E se não fosse o WhatsApp?

Como em todo rescaldo, o trabalho de prevenção trata de evitar que os restos do incêndio voltem a inflamar. Mas neste caso, em particular, esta parece ser tarefa inglória

É preciso cuidar do rescaldo para evitar que novos incêndios aconteçam e todos saiam chamuscados

Por Cristina De Luca | ArtigoEconomia VerdeODS 14 • Publicada em 21 de dezembro de 2015 - 07:55 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:44

Como em todo rescaldo, o trabalho de prevenção trata de evitar que os restos do incêndio voltem a inflamar. Mas neste caso, em particular, esta parece ser tarefa inglória
Como em todo rescaldo, o trabalho de prevenção trata de evitar que os restos do incêndio voltem a inflamar. Mas neste caso, em particular, esta parece ser tarefa inglória
Como em todo rescaldo, o trabalho de prevenção trata de evitar que os restos do incêndio voltem a inflamar. Mas neste caso, em particular, esta parece ser tarefa inglória

Chegou a hora de cuidar do rescaldo do incêndio provocado pelo bloqueio judicial do WhatsApp, por 12 a 13 horas, no ultimo dia 17 de dezembro. Um episódio no qual, com o desenrolar dos fatos, a juíza Sandra Regina Nostre Marques posou de  durona, tentou ser transformada em algoz e passou por equivocada. Mark Zuckerberg posou de indignado, tentou transformar o WhatsApp em vítima e passou por prepotente. E o desembargador Xavier de Souza, que restabeleceu o serviço, posou de justo, se viu transformado em herói e passou por equilibrado, mas também  por condescendente, na opinião de alguns advogados.

Com 100 milhões de usuários, o fogo se alastrou rápido e as labaredas foram altas.

Como em todo rescaldo, o trabalho de prevenção trata de  evitar que os restos do incêndio voltem a inflamar. Mas neste caso, em particular, esta parece ser tarefa inglória. Dificílima. Especialmente quando consideradas as causas deste incêndio.

Sabem o que o Facebook Brasil diz em todos os seus processos? Que eles não são donos do site Facebook. Que o Facebook é uma empresa que fica na Irlanda e que se alguém aqui no Brasil tiver que processar, terá que fazê-lo na Irlanda, pois o Facebook Brasil não tem nada a ver com isto.

A desobediência de determinações judiciais por parte de provedores de serviços digitais, principalmente sem CNPJ e representação jurídica direta no Brasil, é brasa adormecida de incêndios cada vez mais frequentes, como nos casos do Lulu e do Secret. Não por acaso, o Marco Civil da Internet tentou se debruçar sobre o problema, com razoável sucesso em relação a empresas com CNPJ e representação jurídica direta no Brasil, como os provedores de serviço na internet. Mas pouco eficiente diante de situações  dúbias, como no caso do WhatsApp.

O Marco Civil , em seu artigo 11, estende  sua aplicação à pessoa jurídica sediada no exterior. Em duas situações: desde que essa pessoa jurídica  oferte serviço ao público brasileiro (caso do Secret); ou que pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico ao qual pertença essa pessoa jurídica possua CNPJ e representação no Brasil (o que seria o caso do Facebook, segundo a interpretação da juíza, no caso do WhatsApp).

O fato de a maioria dos advogados e juízes ver na segunda opção um atalho para fazer com que empresas sem representação no Brasil sejam mais rapidamente alcançadas pela lei, e possam assim cooperar prontamente com as autoridades brasileiras em investigações policiais, tem dado a elas a chance de recorrer a brechas legais para desconsiderar as determinações da Justiça brasileira. Que, por sua vez, se vê obrigada a adotar medidas extremas, como determinações de bloqueio e retirada dos serviços do ar, para fazer valer a sua autoridade.

Entre as brechas possíveis está o fato de o Marco Civil da Internet não instituir “qualquer espécie de responsabilidade solidária ou subsidiária entre o provedor estrangeiro e outros integrantes do mesmo grupo econômico sediados no Brasil com relação ao cumprimento de ordens judiciais, notificações extrajudiciais e requisições de autoridades policiais, administrativas ou do Ministério Público visando a remoção de conteúdo, o fornecimento de registros de conexão e acesso a aplicações, dados pessoais ou comunicações de usuários”, segundo André Zonaro Giacchetta, Ciro Torres Freitas e Pamela Gabrielle Meneguetti, em artigo publicado no portal Conjur.

