#RioéRua – O MAR, a praça e a vida

Estudantes na saída do MAR: museu fundamental para devolver vida e movimento à Praça Mauá (Foto: Oscar Valporto)

Prefeitura atrasa repasses e ameaça Museu de Arte do Rio, fundamental na revitalização da Praça Mauá e de toda Zona Portuária

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 2 de dezembro de 2019 - 16:25 • Atualizada em 2 de dezembro de 2019 - 23:03

Estudantes na saída do MAR: museu fundamental para devolver vida e movimento à Praça Mauá (Foto: Oscar Valporto)
Estudantes na saída do MAR: museu fundamental para devolver vida e movimento à Praça Mauá (Foto: Oscar Valporto)

Nascido e criado na Zona Sul e com parte da vida adulta passada fora do Rio de Janeiro, o prefeito Marcelo Crivella talvez não lembre como era a Praça Mauá nas últimas décadas do século passado e no começo deste século XXI. Foi o jornalismo que apresentou este cronista – também nascido e criado na Zona Sul – a esta então decadente parte do Centro do Rio: suja escura e barulhenta. A Praça Mauá, no começo dos anos 1980, não parecia sequer uma praça: tinha terminal rodoviário e engarrafamento de ônibus, delegacia da Polícia Civil e sede da Polícia Federal, boates de péssima fama e bares sem fama alguma.

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Era um lugar de passagem e não de convivência, como devem ser as praças. E, para piorar a paisagem, pairava acima dela o horrendo Viaduto da Perimetral que roubara do Centro a vista para a Baía de Guanabara e dois passageiros de navios a vista do Rio. O prefeito talvez não saiba – porque parece não ter interesse pela cultura e a história da cidade – mas antes da Perimetral, que teve seu primeiro trecho inaugurada em 1960, a Praça Mauá teve 50 anos de glória como uma das mais frequentadas do então Distrito Federal.

A Praça Mauá e os dois prédios do MAR - o centenário Palacete Dom João VI, onde ficam as exposições, e o prédio modernista de meados do século passado que abriga a Escola do Olhar e outras atividades (Foto: Oscar Valporto
A Praça Mauá e os dois prédios do MAR – o centenário Palacete Dom João VI, onde ficam as exposições, e o prédio modernista de meados do século passado que abriga a Escola do Olhar e outras atividades (Foto: Oscar Valporto)

Inaugurada em 1910, após a reforma do antigo Largo da Prainha, a praça era o marco do encontro da moderna e reurbanizada Avenida Central – hoje Rio Branco – com o também remodelado Porto do Rio. Ganhou em 1929 o então maior arranha-céu da América Latina, o edifício Joseph Gire, de 22 andares, conhecido por abrigar a sede do jornal A Noite. Na década seguinte, o prédio passou a abrigar a Rádio Nacional onde desfilaram durante três décadas as maiores estrelas da música e do teatro. A Nacional chegou a ocupar quatro andares do Edifício A Noite, como ficou conhecido o prédio, com estúdios para a gravação de suas rádios novelas e auditórios para os programas musicais.

Na rua, a Praça Mauá era local de encontro de estrelas e seus fãs, de movimentação de passageiros e tripulantes que desembarcavam no porto, de intenso e variado comércio.  Essa era de ouro – também do rádio – durou até o começo dos anos 1960. Primeiro, veio a construção da perimetral que transformou o espaço num canteiro de obras e depois esquartejou a praça – a própria estátua do Barão do Mauá foi retirada dali em 1962.  Após o golpe militar de 1964, mais de 100 artistas e funcionários foram demitidos da Rádio Nacional sob a acusação de subversão e a emissora, já sofrendo a concorrência da TV, deixou de ter programas de sucesso.

A estátua do barão voltou ao seu lugar em 1978 e testemunhou a decadência da Praça Mauá até a primeira década do século 21, quando foi retirada de novo para as obras que iriam transformar o lugar e, mais do que isso, o próprio Rio. Quando a imagem do barão retornou, em 2015, o MAR (Museu de Arte do Rio) já estava lá, pioneiro no processo de recuperação da vida urbana, instalado em dois prédios, ambos reformados: o Palacete Dom João VI, construído em 1916 para ser sede da Inspetoria dos Portos e tombado pelo Patrimônio Histórico, e o edifício vizinho, de estilo modernista, erguido em meados do século passado, e que serviu de sede para o terminal rodoviário e delegacias.

