ODS 1
Mortes por calor dispararam na América Latina em 2024


Crianças, menores de um ano de idade, e idosos são as principais vítimas da mudança do clima, conclui Relatório Lancet. Morreram 13 mil pessoas no ano passado. A dependência de combustíveis fósseis e a não redução de emissões estão entre os principais fatores que comprometem os esforços para proteger a saúde humana


O calor mata e muito. Só em 2024, ano mais quente já registrado na história com uma temperatura de 1,55ºC acima dos níveis pré-industriais, morreram 13 mil pessoas na América Latina e Caribe. Foi um resultado fruto de um incremento significativo em relação à média do número de mortes dos anos 1990, representando aumento de 103%. As principais vítimas foram crianças, menores de um ano de idade, e idosos.
As cidades não estão preparadas para fazer frente à mudança do clima
É o que constatou o Relatório Lancet Countdown Latino América, de publicação anual, fruto de uma colaboração internacional multidisciplinar que monitora o progresso da saúde global e as mudanças climáticas. O estudo foi lançado às vésperas da COP30. Crianças com menos de um ano estiveram expostas a 4,5 vezes mais dias de ondas de calor, enquanto adultos, acima de 65 anos, enfrentaram uma exposição 10 vezes maior em comparação ao período base de 1981 a 2000.
No estudo, 51 pesquisadores, de diferentes países da região, estiveram diretamente envolvidos no trabalho. Foram avaliados 41 indicadores, dos quais seis deles novos, e a pesquisa foi feita em 17 países da região. Como as diferenças entre os países da região é grande, o estudo incorporou uma perspectiva subnacional sempre que os dados permitiram, reconhecendo que os impactos climáticos e a eficácia das respostas variam significativamente entre e dentro dos países.
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Não bastassem as mortes, o estudo também concluiu que “as cidades não estão preparadas para fazer frente à mudança do clima”, constatou Stella Harting, diretora da Lancet América Latina. À medida que a crise climática se agrava, a saúde humana vem se tornando um eixo central da diplomacia climática internacional.
Ainda que na COP28, que ocorreu em Dubai, nos Emirados Árabes, em 2023, tenha incorporada uma meta específica em saúde e definido um Objetivo Global de Adaptação, o avanço não foi suficiente para superar obstáculos. Diz o estudo: “A contínua dependência de combustíveis fósseis e o não cumprimento dos compromissos de redução de emissões e de financiamento climático estão entre os principais fatores que comprometem os esforços para proteger a saúde humana e avançar rumo a um futuro próspero.”
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Veja o que já enviamosO impacto do calor não é crítico apenas para bebês e idosos; todos correm o risco, ainda que essas faixas etárias sejam mais vulneráveis. Entre 2015 e 2024, a exposição individual anual ao risco moderado de estresse por calor aumentou em 298 (+29%) horas adicionais de caminhada e 289 (+24%) horas adicionais de corrida, em comparação com o período de 1991 a 2000. Esses números confirmam uma tendência preocupante: o aumento da temperatura ambiente está colocando a saúde e o bem-estar das pessoas.
“Como profissionais de saúde, enfrentamos uma encruzilhada. Por um lado, recomendamos que as pessoas se exercitem e se mantenham ativas, mas acontece que as condições climáticas estão se tornando mais extremas e os verões muito mais quentes, limitando esse tipo de atividade e colocando a saúde em risco”, comentou Yasna Palmeiro, uma das coautoras do relatório.
A temperatura média ambiental na América Latina vem apresentando uma tendência persistente de aquecimento desde o ano 2000. A exposição média anual aumentou de 23,3 °C entre 2001 e 2010 para 23,8 °C entre 2015 e 2024, atingindo um recorde de 24,3 °C em 2024. Esses aumentos não são homogêneos: no caso do Brasil, foi de +1,2ºC.
O custo monetário atribuído as mortes por calor foi US$ 855 milhões anuais, no período de 2015–2024, ou seja, um aumento de 229% a mais que na década anterior. As perdas de produtividade relacionadas ao calor também no ano passado somaram US$ 52 bilhões (12,6% a mais que em 2023), afetando desproporcionalmente os setores agrícola e da construção civil.
Impactos no Brasil
O capítulo do Lancet Countdown América Latina sobre Brasil mostra que, em 2024, a temperatura média anual girou em torno de 27ºC, ou seja, 1,2°C acima da média de 2001–2010. Apenas três das 32 cidades brasileiras avaliadas apresentaram níveis adequados de vegetação urbana, o que é considerado cientificamente uma barreira de resfriamento. As mortes provocadas pelo calor extremo custaram ao país US$ 5,1 bilhões por ano (2015–2024) — um salto de 249% em relação à década anterior.
As perdas trabalhistas pelo calor somaram US$ 17,6 bilhões (0,8% do PIB) em 2024, concentradas na construção civil (34%) e na agricultura (28%). Entre 2015 e 2024, 0,9% do território nacional sofreu seca extrema todos os anos, e houve 11% mais dias com perigo de incêndio muito alto ou extremo, apesar da queda de 9% nas partículas poluentes (PM₂.₅). Só 58% dos estudantes de medicina e 34% de saúde pública receberam formação sobre mudanças climáticas e saúde.
Eventos extremos
O Brasil entrou no rol dos países vítimas do aumento na frequência e na intensidade de eventos extremos, como secas e incêndios florestais, tem impactado a maioria dos países da região. O estudo concluiu que a proporção de terras latino-americanas sob condições de seca meteorológica (maior ou igual a um mês) aumentou 275%, passando de 15,8% em 1981/ 1990 para 59,1% em 2015/ Entre os mais países afetados, além do Brasil, foram a Bolívia e o México.
As perdas econômicas provenientes de eventos extremos geraram somaram a US$ 19,2 bilhões em 2024, o que significou 0,3% do PIB (produto interno bruto) regional. O Brasil concentrou dois terços dessas perdas totais, seguido do México e Chile. Segundo o estudo, menos de 5% dessas perdas estavam seguradas. “A adaptação deixou de ser opcional, é um requisito essencial e inegociável. Deve-se priorizar uma estratégia multinível que reduza os riscos climáticos, aumente a resiliência e enfrente as desigualdades socioeconômicas existentes”, comentou Harting, acrescentando que integração do componente de saúde nas metas climáticas dos países (as Contribuições Nacionalmente Determinadas, ou NDCs) ainda é insuficiente.
O estudo conclui que na América Latina como um todo, o financiamento, o apoio à transição energética justa e a ação climática coletiva continuam “criticamente baixos”. Um fator central por trás dessa estagnação, constata a Lancet, é a persistente dependência dos combustíveis fósseis. Os países latino-americanos apresentam um preço líquido negativo de carbono, com subsídios a combustíveis fósseis equivalentes a US$ 38,6 bilhões — quase 50 vezes superiores às receitas geradas pela precificação do carbono.
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Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.









































