“A foz do Amazonas é uma dessas grandezas tão grandiosas que ultrapassam as percepções fisiológicas do homem”. Em “O turista aprendiz”, o escritor Mário de Andrade eternizou o gigantismo daquele que é considerado o rio mais extenso do mundo. Braços d´água doce desembocam juntos milhões de litros de água no Oceano Atlântico, marcando o fim de um percurso hídrico de cerca de sete mil quilômetros de extensão.
Leu essa? Lula entre o discurso verde e as mãos sujas de óleo
Além da grandiosidade e do gigantismo, a foz do Amazonas virou alvo de uma disputa cerrada entre entidades de defesa do meio ambiente e cientistas. Visões opostas sobre o mesmo tema: a existência ou não de recife de corais em uma reserva prospectada pela Petrobras, de 5,6 bilhões de barris de óleo petróleo.
A briga se arrasta desde 2013, quando o Instituto Brasileiro e dos Recursos Naturais e Renováveis (Ibama) negou a primeira licença ambiental para o início das explorações. A empresa recorreu: “Vamos fazer tudo que o Ibama pedir”, afirma a diretora executiva de Exploração e Produção da Petrobrás, Sylvia Anjos. Entre as exigências do órgão, está a adequação do aeroporto de Oiapoque (AP) e a construção de um centro de resgate de fauna na cidade e outro em Belém (PA).
Não foi a primeira vez que o Ibama negou a permissão para atividades de perfuração na região. Cinco anos antes, em 2018, a empresa Total teve recusada a emissão de licença para explorar cinco blocos na Foz do Amazonas. Para a Petrobrás, a licença do Ibama é fundamental, porque a tendência, a partir de 2029, é de uma queda na produção brasileira de petróleo, o que pode vir a afetar a autossuficiência do país.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamos“Não existe coral na foz do Amazonas. Isso não é verdade. Isso é fake news científica. Existem rochas carbonáticas semelhantes a corais, mas não são corais. São rochas antigas”, contesta Anjos, que, na última semana, requentou o debate numa palestra na Coppe/ UFRJ. Há nove anos, a Petrobras vem pesquisando e não identificou, nesse período, a presença de corais na região. O estudo de impacto foi feito com o Cenpes, o centro de pesquisa da empresa, e mais dez instituições científicas.
Em resposta, a coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade, respondeu que a região da Foz do Amazonas já é alvo da exploração de petróleo e gás há anos. “Insistir nessa atividade em uma região de tamanha sensibilidade ecológica e de importância para a conectividade biológica na região do Atlântico é um equívoco estratégico e ambiental”. A mensagem que o Brasil transmite ao se apressar para explorar petróleo na Foz do Amazonas sugere, diz ela, “negacionismo científico”.
Os dois lados admitem que a água da região é turva, devido a enorme quantidade de sedimentos e nutrientes que a foz do Amazonas recebe, o que reduz a penetração da luz solar. Descoberto em 2016, o recife de corais ainda precisa ser mais estudado e catalogado pela ciência. Tanto a Petrobras quanto o Greenpeace lançaram derivadores ao mar, equipamentos oceanográficos, tipo boias. Os da Petrobras não tinham por objetivo investigar a incidência ou não de corais, mas sim o movimento que o óleo faria levado pelas mares em vaso de um vazamento.
Os estudos feitos pelo Greenpeace, em parceira com Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa), indicaram que, num eventual vazamento próximo aos sistemas recifais do Amazonas, o óleo poderia chegar na costa da Guiana Francesa, cuja boa parte do litoral é coberta por manguezais. “Os impactos ao meio ambiente não reconhecem fronteiras”, afirma Andrade, reconhecendo que a área abriga rochas calcárias, mas também peixes, corais e muitos organismos sensíveis a perfurações como a exploração de óleo e gás.
Os acidentes, segundo Sylvia, ocorrerem, com mais frequência, no transporte dos insumos. Disse ainda que a Petrobrás já perfurou mais de 5,4 mil poços marinhos, sendo 3 mil deles em águas profundas, e que “não é no momento da perfuração que ocorrem os acidentes”.
“O Brasil tem condições de liderar pelo exemplo uma transição energética global e ser protagonista na agenda climática, mas poderá ir de herói a pária climático caso o governo insista na abertura de uma nova fronteira de petróleo na Amazônia”, declarou a diretora de Campanhas do Greenpeace Brasil, Raíssa Ferreira, em resposta a acusação de “fake news” pela diretora da Petrobras.
O fim do debate depende do novo parecer do Ibama, que ainda não tem data para sair. Se o órgão der o aval, o debate mudará de patamar, colocando um ponto final na briga de narrativas. O vínculo entre clima e economia é indissociável, mas, dependendo do assunto, a polêmica entre visões de mundo cria uma separação entre os temas.