Do alto do MAR, a vista da nova Praça Mauá,: reintegração à vida do Rio, sem a Perimetral e com a estátua do barão e o Museu do Amanhã (Foto: Oscar Valporto)
Do alto do MAR, a vista da nova Praça Mauá,: reintegração à vida do Rio, sem a Perimetral e com a estátua do barão e o Museu do Amanhã (Foto: Oscar Valporto)

Os dois prédios reformados já podiam ser vistos da rua e da baía porque a Perimetral havia sido demolida.  Depois vieram a reabertura da Praça Mauá, com espaço cinco vezes maior que a original, a inauguração do Museu do Amanhã, com sua arquitetura futurista, a instalação do VLT e o uso dos armazéns portuários como espaço para eventos e ocupação da Orla Conde, homenagem a um prefeito que gostava da cidade.

Fui ao MAR pela primeira vez quando ainda morava na Bahia e percebi como ele banhava a nova Praça Mauá, com seus pilotis sempre ocupados por estudantes e suas exposições atraindo moradores e turistas. De volta ao Rio, fiz da Praça Mauá um porto de lazer no Centro para visitar os museus, para aproveitar a vista do mar, para tomar uma cerveja e comer um sanduíche nos food trucks ali estacionados: o hambúrguer do Carango, o Ropa Vieja, do Nômade, ou – meu predileto – o de linguiça com mostarda escura, do Le Petit Paris.

Food Trucks, sanduíches e cerveja: atrações extras na Orla Conde (Foto: Oscar Valporto)
Food Trucks, sanduíches e cerveja: atrações extras na Orla Conde (Foto: Oscar Valporto)

O prefeito Crivella não frequenta o MAR: então, talvez não saiba como o museu tem o Rio no nome e na alma: sempre há uma exposição voltada para a cidade, sua cultura e sua história. Suas ondas abrigaram “Do Valongo à favela” sobre a Zona Portuária e a Pequena África, “O Rio Setentista”, sobre os primeiros passos da cidade ao virar capital, “Leopoldina, princesa da Independência, das artes e das ciências”, a história indígena do Rio em “Djá Guatá Porã” e a maravilhosa “O Rio do samba: resistência e reinvenção”, passeio visual e sonoro pela história das nossas ruas e sua trilha sonora.

É uma pena que o prefeito não frequente o MAR nem a Praça Mauá. Talvez compreendesse que as atividades do museu costumam transbordar para toda a área: nos shows do Mar de Música, nos eventos recentes da Feira Literária das Periferias; no vaivém incessante dos estudantes que visitam os dois museus. A vida voltou à praça: o prefeito pode passar a qualquer hora e vai encontrar casais namorando, jovens fazendo manobras nos skates, rodas culturais animadas ao cair da noite.

Manifestação em defesa do Museu de Arte do Rio: prefeitura atrasa repasses e funcionários estão de aviso prévio (Foto: Oscar Valporto)
Manifestação em defesa do Museu de Arte do Rio: prefeitura atrasa repasses e funcionários estão de aviso prévio (Foto: Oscar Valporto)

Na semana que passou, a praça encheu de gente para defender o MAR e protestar contra o prefeito, que vem atrasando e ameaça cortar definitivamente a verba para a manutenção do museu – as exposições, viabilizadas por leis de incentivo e pela iniciativa privada, não dependem do poder público. A prefeitura prometeu retomar os repasses para contornar a crise – como já fez ao prorrogar o contrato para a gestão do Museu do Amanhã, que também esteve sob ameaça.

MAR é sinônimo de vida também ali na Praça Mauá e o que a Zona Portuária mais precisa é de vida para continuar sendo ocupada. Mas os cariocas devem ficar ligados porque a maré não está boa para a cidade e sua cultura. O prefeito já cortou a subvenção das escolas de samba, vetou incentivo a mais de 200 projetos culturais, mandou recolher livro na Bienal, ameaça os museus e terminou a semana passada inviabilizando o Trem do Samba, evento que levava música aos vagões no Dia Nacional do Samba. Mas o #MaréRio e o #RioéRua e a gente vai navegando.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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