Diário da Covid-19: Brasil responde por 26% das mortes diárias no mundo

Um menino da comunidade ribeirinha de Educandos, em Manaus, brinca em meio ao lixo. Foto Michael Dantas/AFP

Sem controle e gestão adequados, casos e óbitos no país crescem a um ritmo três vezes maior do que a média global

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 27 de maio de 2020 - 11:17 • Atualizada em 19 de dezembro de 2021 - 11:58

Um menino da comunidade ribeirinha de Educandos, em Manaus, brinca em meio ao lixo. Foto Michael Dantas/AFP

Os acontecimentos recentes do Brasil parecem cada vez mais com um filme de bang-bang, sem mocinho. Enquanto o presidente da República promete armar a população, a incompetência e a corrupção endêmicas são um terreno fértil para a multiplicação e a propagação do novo coronavírus. Na ignóbil reunião ministerial de 22 de abril, Ricardo Salles, do ministério do Meio Ambiente, se declarou aliado e não inimigo do coronavírus, pois defendeu passar “a boiada” e mudar regras ambientais enquanto a atenção da mídia está voltada para a covid-19.

O Brasil assumiu o primeiro lugar no ranking global de vidas diárias perdidas para a covid-19. Pelo terceiro dia consecutivo, o segundo maior país das Américas ultrapassou os Estados Unidos e os 1.039 óbitos registrados no dia 26 de maio representam uma enorme proporção dos 4.048 óbitos globais. O país governado por Bolsonaro – que tem 2,7% da população mundial – atingiu 26% do total de vidas ceifadas globalmente no dia 26/05. Não totalmente sem razão, o presidente Donald Trump, contrariou seu amigo dos trópicos e fechou as fronteiras para todos os habitantes do país pentacampeão no futebol.

Nessa semana, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a América Latina e Caribe (ALC) o novo epicentro global da pandemia do coronavírus. E o Brasil é o epicentro da pandemia na ALC, crescendo a um ritmo cerca de 3 vezes mais rápido do que a média global. O estado de São Paulo tem sido o epicentro da pandemia no Brasil e já ultrapassou a China, pois tinha 86.017 casos e 6.423 óbitos, contra 82.992 casos e 4.634 óbitos dos chineses, ambos no dia 26/05.

Barco ambulância transporta um paciente infectado com o novo coronavírus da comunidade de Portel para um hospital em Breves, na ilha de Marajó, no Pará. Foto Tarso Sarraf/AFP
Barco ambulância transporta um paciente infectado com o novo coronavírus da comunidade de Portel para um hospital em Breves, na ilha de Marajó, no Pará. Foto Tarso Sarraf/AFP

Porém, o Rio de Janeiro – estado que tem uma longa tradição de práticas ilícitas na saúde – tem avançado mais rapidamente do que São Paulo, já atingiu 4.361 óbitos e deve ultrapassar a China na quinta ou sexta-feira desta semana. O estado governado pelo juiz Witzel já ultrapassou o estado governado pelo publicitário Dória em número diário de falecimentos, 256 óbitos no RJ contra 203 óbitos de SP nas últimas 24 horas. As capitais destes estados – as duas maiores cidades do país – não ficam para trás. O município governado pelo advogado Covas já atingiu 3.691 óbitos no dia 26/05, mas o município governado pelo bispo Crivella atingiu 2.831 óbitos no mesmo dia e cresce num ritmo mais célere. Nos últimos 7 dias, os cariocas perderam mais vidas para a covid-19 (726 óbitos) do que os paulistanos (695 óbitos). Estas duas cidades devem ultrapassar, cada uma a seu tempo, os números de óbitos da China ao longo do mês de junho.

O Instituto para Métricas de Saúde e Avaliação (IHME, na sigla em inglês), ligado à Universidade de Washington, nos Estados Unidos, divulgou uma estimativa ontem de que o Brasil deve passar de 125 mil vidas perdidas para a covid-19 até o dia 04 de agosto de 2020, sendo 32.043 óbitos no estado de São Paulo e 25.755 óbitos no estado do Rio de Janeiro. Evidentemente, toda projeção está sujeita a erros, em decorrência do “andar diário da carruagem”, mas não será uma surpresa se estes números forem superados e se o Rio de Janeiro ultrapassar São Paulo.

