Brasil terá quase 70 milhões de idosos em 2050

Caminhada em Defesa da Pessoa Idoso em Copacabana promovida pelo Sesc-RJ. Em 2100, proporção de idosos chegará a 40% da população. Foto Tomaz Silva/ Agência Brasil (Outubro/2019)

As oportunidades de crescimento econômico e desafios na saúde e na educação provocados pelo rápido envelhecimento da população

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 11ODS 3 • Publicada em 11 de setembro de 2023 - 09:32 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 19:26

Caminhada em Defesa da Pessoa Idoso em Copacabana promovida pelo Sesc-RJ. Em 2100, proporção de idosos chegará a 40% da população. Foto Tomaz Silva/ Agência Brasil (Outubro/2019)

O Brasil sempre foi um país com enorme presença de jovens. Entre 1500 e 1970, a percentagem de jovens de 0 a 14 anos sempre ficou acima de 40% e a percentagem de idosos de 60 anos e mais de idade permaneceu igual ou abaixo de 5% do total populacional. Mas a história começou a mudar e a configuração etária da população brasileira iniciou uma mudança de ponta-cabeça. A partir da virada do milênio, a pirâmide populacional aprofundou uma nova tendência de longo prazo que conformará o futuro intergeracional do país. Nada será como antes. Daqui para a frente serão outros quinhentos.

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O aumento da população idosa no Brasil impressiona pelo volume e pela rapidez do crescimento. O IBGE ainda não divulgou os dados do censo 2022 relativos à estrutura etária e nem refez as projeções populacionais para as próximas décadas. Desta forma, o gráfico abaixo apresenta as estimativas do número de idosos no Brasil até 2100, com base nos números e parâmetros das últimas projeções da Divisão de População da ONU, divulgadas em julho de 2022.

O número de idosos de 60 anos e mais de idade, no Brasil, era de somente 741 mil pessoas em 1900 e passou para 2,2 milhões em 1950. No ano 2000 chegou a 14,4 milhões de pessoas. A estimativa para 2023 é de 32 milhões e este número vai mais que dobrar até 2050, quando atingirá 66 milhões de pessoas com 60 anos e mais de idade. O pico da população idosa está estimado em 79 milhões de pessoas em 2075. A partir de 2076 haverá uma diminuição absoluta do número de idosos, que deve alcançar 73 milhões de pessoas com 60 anos e mais de idade em 2100.

Se o incremento do número total de idosos brasileiros ao longo do século XXI representa um volume expressivo, ganha ainda mais destaque o aumento da proporção de idosos que tem ocorrido de maneira concomitante à diminuição da proporção de jovens.

O gráfico abaixo, também com dados da Divisão de População da ONU, mostra que a percentagem de jovens de 0 a 14 anos estava em torno de 43% na primeira metade do século XX e chegou próxima de 45% após o fim da Segunda Guerra Mundial, devido à diminuição da taxa de mortalidade infantil. Mas a partir da segunda metade da década de 1960, quando se iniciou o processo de transição da fecundidade no Brasil, a percentagem de jovens começou a diminuir e deve continuar diminuindo ao longo de todo o século XXI.

Já a percentagem de idosos que crescia lentamente no final do século XX, passou a crescer rapidamente no século XXI.  Nas primeiras seis décadas do século passado, o percentual de pessoas de 60 anos e mais de idade estava em torno de 5% da população total, mas começou a crescer rapidamente a partir da redução da proporção de jovens. No ano 2000, a proporção de idosos chegou a 8% da população total, passou para 15% em 2023 e deve quase dobrar para 29% em 2050. Em 2075, quando o Brasil chegar ao volume máximo absoluto da população idosa, o percentual deve atingir 37%. No último quarto do século XXI, o volume absoluto da população idosa vai diminuir, mas o montante relativo continuará aumentando e deve chegar a 40% da população total em 2100.

