Enquanto Bolsonaro mente, a floresta queima

Bombeiros e voluntários combatem um incêndio na Floresta Amazônica, na região de Apuí, sul do Amazonas. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os focos na região amazônica tiveram um aumento recorde na primeira metade de setembro, enquanto Bolsonaro mente sobre dados (Foto: MICHAEL DANTAS/AFP – 21/09/2022)

Brasil queimou área maior do que Pernambuco nos nove primeiros meses de 2022. Presidente deixará um legado de destruição na Amazônia

Por Agostinho Vieira | ODS 15 • Publicada em 17 de outubro de 2022 - 14:35 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 20:20

Bombeiros e voluntários combatem um incêndio na Floresta Amazônica, na região de Apuí, sul do Amazonas. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os focos na região amazônica tiveram um aumento recorde na primeira metade de setembro, enquanto Bolsonaro mente sobre dados (Foto: MICHAEL DANTAS/AFP – 21/09/2022)

Dá um Google. Foi a sugestão que o presidente Jair Bolsonaro fez para o ex-presidente Lula, no domingo, 16 de outubro, durante o debate entre os presidenciáveis promovido pela Band, UOL, Folha de S.Paulo e TV Cultura. O objetivo era convencer os eleitores de que, em seus quatro anos de governo, Bolsonaro desmatou menos a Amazônia do que Lula. Tarefa difícil, quase impossível. Mas para um político cínico, acostumado a mentir e distorcer os fatos, nada é impossível.

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Vamos aos fatos. De acordo com os dados oficiais do PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia por Satélites), coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), quando Lula foi eleito, em 2002, o desmatamento da Amazônia estava em 21.650 km². Quando deixou o governo, em 2010, o índice havia sido reduzido para 7.000 km², um terço do que recebeu oito anos antes. Em 2012, já no governo Dilma Rousseff, o desmatamento atingiu o seu nível mais baixo, chegando a 4.600 km². Quando Bolsonaro foi eleito, em 2018, por conta das ações dos governos petistas nos anos anteriores, o desmatamento estava em 7.500 km². O que fez Bolsonaro? Manteve o viés de queda? Não. Claro que não. De lá para cá, os números só fazem subir: 10.100 km², em 2019; 10.900, em 2020; e 13.000, em 2021. Os números de 2022, obviamente, ainda não estão fechados, mas a tendência é de novo recorde de destruição. Bolsonaro deve terminar o seu mandato com um desmatamento duas vezes maior do que Lula deixou quando saiu do governo em 2010.

Seria engraçado se não fosse triste. Para completar o cenário de caos ambiental, dados divulgados hoje pelo Monitor do Fogo do MapBiomas revelam que só no mês de setembro as queimadas consumiram 5.825.520 hectares de florestas no Brasil. Com este número, o Brasil acumulou um total de 11.749.938 hectares queimados entre janeiro e setembro deste ano – uma área maior que todo o estado de Pernambuco. O bioma com maior extensão queimada em setembro foi o Cerrado (2.973.443 ha queimados, 13% a mais que no mesmo mês de 2021). A Amazônia, por sua vez, foi o bioma com maior aumento de área queimada em relação ao mesmo mês de 2021: 71% (1.080.388 ha a mais). Na comparação com agosto deste ano, o aumento foi de 52%, no caso da Amazônia, e de 149%, no Cerrado.

Vista aérea de uma área desmatada da floresta amazônica vista durante um voo entre Manaus e Manicore, no Estado do Amazonas. Segundo o Imazon, entre agosto de 2021 e julho de 2022, foram derrubados 10.781 km² de floresta. Foto Mauro Pimentel/AFP
Vista aérea de uma área desmatada da floresta amazônica vista durante um voo entre Manaus e Manicore, no Estado do Amazonas. Segundo o Imazon, entre agosto de 2021 e julho de 2022, foram derrubados 10.781 km² de floresta. Foto Mauro Pimentel/AFP

Praticamente metade das queimadas entre janeiro e setembro deste ano (49%, ou 5.797.298 ha) ocorreu no bioma Amazônia. Porém a situação do Cerrado mostra-se mais preocupante. Embora tenha a metade do tamanho da Amazônia, ele ficou bem perto dos números amazônicos (46%, ou 5.408.154 ha). Juntos, eles somam 95% da área queimada no Brasil até setembro de 2022. Quase um terço (29%, ou 1.698.583 ha) do que foi queimado na Amazônia afetou florestas, sendo incêndios ou desmatamento seguido de fogo. Esse número é 106% maior do que a área de floresta afetada por fogo no bioma no mesmo período em 2021 (826.107 ha).

“Importante ressaltar que esse aumento da área de incêndios florestais na Amazônia em 2022 é um péssimo indicador para a região, pois essas florestas não são adaptadas ao fogo e acabam ficando mais suscetíveis a novos incêndios, se tornando degradadas”, afirma Ane Alencar Coordenadora do Mapbiomas Fogo e Diretora de Ciência do IPAM.

Todos os estados recordistas em queimadas ficam em fronteiras agropecuárias, sendo que Mato Grosso foi o estado que mais queimou nos primeiros nove meses de 2022, concentrando quase ¼ do que foi queimado no Brasil nesse período. Pará e Tocantins ocupam a segunda e a terceira posição no ranking. Juntos, esses três estados representaram 57% da área queimada total afetada no período. Mas quando se considera apenas o bioma Cerrado, os estados que mais queimaram entre janeiro e setembro de 2022 são Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.

Todos os municípios recordistas em queimadas ficam na Amazônia, mais especificamente no estado do Pará: São Félix do Xingu, Altamira e Novo Progresso. Juntos, eles foram responsáveis pela queima de 1.052.700 de ha, ou 9% do total nacional. O crescimento em relação a 2021, quando esses municípios queimaram juntos 407.212 ha, foi de 158%. Se considerarmos apenas setembro de 2022, os municípios de São Félix do Xingu e Altamira permanecem como os que tiveram maior área queimada. “Esses números refletem o avanço do desmatamento, que tem no oeste do Pará uma das suas fronteiras mais ativas”, explica Ane Alencar.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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