A aguardada pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), financiada com verbas do Ministério da Saúde, a  Epicovid19, coletou dados de mais de 25 mil pessoas de 133 cidades em todos os estados do Brasil (embora em apenas 90 delas foi possível recolher uma amostra significativa dos testes sorológicos) e estimou a proporção de brasileiros com anticorpos ao vírus (prevalência) em 1,4%. É uma parcela pequena e que sugere que a pandemia vai continuar avançando até atingir uma prevalência maior, significando que o pico do surto pandêmico ainda não está visível no horizonte.

Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura

O panorama nacional

O Ministério da Saúde informou, no início da noite de terça-feira (26/05), que o país atingiu 391.222 casos e 24.512 óbitos pela covid-19, com uma taxa de letalidade de 6,3%. O número diário de pessoas infectadas foi de 16.324 e o número diário de vítimas fatais foi de 1.039 pessoas. O Brasil teve ontem 680 novos casos por hora e 43 óbitos por hora.

O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e óbitos no Brasil de 01 março até o dia 26 de maio. Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis. Mas as linhas (pontilhadas) de tendência polinomial de terceiro grau apresentam uma suavização das oscilações sazonais e indicam uma extrapolação para os próximos 7 dias.

O importante a observar é que existe de fato uma tendência ao aumento diário dos casos e dos óbitos e a perspectiva que estes valores elevados de ontem (26/05) devam se repetir nos próximos dias e na semana que vem e devem bater novos recordes, pois o pico da pandemia ainda não está à vista. O fato é que o ritmo da doença está extrapolando as capitais e avança em alta velocidade para o interior e não poupa nem as cidades pequenas.

O panorama global

O mundo atingiu 5,7 milhões de pessoas infectadas pela covid-19 no dia 26 de maio de 2020 e 351,7 mil vidas ceifadas. Na última semana houve um aumento do número de casos de tal forma que a tendência de declínio se inverteu e começou a subir. Porém, houve até uma aceleração da diminuição do número de óbitos e claramente o mundo já ultrapassou o pico da curva normal dos falecimentos e já começou a “descer a ladeira”.

A diferença entre a curva de óbitos dos dois gráficos é contrastante. A curva brasileira aponta para números diários acima de 1 mil vidas ceifadas, enquanto a curva global aponta para um número próximo de 2 mil. Assim, o Brasil, que já é responsável por 26% dos óbitos do mundo por covid-19, pode chegar a incríveis percentagens em torno de 50%.

Evidentemente, não é uma situação normal. O Brasil já constitui um exemplo de caso catastrófico no mundo covídico. São quase 25 mil óbitos, representando 116 vidas eliminadas por milhão de habitantes. Como mostramos em outros diários, a Nova Zelândia tem apenas 21 óbitos, significando 4 vidas perdidas por milhão de habitantes. O Paraguai tem somente 11 óbitos ou 2 vidas ceifadas por milhão. O Vietnã teve zero perdas.

A receita para vencer o coronavírus é simples e é repetida de uma geração para outra: prevenir ao invés de remediar. Mas o Brasil não preveniu. Não testou o suficiente para identificar as pessoas infectadas. Não rastreou e monitorou os doentes. Não foi honesto na gestão financeira da pandemia. Perdeu totalmente o controle do contágio e não está fazendo uma quarentena apropriada, nem um isolamento social decente. Não está remediando adequadamente. Não está criando unidade e sinergia entre o Poder Público e a Sociedade Civil.  Não está fazendo o dever de casa, ficará muito tempo em recuperação e já está reprovado pela comunidade internacional.

Frase do dia 27 de maio de 2020

“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”

João Guimarães Rosa (1908-1967)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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