 6,4 mil mortes diárias em abril. Entre maio e outubro os números foram menores. Mas em novembro a média diária de vidas perdidas passou para 9,1 mil óbitos diários e para 11,3 mil óbitos diários em dezembro de 2020. No primeiro semestre do ano houve uma média de 2,8 mil mortes diárias, passando para 7,1 mil no segundo semestre. O que estava ruim piorou ainda mais em janeiro de 2021 com 13,2 mil vidas perdidas diariamente.

Os números internacionais da pandemia são realmente preocupantes, pois a covid-19 já atingiu 218 países e territórios e o mundo já ultrapassou 100 milhões de pessoas infectadas pelo novo coronavírus e houve mais 2 milhões de vítimas fatais. O ano de 2021 começou com números muito superiores aos de janeiro de 2020. No dia 01 de março, havia somente 1 país com mais de 10 mil casos confirmados de Covid-19 (a China) e havia 5 países com valores entre 1 mil e 10 mil casos (Irã, Coreia do Sul, França, Espanha, Alemanha e EUA). No dia 01 de abril já havia 50 países com mais de 1 mil casos, sendo 36 países com montantes entre 1 mil e 10 mil casos, 11 países com números entre 10 mil e 100 mil e 3 países com mais de 100 mil casos. No primeiro dia de 2021 já havia 175 países com mais de 1 mil casos e 18 países com mais de 1 milhão de casos.

Os números continuaram aumentando e no 01 dia de fevereiro de 2021 já se registra 182 países com mais de 1 mil casos, sendo 46 entre 1 mil e 10 mil casos, 55 países entre 10 e 100 mil casos, 61 países entre 100 mil e 1 milhão de casos e 20 países com mais de 1 milhão de casos. A lista dos 20 primeiros colocados do ranking, com a data em que chegaram à marca de 1 milhão, são: EUA (27/04), Brasil (19/06), Índia (16/07), Rússia (01/09), Espanha (15/10), Argentina (19/10), França (23/10), Colômbia (24/10), Turquia (28/10), Reino Unido (31/10), Itália (11/11); México (15/11),  Alemanha (26/11), Polônia (02/12), Irã (03/12), Peru (22/12), Ucrânia (24/12), África do Sul (26/12), Indonésia (26/01) e República Tcheca (01/02).

A pandemia atingiu todos os países e todos os continentes do mundo, se transformando no primeiro acontecimento global na história humana, como afirmou Branko Milanović, em artigo recente. Mas o impacto foi muito diferenciado nas regiões e nas variadas nações.

O Instituto Lowy de Sydney publicou estudo analisando as políticas adotadas contra a covid-19 e o desempenho obtido em  98 países de acordo com seis critérios, como casos confirmados, mortes, capacidade de detecção da doença, etc. Confirmando o que temos afirmado repetidamente aqui no # Colabora, no Diário da Covid-19, os três países com melhor desempenho e no topo do ranking são Nova Zelândia, Vietnã e Taiwan. Estes países fizeram uma excelente barreira sanitária, testaram, rastrearam e monitoraram os doentes e estabeleceram uma forte sinergia entre o Poder Público e a Sociedade Civil, praticamente, eliminando a transmissão comunitária do vírus. Já a gestão pública brasileira da pandemia foi considerada a pior do mundo entre as 98 nações analisadas.

A cada dia fica claro que o Brasil poderia ter reduzido o número das quase 10 milhões de pessoas doentes e ter evitado muitas das mais de 220 mil vidas perdidas. Se o Brasil tivesse controlado a doença teria evitado uma queda do Produto Interno Bruto de cerca de 4% em 2020, uma redução da renda per capita de 5%, um desemprego e uma subutilização da força de trabalho algo em torno de 30 milhões de pessoas, um déficit público de R$ 743 bilhões e uma dívida pública que se aproxima de 100% do PIB. Em síntese, o Brasil falhou no controle da emergência sanitária, falhou na gestão macroeconômica e falhou na solução dos problemas sociais.

Evidentemente, as causas do sofrimento brasileiro são complexas e são muitos os culpados pelo agravamento da pandemia no território nacional. Mas como mostramos no dia 24/01, aqui no Diário da Covid, uma pesquisa recente constatou que o principal vetor do descontrole pandêmico ocorreu em função das políticas e atitudes equivocadas promovidas pelo “Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”. Indubitavelmente, a sociedade brasileira precisa conquistar a liberdade de pensamento e a autonomia para contornar a heteronomia governamental.

 Frase do dia 31 de janeiro de 2020

“Nenhum poder na Terra é capaz de deter um povo oprimido, determinado a conquistar sua liberdade”

Nelson Mandela (1918-2013)

 Referências:

ALVES, JED. Diário da Covid-19: Brasil vive rápida expansão da pandemia e lenta vacinação, # Colabora, 24/01/2021

https://projetocolabora.com.br/ods3/brasil-vive-expansao-da-pandemia-e-lenta-vacinacao/

BRANKO MILANOVIĆ. O primeiro acontecimento global na história humana, IHU, 29/01/2021

http://www.ihu.unisinos.br/606472-o-primeiro-acontecimento-global-na-historia-humana-artigo-de-branko-milanovic

LOWY INSTITUTE. Covid Performance Index. Deconstructing Pandemic Responses, January 2021

https://interactives.lowyinstitute.org/features/covid-performance/

NUNO R. FARIA et al. Genomic characterisation of an emergent SARS-CoV-2 lineage in Manaus: preliminary findings, Virological, 13/01/2021

https://virological.org/t/genomic-characterisation-of-an-emergent-sars-cov-2-lineage-in-manaus-preliminary-findings/586

 

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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Um comentário em “Diário da Covid-19: Brasil se aproxima do recorde de mortes da pandemia

  1. Esmeralda disse:

    Eu ainda não acredito que muita gente negligencia esses números e continuam saindo de casa sem máscara, sem álcool em gel e principalmente, não ligando para distanciamento social.
    É difícil para todos, mas acho que só assim a gente conseguiria de alguma forma controlar a propagação desta doença. Até que venha a vacina

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