Moratória do fogo não impede chamas na Amazônia

Área queimada da Floresta Amazônia em setembro de 2019: recorde de focos de calor em julho faz com que pesquisadores temam temporada com ainda mais incêndios na Amazônia em 2020 (Foto: Vinícius Mendonça/Ibama/Fotos Públicas)

Dia com recorde de focos de calor em julho aponta para fracasso de operação militar e pesquisadores temem temporada com mais incêndios florestais

Por Liana Melo | ODS 13ODS 15 • Publicada em 5 de agosto de 2020 - 07:58 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 16:33

Área queimada da Floresta Amazônia em setembro de 2019: recorde de focos de calor em julho faz com que pesquisadores temam temporada com ainda mais incêndios na Amazônia em 2020 (Foto: Vinícius Mendonça/Ibama/Fotos Públicas)

A despeito da moratória do fogo decretada pelo governo federal em meados de julho, o penúltimo dia do mês foi histórico. Em um único dia (30/07), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 1.007 focos de calor, um número 14,5% maior do que fora registrado em todo o mês de julho de 2019. No pior dia dos últimos 15 anos para a Amazônia, as imagens de satélite do Inpe anteciparam o que pode ocorrer em setembro – mês onde, tradicionalmente, se registra o pico das queimadas no bioma.

Os focos de calor vêm avançando de forma consistente nos dois últimos meses. Em junho, pulou de 1.880, no ano passado, para 2.248 este ano. Em julho, subiu de 5.318, em 2019, para 6.091, mês passado.  Decretada no dia 16 de julho, a moratória tem validade para 120 dias. O Pantanal – contemplado no decreto anunciado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que comanda o Conselho Nacional da Amazônia – também arde em chamas: em julho, foi registrado o maior número de queimadas dos últimos 22 anos, desde que o Inpe iniciou a coleta de dados em 1998.

Os alertas de fogo na Floresta Amazônica e no Pantanal indicam que a resposta do governo Bolsonaro à crescente pressão de investidores internacionais e empresários tem se mostrado um retumbante fracasso. Não adianta dar sinais que são apenas para inglês ver, criar um conselho da Amazônia, liderada pelos militares”, avalia Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

A relação entre desmatamento e queimada é intrínseca. É que o fogo é o próximo passo no processo de conversão de uma floresta em outro uso da terra, como pasto. Uma área desmatada de pelo menos 4,5 mil quilômetros quadrados na Amazônia, equivalente a três vezes o município de São Paulo, está pronta para queimar”, calcula Ane, comentando que essa é a soma do que foi derrubado em 2019 e nos primeiros meses deste ano. 

Infografia: Fernando Alvarus
Infografia: Fernando Alvarus

Em plena estação seca, se 60% dos 4,5 mil quilômetros quadrados desmatados for queimado este ano, os incêndios florestais podem vir a ser igual ou mesmo mais intensos do que os registrados em 2019 – o terceiro pior ano em número de focos de queimadas registradas, num total de 89.178 focos na Amazônia. Quatro estados concentram 88% da área desmatada e não ainda queimada. Os imóveis rurais concentram 60% dos focos de calor registrado no primeiro semestre de 2020.

A retomada do fogo este ano ocorrerá num momento crítico, em que a pandemia da Covid-19 devasta comunidades em toda a Amazônia, assim como no restante do país. Nota técnica divulgada pelo Ipam alerta que pelos cálculos dos cientistas, se o ritmo acelerado de desmatamento continuar nos próximos meses, quase 9 mil km2 poderão virar cinzas, já que a época mais intensa de derrubada e queima atinge seu pico em setembro.

Nem a moratória nem a militarização das ações para conter crimes na região estão surtindo efeito. O governo despachou 3.815 militares para combater os crimes ambientais na Amazônia, no que chamou de Operação Verde Brasil 2. “O exército precisa ser um apoio para as agências do governo que têm feito isso historicamente, como é o caso do Ibama e da Polícia Federal”, afirma a diretora do Ipam.

No relatório “Máfias do Ipê: Como a violência e a Impunidade impulsionam o desmatamento na Amazônia brasileira”, a ONG Human Rights Watch documentou como essas redes criminosas que devastam a Amazônia agem ameaçando, atacando e matando agentes ambientais e indígenas que cruzam pelo caminho. “A Amazônia precisa de estratégia inteligente de combate à criminalidade e desestímulo à ilegalidade”, defende Ane.

 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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