A taxa do envelhecimento populacional brasileiro estava abaixo da média mundial até recentemente, mas o Brasil assumiu a dianteira e já apresenta percentuais de idosos acima da média global. O gráfico abaixo mostra que, entre 1950 e 1970, o percentual de idosos no Brasil estava em torno de 5% e algo em torno de 8% no mundo. Nas décadas seguintes as duas curvas se aproximaram e se convergiram em torno de 13% em 2019. A partir de 2020, o percentual de idosos no Brasil superou o percentual global e o envelhecimento brasileiro deve seguir um ritmo mais acelerado ao longo do século XXI. Em 2100, a proporção de idosos será de 40% no Brasil e de 30% no mundo.

A velocidade do envelhecimento populacional brasileiro

O processo de envelhecimento populacional no Brasil tem sido um fenômeno profundo e veloz. Como visto anteriormente, o Brasil terá uma proporção de idosos superior à média mundial. Adicionalmente, o Brasil terá um envelhecimento super acelerado, só comparável às nações de rápida transição demográfica.

O gráfico abaixo (Alves, 2002), mostra, inicialmente, a época em que a proporção de pessoas idosas (de 65 anos e mais de idade) atingiu 7% da população total em cada um dos nove países selecionados. Em seguida, mostra o tempo que cada um gastou para dobrar a participação de idosos na população, para 14% do total e, em sequência, o tempo gasto para dobrar e atingir a proporção de 28% da população total.

Percebe-se que a base de 7% foi atingida em datas muito diferentes entre os países e a velocidade da passagem de 7% para 14% também ocorre de forma diferenciada. Em geral, quanto mais antiga é a marca de 7% mais lenta é velocidade para os idosos dobrarem sua participação proporcional no conjunto da população nacional e mais vagarosa é a trajetória para se atingir a proporção de 28%.

Por exemplo, a França foi o primeiro país onde os idosos atingiram 7% da população, o que ocorreu em 1870, mas só atingiu 14% em 1980, gastando 110 anos para os idosos dobrarem sua participação relativa no conjunto da população. Já a Coreia do Sul apresentou uma proporção de idosos de 7% em 1999 e de 14% em 2017. A Coreia do Sul foi o país que apresentou a maior velocidade de mudança da estrutura etária nessa primeira fase do envelhecimento (de 7% para 14%), gastando somente 18 anos para dobrar.

O Brasil também é destaque, pois atingiu 7% em 2012 e deve atingir 14% de idosos de 65 anos e mais de idade em 2031, gastando somente 19 anos para duplicar o peso relativo dos idosos na população. Tailândia e China tiveram um envelhecimento parecido com o Brasil e a Coreia do Sul. Todos esses países apresentavam taxas de fecundidade total (TFT) muito altas até a década de 1960 e uma redução muito rápida do número médio de filhos por mulher a partir de 1970. Enfatizando para não haver dúvida: quanto mais rápida é a queda da TFT, mais veloz é o processo de envelhecimento populacional.

Os primeiros países em que os idosos atingiram 14% da população total foram Suécia (1972), Reino Unido (1975) e França (1980). Mas foi o Japão o país que atingiu de maneira mais rápida a proporção de 14% de idosos na população (7% em 1971 para 14% em 1994), pois a queda das taxas de fecundidade japonesas ocorreu de maneira profunda e logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Como a TFT caiu muito abaixo do nível de reposição e o Japão é o país que possui a maior expectativa de vida ao nascer, a velocidade do envelhecimento japonês é o mais rápido do mundo.

De modo geral os países mais desenvolvidos e ricos atingiram de maneira mais antecipada a proporção de 7% e a proporção de 14%. Mas na etapa seguinte isso se inverte e o Japão e os países “em desenvolvimento” são os primeiros a alcançarem o superenvelhecimento (28% do total populacional).

