O exemplo da floresta

A tarefa de transmitir a longa história de sobrevivência ao público que visitou o evento em Santa Teresa coube ao líder indígena Francisco Piyãko, filho do cacique da etnia. Foto de Júlia Calvão

Descendente dos Incas, povo Ashaninka mostra arte no Rio e ganha espaço em novela

Por Laura Antunes | Economia VerdeODS 14 • Publicada em 16 de outubro de 2016 - 10:37 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:42

A tarefa de transmitir a longa história de sobrevivência ao público que visitou o evento em Santa Teresa coube ao líder indígena Francisco Piyãko, filho do cacique da etnia. Foto de Júlia Calvão
Instalados na Casa de Empreendedores Urbanos (CEU), eles exibiam o que produzem melhor em artesanato, como tecidos, roupas, cestaria e bijuterias. Foto Júlia Calvão
Instalados na Casa de Empreendedores Urbanos (CEU), eles exibiam o que produzem melhor em artesanato, como tecidos, roupas, cestaria e bijuterias. Foto Júlia Calvão

Mais do que intervenções artísticas e exposições aguardavam o público que prestigiou a 26ª edição do Arte de Portas Abertas, realizada em Santa Teresa. Entre os 31 ateliês e 13 espaços culturais, uma dupla de índios atraía os olhares. Eram os representantes dos Ashaninka, etnia que vive na Floresta Amazônica, a 564 quilômetros da capital Rio Branco, no Acre, que desceram do extremo norte do país para aportar, pela primeira vez, no evento carioca. Instalados na Casa de Empreendedores Urbanos (CEU), eles exibiam o que produzem melhor em artesanato, como tecidos, roupas, cestaria, bijuterias, entre outros itens. Mas a longa viagem tinha um propósito maior: os Ashaninka, descendentes dos Incas, vieram, principalmente, para divulgar sua cultura, sua história e como se relacionam de forma sustentável com a floresta – tirar proveito financeiro sem desmatar -, o que significa também viver em paz com seringueiros e ribeirinhos. Durante o Arte de Portas Abertas, eles promoveram palestras sobre o tema.

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Conseguimos uma aliança dos povos da floresta. Terras indígenas e reservas extrativistas são ligadas e se unem para manter a floresta de pé e garantir o respeito à diversidade cultural e étnica.

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A experiência bem-sucedida dos Ashaninka, aliás, inspira a arte de outras formas também. Recentemente, a marca carioca Osklen buscou nessa comunidade indígena (instalada quase na fronteira com o Peru) referências para uma coleção completa. O dono da grife, Oskar Metsavaht, visitou o povoado, com cerca, hoje, de 850 integrantes. A escritora Glória Perez, já diante do computador para escrever a próxima novela das 21h da TV Globo, “À flor da pele”, incluirá o povo Ashaninka no folhetim. E a etnia ganhou ainda destaque no noticiário político recente: o indígena Isaac Piyãko (PMDB) foi eleito prefeito do município de Marechal Thaumaturgo, onde fica a reserva. Ele teve 56,52% dos votos válidos.

Quem passou pela Casa dos Empreendedores Urbanos (CEU) teve a chance de conhecer a arte trazida pela etnia e também a forma como se relaciona com a Floresta Amazônica. Os Ashaninkas vivem às margens dos rios Juruá e Amônia e formaram uma aliança com seringueiros e ribeirinhos – os chamados povos da floresta. A tarefa de transmitir a longa história de sobrevivência ao público que visitou o evento em Santa Teresa coube ao líder indígena Francisco Piyãko, filho do cacique da etnia.

A tarefa de transmitir a longa história de sobrevivência ao público que visitou o evento em Santa Teresa coube ao líder indígena Francisco Piyãko, filho do cacique da etnia. Foto de Júlia Calvão

O espaço do CEU foi ambientado e decorado com peças do vestuário e artesanato (cestaria, bijuterias e outros) – como descendentes dos Incas, os Ashaninkas usam indumentárias bem diferentes dos demais indígenas brasileiros. Para um público interessado que lotou o espaço da palestra, Francisco contou sobre a experiência de conviver, sem guerra, com os cerca de 16 mil habitantes da reserva extrativista (criada em 1989), instalada no mesmo município. A reserva indígena (delimitada em 1985 e demarcada em 1992) tem 87 mil hectares, onde vivem os integrantes Ashaninka. A área se estende da região do Alto Juruá até a cordilheira andina no Peru.

