No caminho da COP das contradições

O estande Brazil Climate Action Hub, organizado pela sociedade civil, na COP27 no Egito: contradições entre países ricos e pobres e reconstrução para o Brasil (Foto: Eduardo Carvalho / Brazil Hub)

Conferência do Clima no Egito expõe divisão entre países ricos e pobres e terá sabor de reconstrução para o Brasil

Por Amelia Gonzalez | ODS 13 • Publicada em 4 de novembro de 2022 - 13:40 • Atualizada em 14 de novembro de 2022 - 12:09

O estande Brazil Climate Action Hub, organizado pela sociedade civil, na COP27 no Egito: contradições entre países ricos e pobres e reconstrução para o Brasil (Foto: Eduardo Carvalho / Brazil Hub)

O cidadão britânico-egipcio Abd El-Fattah, preso político no Egito em greve de fome prolongada desde abril deste ano, promete ser uma nuvem pesada no caminho da COP27. Tecnólogo e escritor respeitado no país, ele tem permissão de escrever uma carta por semana, textos que ganham grande visibilidade quando suas irmãs lançam nas redes. El-Fattah tem 40 anos, está preso há uma década. Seu alvo são as torturas e as prisões políticas que no Egito já chegam a 60 mil, segundo a jornalista canadense e ambientalista Naomi Klein. Mas, no mês passado, Abd El-Fattah escreveu sobre o aquecimento global, focando sua preocupação nas enchentes que mataram 1,2 mil pessoas no Paquistão.

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A tragédia causada pela tormenta no país asiático expõe a fragilidade dos acordos feitos em encontros como a Conferência do Clima que começa neste domingo, dia 6 de novembro, e se estende até o dia 18 no resort egípcio de Sharm el-Sheik. E mais: evidencia também o calcanhar de Aquiles das COPs neste quesito, já que nunca se conseguiu que os países ricos ajudassem os mais pobres a enfrentarem eventos extremos causados pelo excesso de gases poluentes na atmosfera. E não é de hoje que este assunto vem à tona.

Em um mundo no qual episódios como esses se tornam mais frequentes e potentes, principalmente em nações menos desenvolvidas, o que fazer com os prejuízos causados por eles às economias mais pobres e vulneráveis do planeta?

Bruno H. Toledo Hisamoto
Doutor em Relações Internacionais pela USP e especialista em política internacional do ClimaInfo

Vale lembrar que na COP15, realizada em 2009 em Copenhague, os países ricos assumiram o compromisso (voluntário) de doar US$ 100 bilhões anuais para ajudar o mundo em desenvolvimento a atingir seus objetivos climáticos e, acima de tudo, se adaptarem a um mundo mais quente. Mas o financiamento ainda não saiu do papel.

No site oficial da COP27, há a informação de que quatro relatórios vão definir o cenário para discussões sobre finanças climáticas. “Os relatórios mostram que, embora tenha havido um aumento nos fluxos globais de financiamento climático global, as principais metas para mobilizar o financiamento climático para os países em desenvolvimento não foram cumpridas”, diz o texto.

Sobre perdas e danos

Como a Ciência já mostrou exaustivamente, via relatórios do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês), os gases do efeito estufa são liberados pela queima de combustível fóssil desde meados do século XIX. E países pobres, pouco industrializados, pouco ou nada contribuem para isto. Por que têm que arcar sozinhos com o ônus?

Somente em 2022, tivemos onda de calor que afetou a Índia durante a primavera, a forte seca registrada na América do Norte, na Europa e na China, chuvas de monções no Paquistão e as chuvas intensas que caíram em Pernambuco, na Bahia, em Minas Gerais e Rio de Janeiro. Esta conferência terá, assim, o mote da cobrança, como escreve Bruno H. Toledo Hisamoto, doutor em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em política internacional e clima do Instituto ClimaInfo. “Em um mundo no qual episódios como esses se tornam mais frequentes e potentes, principalmente em nações menos desenvolvidas, o que fazer com os prejuízos causados por eles às economias mais pobres e vulneráveis do planeta?”, pergunta-se o professor Hisamoto.

Será preciso que os líderes no Egito realmente tomem providências no sentido de viabilizar esta ajuda. Ou, mais uma vez, a reunião será alvo de muitas críticas. “Blá, blá, blá”, como disse a jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg na cúpula climática do ano passado, a COP26, qem Glasgow. “Retórica inútil”, agrega a canadense Naomi Klein.

Noves fora, o que se pode comemorar é que o evento consegue pôr holofotes gigantes neste que é um dos grandes desafios da civilização.

Nesta carona estará a sombra de Abd El-Fattah. Para tornar mais forte sua manifestação, Abd El-Fattah não só prosseguirá com a greve de fome – estava consumindo apenas cem das duas mil calorias que o corpo precisa por dia – como decidiu parar, inclusive, de beber qualquer líquido. Isto pode acarretar sua morte durante a COP27, segundo informou o jornal britânico The Guardian.

