Escala Salles de Passar a Boiada e seu dano ambiental para o Brasil

Balanço de 2020 registra o esforço do ministério para fragilizar o meio ambiente e a sua falta de esforço para preservá-lo e protegê-lo

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 1 de janeiro de 2021 - 13:49 • Atualizada em 6 de janeiro de 2021 - 09:45

(Arte: Claudio Duarte)

Já conhecido por sua inação como principal autoridade ambiental do governo, o ministro Ricardo Salles criou uma marca para sua gestão naquela célebre reunião de abril – com palavrões presidenciais e proposta de prender ministros do Supremo – ao frisar que o governo devia “aproveitar a atenção da mídia com a pandemia para ir passando a boiada”. Por boiada, entenda-se decretos, portarias e despachos, atos infralegais (sem necessidade de mudar a lei) para afrouxar regulamentos e regras ambientais. Desde então, a expressão “boiada de Salles” aparece em cada ação – ou inação – do ministro contra o Meio Ambiente.

Caso tivesse mais dedicação ao tema, Salles saberia que falar de boi em questões ambientais é falar de corda em casa de enforcado. Em 2019, as emissões brasileiras de dióxido de carbono cresceram  quase 10% em relação a 2018, passando de 2,1 bilhões de toneladas. De acordo com SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), a agropecuária responde por 28% das emissões – mais a pecuária do que a agricultura. A pecuária bovina de corte é a responsável pelo maior volume de emissões: cerca de 70% do total relacionado ao setor de agropecuária. As mudanças de uso da terra, puxadas pelo desmatamento, seguem as principais responsáveis por emissões no Brasil, com 44% do total. E a principal causa do desmatamento é a pecuária. Logo, é possível calcular que a maioria das emissões, mais de 60%, é culpa do gado – ou da forma como ele é criado no Brasil.

Para encerrar 2020, o #Colabora oferece uma Escala Salles de Passar a Boiada, com os maiores danos ambientais deste pandêmico ano.

20 MIL BOIS – Pelos incêndios que destruíram quase 30% do Pantanal – recorde histórico no bioma. É preciso reconhecer que não é fácil permitir esse fogo todo em área úmida, mesmo com a temporada de seca.  Além do desmonte dos órgãos ambientais, promovido desde o começo da gestão Bolsonaro, o governo contribuiu este ano com um atraso de quatro meses no envio de brigadistas para combater os incêndios em idas e vindas entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Economia.

18 MIL BOIS – Pelo desmatamento da Amazônia – o Inpe registrou a maior a área desmatada na região desde 2008. De acordo com Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), o mais preciso para medir as taxas anuais, foram 11.088 km², entre agosto de 2019 e julho de 2020, o primeiro ano completo de Bolsonaro e o boiadeiro Salles. Mais desmatamento também significa mais queimadas: de janeiro até o fim de outubro de 2020, a Amazônia já tinha registrados mais focos de incêndio do que em todo o ano de 2019. E, também na Amazônia, houve atraso na chegada dos brigadistas.

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15 MIL BOIS – Pelas demissões do diretor de proteção ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, e dos servidores Hugo Loss e Renê Luiz de Oliveira, chefiavam as operações de fiscalização contra garimpeiros em terras indígenas. É uma boiada especial porque evidencia a prioridade para os interesses dos garimpeiros, que protestavam contra as operações, em detrimento dos direitos dos indígenas.

12 MIL BOIS – Pela portaria, em fevereiro, de reestruturação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que merece essa pontuação na boiada porque é bem parte daquelas medidas infralegais citadas pelo ministro. Com uma canetada, o governo reduziu de 11 para 5 o número de coordenações regionais e abriu a porteira para a nomeação de pessoas de fora do quadro de servidores do ICMBio para cargos de chefia. Passaram de 104 para 46 as chefias que só podem ser ocupadas por servidores públicos e aumentou para 130 os cargos, a maioria de chefias em Unidades de Conservação, de livre nomeação.

