‘A prostituição me acolheu’, afirma mulher trans excluída pelo mercado formal

Laiza, mulher trans sem chance no mercado de trabalho: “Ninguém quer uma pessoa trans na empresa” (Foto: Arquivo Pessoal)

Após realizar a transição, Laíza não conseguiu mais emprego e hoje enfrenta os riscos das profissionais do sexo

Por Adriana Amâncio | ODS 16 • Publicada em 28 de julho de 2023 - 09:52 • Atualizada em 22 de novembro de 2023 - 08:30

Laiza, mulher trans sem chance no mercado de trabalho: “Ninguém quer uma pessoa trans na empresa” (Foto: Arquivo Pessoal)

Até os 20 anos, quando Laiza Emanuelly dos Santos exibia o corpo de um jovem negro, nascido na periferia de Olinda, mesmo com dificuldades, conseguiu trabalhar como vendedor de tapioca no Alto da Sé, importante ponto turístico da cidade, e em uma empresa de fast food. Após realizar a mudança de sexo e de nome no documento, conta que nunca mais conseguiu emprego. Por longos três anos, percorreu lojas, shoppings e restaurantes entregando currículo. Queria qualquer vaga, desde vendedora a auxiliar de serviços gerais, mas nunca teve êxito.

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“O povo é muito preconceituoso! Tinha gente que nem pegava o currículo, olhava e dizia logo: ‘tem vaga não!’. Outros chamavam para a entrevista, mas não passava disso”, recorda. Pergunto por qual razão ela acha que não era contratada. “Ninguém quer uma pessoa trans na empresa”, afirma, categórica. Sem rede de apoio, precisando se alimentar e ter uma casa, Laiza se tornou profissional do sexo. “A prostituição me acolheu”. Apesar de lidar com o medo no dia a dia, depõe que no mercado do sexo ela é aceita do jeito que se sente feliz.

A rotina é marcada não só pelo medo, mas também pela tensão constante. “Conheci uma amiga em Belém, que saiu para atender um cliente e não voltou. Ele a levou para um matagal e a esfaqueou. Por isso, a gente entra no carro e não sabe se volta. Negocia o pagamento adiantado. É difícil, mas me adapto pelo dinheiro”, relata.

Laiza estudou até o 1º ano do Ensino Médio. Quando trabalhava como atendente na loja de fast food, ganhava um salário mínimo (R$ 1.325). Hoje, Laiza recebe R$ 3 mil atendendo clientes, de segunda a domingo, por meio de um site, em um cinema pornô, localizado no Centro do Recife, e em grandes avenidas. Paga aluguel, alimentação, água e luz, e ainda conseguiu fazer cirurgias reparadoras. “Fiz os seios, o bumbum e o nariz”, explica.

Quando a procura dos clientes cai, ela costuma viajar para atender em outros estados, como Distrito Federal e Alagoas. A jovem também afirma que o trabalho na prostituição é insalubre. “A gente passa frio na avenida, lutando até tarde pelo cliente. Tem que lidar com gente  usando droga”, reclama. 

Até os 17 anos, Laiza assinava como Lailson dos Santos, tinha a homossexualidade como orientação sexual e já na adolescência passou a tomar hormônios femininos. Ela não teve acolhimento familiar diante do gênero com o qual se identifica.

A realidade que vive Laiza é a mesma de 90% das pessoas trans no Brasil, revelam os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Por dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, quase 100% da população trans têm a prostituição como única fonte de sobrevivência. 

De acordo com a advogada e cofundadora da plataforma de empregabilidade trans Transempregos, Márcia Rocha, a prostituição é um caminho “ao qual as pessoas trans recorrem logo cedo, quando, em muitos casos, são expulsas de casa, e não tem meios de sobreviver”, explica. Em relação ao desemprego, a líder de Operações na Transcendemos, consultoria de Diversidade e Inclusão, Simone Adriani, acredita que a base do problema é o preconceito. “A população trans é marginalizada. Sofre preconceito na escola e abandona os estudos, tendo dificuldade de ocupar os melhores postos. O mercado reflete o que a sociedade pensa sobre pessoas trans e, recentemente, a onda de conservadorismo agravou isso”.

Decidir contratar pessoas trans é só uma etapa do processo de implantação de inclusão e diversidade da empresa. Segundo Simone, é necessário preparar o ambiente organizacional para a pessoa se integrar. “É preciso fazer treinamentos com a equipe para acolher a pessoa, adaptar banheiros, crachás e e-mails institucionais, ter lideranças internas para contribuir com a contratação, além de preparar as pessoas da equipe dos recursos humanos para fazer a seleção, evitando perguntas invasivas”, enumera.

Maior empresa do setor de tecnologia de nuvem do mundo, a Amazon Web Services (AWS) entende que para crescer economicamente e estar presente junto ao cliente, é preciso ter uma equipe diversa. “Não é só uma questão de responsabilidade social, é uma questão de tornar o nosso negócio mais competitivo”, reconhece a líder do Squad de Inclusão e Diversidade da empresa, Fernanda Spinardi. 

Este mês julho, a empresa começou capacitação em tecnologia de nuvem com cerca de 30 mil pessoas LGBTQIA+ de forma gratuita. As atividades estão sendo realizadas em parceria com a Casa Neon Cunha, de São Bernardo do Campo, o Instituto Mais Diversidade e Todxs, de São Paulo, e a Casinha Acolhida, do Rio de Janeiro. A iniciativa integra um grupo de afinidade, que presta apoio às pessoas LGBTQIA+. Além das capacitações, o grupo realiza rodadas de conversa com a equipe para criar ambiente de acolhimento, adota o crachá e e-mail com o nome com os quais esses profissionais se identificam.

Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

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