Vale lembrar que o regime do Egito é tido pelas organizações de direitos humanos como um dos mais brutais e repressivos do mundo, segundo narra Naomi Klein

Para os brasileiros, tempo de reconstrução

Para os brasileiros, a COP27 terá gosto de reconstrução. Eleito para cumprir seu terceiro mandato, o presidente Lula da Silva, que vai tomar posse em janeiro, estará no Egito entre os dias 14 e 16 de novembro. Na comitiva que vai acompanhá-lo, certamente estará Marina Silva, ex-ministra do meio ambiente, internacionalmente conhecida e respeitada pelo seu papel como ambientalista. Especula-se, inclusive, que Lula anuncie no Egito o nome de seu (sua) ministro(a) do meio ambiente. Muitos apostam em Marina, mas há também quem arrisque o nome da ex-ministra Izabella Teixeira Mendes ou o de Randolfe Rodrigues, atual senador pelo partido Rede Sustentabilidade.

Lula não levará boas notícias na bagagem, a não ser sua disposição em tornar, senão prioritário, pelo menos muito importante o tema das mudanças climáticas em seu governo. São muitos os problemas que vai enfrentar. Para se ter uma noção, vale a pena conferir o estudo “Reconstrução”, feita pela equipe do Instituto Talanoa, com 401 atos do Poder Executivo Federal (2019 – 2022) que devem ser revogados ou revisados para a reconstituição da agenda climática e ambiental brasileira.

Os pesquisadores analisaram 2.189 atos mais relevantes dos últimos quatro anos para as políticas de clima e meio ambiente no Brasil. O resultado “mostrou que houve uma combinação de reformas institucionais, com redução da participação e da transparência, vazios normativos e desregulações cirúrgicas. Os efeitos foram sentidos desde a paralisação de mecanismos para o financiamento de uma agenda sustentável (Fundo Clima, Fundo Amazônia), passando pelos retrocessos em nossos compromissos climáticos (NDC) até em indicadores como explosão dos índices de desmatamento, recordes de queimadas e baixas taxas de pagamento de multas ambientais”.

Notícias dão conta de que Lula também anunciará uma promessa que fez em sua campanha: a criação de um ministério para os Povos Originários. Nada mais justo e oportuno. Até os cientistas do IPCC, no ultimo relatório divulgado este ano, atestam que os povos indígenas, e outros que dependem das florestas, são os mais impactados pelas mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, seu conhecimento “contém fontes de informação únicas sobre mudanças passadas e soluções potenciais para problemas atuais”.

Como sempre acontece em Conferências do clima, haverá muitos eventos paralelos onde os nossos grandes desafios ficam evidenciados. No caso do Brasil, foco não só no desmatamento da Amazônia Legal, que teve um acumulado de alertas de 9.277 km2 de janeiro até outubro de deste ano, considerado pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) como a pior marca da série histórica atual. O Cerrado brasileiro, savana mais biodiversa do mundo, já perdeu metade de seu território para a produção massiva de commodities, como alerta a ONG WWF -Brasil.

As emissões de gases de efeito estufa do Brasil tiveram em 2021 sua maior alta em quase duas décadas. Dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima divulgados em 1 de novembro mostram que, no ano passado, o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente, um aumento de 12,2% em relação a 2020 (2,16 bilhões de toneladas). Alta maior só foi verificada em 2003, ano em que o país atingiu seu recorde histórico de emissões.

Perdemos também biodiversidade. A atualização do Livro Vermelho das espécies ameaçadas feita pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes) neste ano dá conta de 1.249 espécies sob risco de extinção. Universalmente são 40 mil plantas e bichos que não conseguirão mais se reproduzir no ambiente que o maior predador está deixando para trás.

Em resumo…

Está mais do que em tempo de se rever nossa produção e consumo. Neste sentido, vale a pena refletir sobre um dos aforismos da Enciclica Laudato Si lançada pelo Papa Francisco em 2015:

“… Temos de nos convencer que reduzir um determinado ritmo de produção e consumo pode dar lugar a outra modalidade de progresso e desenvolvimento. Se não temos vista curta, podemos descobrir que pode ser muito rentável a diversificação duma produção mais inovadora e com menor impacto ambiental. Trata-se de abrir caminho a oportunidades diferentes, que não implicam frear a criatividade humana nem o seu sonho de progresso, mas orientar esta energia por novos canais.”

Vamos estar atentos à COP27, às suas contradições e às boas notícias que chegarão de lá.

Amelia Gonzalez

Jornalista, durante nove anos editou o caderno Razão Social, encartado no jornal O Globo, que atualizava temas ligados ao desenvolvimento sustentável. Entre 2013 e 2020 foi colunista do G1, sobre o mesmo tema. Atualmente mantém o Blog Ser Sustentável, onde as questões relacionadas ao meio ambiente, ao social e à governança são tratadas sempre com ajuda de autores especialistas.

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