Incêndio em Mato Grosso do Sul: com estiagem prolongada, queimadas batem recorde no Pantanal (Foto: Divulgação/PrevFogo)
Incêndio em Mato Grosso do Sul: queimadas batem recorde no Pantanal e governo atrasa envio de brigadistas (Foto: Divulgação/PrevFogo)

5 MIL BOIS – Pela militarização dos órgãos ambientais. No ICMBio, o presidente, tenente- coronel Fernando Lorencini, e seus diretores são da PM e quatro das cinco gerências regionais são comandadas por profissionais oriundos da PM, do Corpo de Bombeiros ou das Forças Armadas. No Ibama, são oito PMs em cargos de chefia: o diretor de Proteção Ambiental, Olímpio Ferreira Guimarães, e o coordenador-geral de Fiscalização, Walter Mendes Magalhães Junior, são oficiais da PM. Também têm a mesma origem os superintendentes de Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Maranhão. Acharam pouco 5 mil bois? Pois os servidores dos órgãos ambientais temiam ruralistas raiz nestas chefias.

3 MIL BOIS – Pelas tentativas de fragilizar a proteção a Mata Atlântica. Devemos reconhecer o esforço do vaqueiro para fazer o rebanho passar, mesmo quando não tem sucesso. Em abril, despacho (mais medida infralegal) de Salles, na prática, reconhecia as propriedades rurais instaladas em áreas de proteção ambiental até julho de 2008, provocando com isso o cancelamento de milhares de autos de infração por desmates e incêndios. O Ministério Público e os ambientalistas frearam a boiada, mas o governo foi ao STF para ainda tentar abrir essa porteira na Mata Atlântica.  O ministro – sempre atento às medidas infralegais – também enviou minuta de decreto ao presidente com a exclusão de alguns tipos de formações vegetais da regulamentação da Lei da Mata Atlântica e a dispensa de anuência prévia do Ibama para desmatamentos de áreas maiores do que o limite atual. Houve protestos e o decreto não saiu – até agora.

2 MIL BOIS – Pela tentativa, através do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente, presidido pelo ministro), de retirar a proteção de cerca de 1,6 milhão de hectares de restingas e manguezais por todo o país. Em setembro, o Conama revogou duas resoluções, que estabeleciam normas como a proteção de uma faixa mínima de 300 metros de restingas e dos manguezais e também de mananciais urbanos e outros reservatórios de água. O STF cancelou a revogação e manteve as regras de proteção.

12 MIL BOIS  – Pela agonia do próprio Ministério do Meio Ambiente por inanição de recursos. No Orçamento de 2020, o primeiro elaborado pelo governo Bolsonaro, a verba do ministério teve um corte de 30%, caindo de R$ 807 milhões, em 2019, para R$ 562 milhões; na proposta de orçamento para 2021, o valor cai para R$ 534 milhões. De 2019 e 2021, houve uma queda de 29,1% (R$ 107 milhões) nos recursos do Ibama e de 40,4% (R $120 milhões) no orçamento do ICMBio. Mesmo com esses cortes, Salles não reclamou: bom cabrito não berra.

10 MIL BOIS – Pela inépcia (ou falta de vontade) em executar o orçamento que o ministério tem a disposição. De janeiro a agosto, o MMA gastou apenas R$ 105.409,00 em ações diretas, valor correspondente a 0,4% da verba total que deveria ser destinada para fortalecer a política ambiental.  De acordo com a Controladoria-Geral da União, essa inaptidão para gastar vem de 2019: o ministério executou apenas 13% no programa de Mudança do Clima; 14% no de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade; e 6% no de Qualidade Ambiental.

12 MIL BOIS – Pela redução da fiscalização na Amazônia Legal. As autuações do Ibama, entre janeiro e outubro, caíram 62% na região – em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2019, foram 2.479 por crimes ambientais na Amazônia; em 2020, apenas 938 crimes.

5 MIL BOIS – Pela falta de cobrança das multas ambientais, uma política que começou em 2019, com o decreto – medida infralegal, boiada clássica – criando a conciliação ambiental, uma instância extra na cobrança das multas do Ibama. De acordo com levantamento do Observatório do Clima, até hoje o Ibama realizou apenas cinco audiências de um total de 7.205 agendadas.  Novamente parece pouco os 5 mil bois? Mas, no fundo, essa boiada só piorou o que já era ruim: nos governos anteriores, as multas ambientais no Brasil não eram pagas, em sua maioria, porque os grandes infratores sempre recorriam; agora não estão sequer sendo cobradas.

No total, pelas contas do #Colabora, a Escala Salles de Passar a Boiada alcançou o índice de 114 mil bois em danos ambientais, o que é um desastre para o país. Mas o boiadeiro e o dono da boiada devem estar satisfeitos.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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