O segundo país onde os idosos devem alcançar 28% da população é a Coreia do Sul, que tinha um envelhecimento de 14% em 1999 e deve dobrar até 2036. O terceiro país é a Tailândia, que atingiu 14% de idosos em 2002 e duplicará esse percentual em 2046. O quarto país é a China, que chegou aos 7% em 2001, deve alcançar 14% em 2025 e atingir 28% em 2053.

O Brasil também é um dos países onde a velocidade do envelhecimento populacional é destaque no cenário internacional. Os idosos brasileiros (65 anos e mais) atingiram a proporção de 7% em 2012, devendo dobrar a proporção para 14% em 2031 e alcançar 28% em 2062. França, Reino Unido (UK) e Suécia, países líderes do processo de envelhecimento em sua primeira fase (quando dobrou de 7% para 14%), só atingirão a proporção de 28% de idosos no último quartel do século XXI. Os Estados Unidos (EUA) registraram 7% de idosos em 1945, 14% em 2012 e só devem atingir 28% em 2100.

Em resumo, considerando o tempo, em anos, para quadruplicar o percentual de idosos de 7% para 28% do total populacional, o Japão lidera com 48 anos, o Brasil com 50, a China com 52, a Coreia do Sul com 55, a Tailândia com 64, os EUA com 157, Reino Unido com 168, a Suécia com 198 e a França com 204 anos.

Os países que iniciaram a transição da fecundidade no século XIX tiveram uma transição demográfica mais lenta e, em consequência, vão gastar mais tempo para chegar a 28% de idosos na população. Os países que iniciaram a transição da fecundidade após a Segunda Guerra (Japão, China, Coreia do Sul, Tailândia e Brasil) terão um processo de envelhecimento populacional mais veloz.

As oportunidades e os desafios do processo de envelhecimento populacional

A diminuição do percentual de jovens nos diversos países do mundo é um processo inexorável e irreversível. Visto que ainda não foi encontrada a fonte da eterna juventude, tanto pessoas quanto nações estão destinadas ao envelhecimento. Desta forma, todos os países vão passar pela mudança da estrutura etária e pelo aumento do percentual de idosos no conjunto da população. O que difere entre os países é apenas o momento inicial do processo de envelhecimento e o ritmo do avanço proporcional da parte superior da pirâmide populacional.

Em um primeiro instante, a redução do percentual de jovens e o aumento do percentual de pessoas em idade de trabalhar traz uma vantagem inigualável para o desenvolvimento econômico e social, pois aumenta a parcela da população em idade de maior inserção nas atividades de geração de riqueza por meio do trabalho, ao mesmo tempo em que diminui as camadas da população com menor inserção nas atividades produtivas. Esta primeira fase do envelhecimento populacional é conhecida como janela de oportunidade ou 1º bônus demográfico, pois gera ganhos na relação entre “produtores líquidos” e “consumidores líquidos”.

O 1º bônus surge em função da transição demográfica (redução das taxas de mortalidade e natalidade) e da consequente transição da estrutura etária. Todo país do mundo que é rico e que conquistou um alto padrão de vida para sua população passou pelo 1º bônus demográfico. Não existe exemplo de nação que venceu a fome e a pobreza sem capitalizar as vantagens da janela de oportunidade demográfica. O aproveitamento do 1º bônus demográfico é uma pré-condição para qualquer território entrar na lista dos países com os mais elevados Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). Não existe exceção.

A fase áurea do 1º bônus demográfico é quando a População em Idade Ativa (PIA) cresce mais rápido do que a população total (neste período a janela de oportunidade está se abrindo). Mas há um período em que a PIA continua aumentando em termos absolutos, embora cresça menos do que a população total em termos relativos. Nesta fase, a janela de oportunidade começa a se fechar, mas só se fecha completamente quando se atinge o pico populacional da PIA. Nesta segunda fase, mesmo com menor crescimento da PIA, pode haver aumento da população ocupada (PO). Ou seja, o 1º bônus demográfico termina completamente quando a PIA começa a diminuir.