“Conseguimos uma aliança dos povos da floresta. Terras indígenas e reservas extrativistas são ligadas e se unem para manter a floresta de pé e garantir o respeito à diversidade cultural e étnica” , contou Francisco, explicando que, do total do território da cidade de Marechal Thaumaturgo, 90% são de terras protegidas e 2% são reservas naturais. Segundo ele, é, portanto, o “município da floresta”. Essa aliança dos povos da floresta personifica a luta do ambientalista Chico Mendes para unificar, nos anos 1980, as principais reivindicações dos movimentos sociais da Amazônia em busca do seu desenvolvimento sustentável.

Com recursos do BNDES/Fundo Amazônia, os Ashaninka desenvolvem, há cerca de um ano, o projeto Alto Juruá, de sustentabilidade, do qual participam seringueiros. A proposta é explorar financeiramente os recursos naturais sem devastar a floresta. É o primeiro do Fundo Amazônia aprovado diretamente em benefício de uma associação indígena brasileira. Com três anos de duração, ele prevê, entre outras coisas, assessoramento, capacitação e implantação de sistemas agroflorestais e apoio à gestão territorial e ambiental às comunidades indígenas e tradicionais do Alto Juruá.

O resultado vem por meio da comercialização de produtos de alto valor agregado, como roupas, artesanato e polpa de frutas, que são distribuídos pelo país. O trabalho é executado pela Associação Ashaninka  do  Rio Amônia, com apoio da Associação de Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá. Desde o início do projeto, o grupo afirma já ter atingido a marca de 48.871 mudas produzidas na Floresta.

“Trata-se de uma conquista importante, pois pela primeira vez uma comunidade indígena realiza um projeto apoiado diretamente pelo BNDES” – acrescenta Francisco, que veio ao Rio com outra integrante da etnia, Maria Alexandrina da Silva Pinhanta.

A ideia de trazer representantes da etnia Ashaninka partiu do engenheiro e ambientalista Marcio Calvão, um dos criadores dos icônicos espaços culturais cariocas, Circo Voador e Fundição. Calvão idealizou o projeto CEU, formado por empresas do ramo criativo. A experiência de “refazer” da Floresta Amazônica, a partir do desenvolvimento sustentável, arrebatou o empresário: “O povo do Alto Juruá se dedica ao desenvolvimento da economia sustentável, promove o reflorestamento, apoia a gestão ambiental, em conjunto com as reservas extrativistas.” Também presidente do Instituto Rever Urbano (de planejamento estratégico, desenvolvimento urbano e empreendedorismo), Marcio foi contratado para ajudar a desenvolver o projeto de sustentabilidade do povo da floresta.

Um post publicado no blog que a Associação Ashaninka mantém para divulgar as ações dos povos da floresta resume bem a proposta do projeto: “Um dos grandes diferenciais é o fato de que as ações não foram pensadas para beneficiar apenas as populações indígenas, mas também as comunidades da Resex Alto Juruá, vizinha à terra indígena. Isso manifesta a sabedoria dos povos tradicionais que, não só compreendem que a conservação e o respeito à floresta dependem da união das forças de todos na região, mas exercem a solidariedade entre vizinhos irmanados em direitos e deveres em relação à Mãe Terra”.

Laura Antunes

Depois de duas décadas dedicadas à cobertura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, a jornalista Laura Antunes não esconde sua preferência pelos temas de comportamento e mobilidade urbana. Ela circula pela cidade sempre com o olhar atento em busca de curiosidades, novas tendências e personagens interessantes. Laura é formada pela UFRJ.

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Um comentário em “O exemplo da floresta

  1. José Pimenta disse:

    Pequena correção. Os Ashaninka não são descendentes dos Incas. Trata-se de um povo totalmente diferente, embora influências andinas e incaícas sejam visíveis em sua cultura material e também cosmologia e mitologia.

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