De acordo com eles, “a vinculação do provedor estrangeiro a processos judiciais e administrativos em tramite no Brasil continua sujeita às normas processuais vigentes e aos tratados internacionais aplicáveis, como o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América (MLat), conforme denota o próprio texto do Marco Civil da Internet (artigo 3º, parágrafo único).”

A interpretação desses advogados, ao contrário da interpretação da juíza que determinou o bloqueio do WhatsApp, é a de que a única hipótese de responsabilidade solidária prevista no Marco Civil da Internet diz respeito à obrigação de pagamento da multa imposta ao provedor estrangeiro por descumprimento das obrigações legais relativas à guarda e divulgação dos registros de conexão e acesso a aplicações, dados pessoais e conteúdo de comunicações privadas de usuários. Nessa circunstância, sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento do mesmo grupo econômico situado no Brasil responderá pelo pagamento da multa, solidariamente ao provedor estrangeiro.

Quer dizer, então, que o Facebook do Brasil não tinha  mesmo a obrigação de cumprir a decisão da juíza, por “constituir pessoa jurídica distinta”, como alega o WhatsApp em sua defesa?

Sim e não, dependendo de como se interpreta o disposto no Marco Civil.  Reside aí o pomo da discórdia. O  ponto sobre qual, forçosamente, teremos que nos debruçar se quisermos evitar novos incêndios, decorrentes dos últimos rescaldos.

“É importante que o Itamaraty inicie, o quanto antes, uma revisão do MLat e de outros acordos internacionais de cooperação judiciária, para que possam incluir questões do mundo digital, tornando o trâmite das requisições policiais mais rápido”, defende Ronaldo Lemos, diretor do ITS e um dos autores do Marco Civil.

“Essa é uma medida importante, mas aplicável apenas nos casos em que não houver a representação legal no Brasil. Aplicável apenas se não tivesse sido o WhastApp”, afirma Paulo Sá Elias, advogado e professor, retomando o ponto de que o Facebook do Brasil é sim, solidário,  no caso do acionamento do mensageiro.

O debate urge! E enquanto não chegamos a uma conclusão, o mínimo que podemos fazer, para tentar evitar novos incêndios, é apelar ao bom senso daqueles apontados como responsáveis solidários com presença no país.

Se em vez de apenas bater pé e ter se recusado a arcar com uma responsabilidade que sustenta não ser dele, o Facebook do Brasil tivesse acionado o WhatsApp e ajudado a constituir advogados locais para representá-lo logo no primeiro contato –  como acabou acontecendo após o bloqueio,  segundo dito pelo próprio Mark Zuckerberg em postagem no sue perfil na rede social – talvez tivéssemos evitado o incêndio provocado pelo bloqueio judicial do aplicativo.

Teria sido mais correto se, em vez de jogar os brasileiros contra o governo e a Justiça do seu país, Zuckeberg tivesse, logo de cara, procurado uma forma de fazer o WhatsApp se entender com as autoridades brasileiras, quanto mais não fosse para questionar aqui a determinação de quebra de sigilo das comunicações de seus usuários.

Acontece que a rede social e seu serviço de mensagens têm fama de incendiários, como revela o advogado Leonardo Serra de Almeida Pacheco em seu perfil na rede social: “Sabem o que o Facebook Brasil diz em todos os seus processos? Que eles não são donos do site Facebook. Que o Facebook é uma empresa que fica na Irlanda e que se alguém aqui no Brasil tiver que processar, terá que fazê-lo na Irlanda, pois o Facebook Brasil não tem nada a ver com isto.”

Ou seja, até prova em contrário, o Facebook adora soprar a brasa para acender o fogo, em vez de ajudar a apagá-lo. Confia em bombeiros de toga, sempre alertas ao combate às chamas, Constituição em punho, invocando o princípio da proporcionalidade da pena.

Até quando?

Com quantos incêndios mais seremos obrigados a lidar?  De quantos mais seremos vítimas, sairemos chamuscados?

Cuidemos do rescaldo, portanto, sem demora…

Cristina De Luca

É jornalista com Master em Marketing pela PUC do Rio de Janeiro. Hoje trabalha como editor at large e colunista do Grupo Digital Newtwork! e é comentarista de TI da Rádio CBN.

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