Segundo as projeções populacionais do IBGE, divulgados em 2018, antes da pandemia da covid-19, a PIA brasileira atingiria o pico em 2037 e começaria a decrescer em 2038. Contudo, os resultados do censo 2022 já divulgados pelo IBGE – que relatam um menor ritmo de crescimento populacional – já indicam que o pico populacional da PIA deve ser um pouco antecipado, enquanto o envelhecimento populacional deve apresentar uma aceleração. Numa estimativa preliminar, podemos dizer que o pico da PIA deve ser antecipado em cerca de 3 ou 4 anos, isto é, a polução em idade ativa (PIA) deve começar a decrescer em 2033 ou em 2034. Assim sendo, restam cerca de 10 anos para o fim do 1º bônus.

Deste modo, entre 2023 e 2033 ou 2034 a PIA brasileira vai crescer menos do que a população total, mas a População Ocupada (PO) pode crescer acima do ritmo demográfico do país. De fato, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do IBGE, divulgada 31 de agosto de 2023, indica que o Brasil tinha 8,5 milhões de pessoas procurando emprego, uma população subutilizada de 20,3 milhões de pessoas e 38,9 milhões de trabalhadores informais.

Se este desperdício da força de trabalho for eliminado, a população ocupada no Brasil poderia crescer muito e se tornar mais produtiva, efetivando a bandeira do “Pleno emprego e trabalho decente”. Sem dúvida, o grande desafio atual do Brasil é aproveitar os últimos momentos do 1º bônus demográfico, que teve o seu início do começo dos anos de 1970, com término previsto para o primeiro quinquênio da década de 2030.

Mas o fim do 1º bônus demográfico, embora traga dificuldades, não é o fim das perspectivas futuras, pois existem dois outros bônus que podem garantir um maior bem-estar da população. A redução do volume de trabalhadores pode ser compensada por trabalhadores mais produtivos que produzem mais com menos.

O aumento do volume de idosos pode ser benéfico se contarmos com o envelhecimento saudável e ativo, pois o grande contingente de pessoas da terceira idade deve ser encarado como um ativo, e não com um passivo. Desta forma, antes mesmo do fim do 1º bônus, o Brasil pode aproveitar o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade) e o 3º bônus demográfico (bônus da longevidade).

Em síntese, existe espaço para que a População Ocupada (PO) possa crescer em ritmo superior ao da População Total (PT), aproveitando os 10 anos finais do 1º bônus demográfico. Ao mesmo tempo, o país precisa investir na educação, na saúde, na ciência e tecnologia, na infraestrutura e nos setores com produção de maior valor agregado para produzir mais com menos (base do 2º bônus). Além disto, é preciso aproveitar o potencial produtivo dos idosos, garantindo o direito ao trabalho da população da terceira idade (base do 3º bônus demográfico).

O IBGE divulgará, em breve, os dados de sexo e idade do censo 2022. Com certeza, as novas informações vão mostrar que o envelhecimento populacional veio acima do que indicado pelas projeções de 2018 (sabemos disto porque o total da população veio abaixo do esperado). A partir destes dados, o Instituto poderá atualizar as projeções populacionais e indicar, com mais precisão, quando a PIA começará a diminuir no Brasil.

De qualquer forma, o fato alvissareiro é que a nação brasileira ainda tem tempo para aproveitar os últimos anos do 1º bônus (que é transitório) e, desde já, pode capitalizar os benefícios dos outros dois bônus demográficos (que são permanentes).Todo país rico conquistou níveis elevados de renda antes do envelhecimento populacional. Não existem experiências internacionais de países que enriqueceram depois de envelhecer. O Brasil será uma sociedade plenamente envelhecida na segunda metade do século XXI. Por conseguinte, ainda dá tempo para fugir da “armadilha da renda média”. Mas a população e as instituições brasileiras, em conjunto, precisam trabalhar muito e com grande senso de urgência para não perder esta singular oportunidade histórica.

Referências:

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022

https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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