Brasil perde 10 pontos em índice da Universidade de Harvard

País fica mais distante da fronteira global da economia do conhecimento e da inovação

Por Ricardo Abramovay | Economia VerdeODS 14 • Publicada em 26 de janeiro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:44

Enquanto continuarmos sendo conhecidos como exportadores açúcar, soja e minério de ferro, seguiremos perdendo espaço no competitivo mercado internacional
Enquanto continuarmos sendo conhecidos como exportadores açúcar, soja e minério de ferro, seguiremos perdendo espaço no competitivo mercado internacional
Enquanto continuarmos sendo conhecidos como exportadores açúcar, soja e minério de ferro, seguiremos perdendo espaço no competitivo mercado internacional

Exaltar as virtudes de um suposto modelo inclusivo de crescimento econômico que marcaria o Brasil do Século XXI, como faz recente coletânea do International Policy Centre for Inclusive Growth, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, é transformar vício em virtude. Não há dúvida que – da mesma forma que na grande maioria do mundo em desenvolvimento, especialmente na China e na Índia, mas também em vários países da África e da América Latina – a miséria absoluta foi sensivelmente reduzida, o emprego formal aumentou e a escolarização cresceu. Da mesma forma, nunca é demais ressaltar a drástica redução no desmatamento da Amazônia brasileira, que isoladamente pode ser considerada como a maior conquista global na luta contra as mudanças climáticas.

O que, entretanto, a coletânea deixa na sombra e que agora vem tragicamente à luz é a fragilidade das bases econômicas destas conquistas e a natureza conservadora das redes e coalisões sociais em que elas se apoiaram. Do que se trata?

O Brasil – e, com ele, os mais importantes países da América Latina – distanciou-se da fronteira global da economia do conhecimento e da inovação. Isso reduz as oportunidades de retomar o crescimento econômico e, portanto, de manter e aprofundar as importantes conquistas dos últimos anos. A demonstração empírica desta distância vem de um indicador que acaba de ser divulgado pelo Center for International Development da Universidade de Harvard, num trabalho dirigido pelo economista venezuelano Ricardo Hausmann e pelo físico chileno Cesar Hidalgo. Seu Atlas da Complexidade Econômica é uma das mais importantes contribuições recentes para compreender a maneira como diferentes países usam seus recursos materiais, energéticos e bióticos e os impactos deste uso sobre sua prosperidade.

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O Brasil, por exemplo, em 2012 exportou para a China US$ 41 bilhões e dela importou US$ 33 bilhões. Esta relação comercial aparentemente favorável para nós esconde algo muito preocupante. Enquanto os produtos exportados pelo Brasil são pouco densos em conhecimento teórico e prático (minério de ferro, soja, petróleo, açúcar) o que importamos dos chineses (telefones, computadores, circuitos integrados e imensa diversidade de produtos industriais) supõe alta capacidade de imprimir informação à matéria

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A complexidade de uma economia relaciona-se à “multiplicidade dos conhecimentos úteis nela embutidos”. Estes conhecimentos por sua vez não são apenas teóricos, mas envolvem o “saber fazer” (know how), ou seja, uma dimensão prática e tácita fundamental. Em última análise o que marca as sociedades humanas é a capacidade não só de imaginar produtos, mas de operar transformações materiais capazes de trazê-los à existência, que se trate de uma lança, de uma carruagem ou de um smart phone. A esmagadora maioria dos objetos de que dependemos exprimem nossa capacidade de incorporar conhecimento teórico e prático à matéria. E esta incorporação não depende apenas do conhecimento dos indivíduos, mas, antes de tudo, das redes sociais em que eles estão imersos e que têm capacidade de acumular, materialmente, conhecimentos teóricos e práticos, informação, obviamente muito superior à de qualquer pessoa, por mais inteligente que seja.

Cesar Hidalgo, num livro fascinante recentemente publicado, mostra que estas redes não são apenas entre indivíduos, mas também entre empresas: o iPod da Apple, por exemplo, só foi possível em função de um dispositivo inventado pela Toshiba. De forma geral, os computadores (mas este raciocínio vai muito além deste produto específico, claro) são construídos por uma rede de empresas, mais que por uma empresa. Hidalgo apoia-se em estudos de sociologia da vida econômica para mostrar que a complexidade (ou seja, a capacidade de imprimir conhecimento à matéria) depende diretamente da natureza das redes sociais e não simplesmente do abstrato funcionamento dos mecanismos de mercado. As sociedades mais prósperas são as que alcançam redes sociais extensas, que não derivam de relações familiares ou do domínio político de um restrito grupo sobre os recursos econômicos. Produtos que exigem grandes volumes de conhecimento só podem ser fabricados ali onde emergiram redes sociais capazes de lhes dar sustentação. Ao contrário, ali onde estas redes sociais são pouco densas e restritas, a tendência é fabricar aquilo que uma grande quantidade de países fabrica, já que isso supõe baixa acumulação social de conhecimentos, sob o ângulo da informação neles contida.

Uma comparação entre o que os países importam e exportam dá uma boa medida destas redes e, portanto, da complexidade da vida econômica de cada um. O Brasil, por exemplo, em 2012 exportou para a China US$ 41 bilhões e dela importou US$ 33 bilhões. Esta relação comercial aparentemente favorável para nós esconde algo muito preocupante. Enquanto os produtos exportados pelo Brasil são pouco densos em conhecimento teórico e prático (minério de ferro, soja, petróleo, açúcar) o que importamos dos chineses (telefones, computadores, circuitos integrados e imensa diversidade de produtos industriais) supõe alta capacidade de imprimir informação à matéria. Tanto o Atlas da Complexidade Econômica como o livro de Cesar Hidalgo oferecem ilustrativas figuras mostrando, país por país, a estrutura de suas exportações e a maneira como se relacionam tanto com a economia global como, individualmente, uns com os outros. O que estas figuras revelam é a propensão de as redes sociais de cada país estimularem a ampliação do conhecimento teórico e prático (como na China) ou, ao contrário, de se restringirem a produzir basicamente o que seus recursos oferecem e o que não supõe alto nível de informação (como, de forma geral, na América Latina).

O modelo econômico que fez da exportação de commodities agrícolas e minerais a base essencial da riqueza que permitiu melhorar a situação social dos mais pobres no Brasil está se decompondo. E uma das expressões mais trágicas desta decomposição foi divulgada há alguns dias numa atualização do Atlas da Complexidade Econômica: entre 2004 e 2014 o Brasil perdeu nada menos que dez posições no Índice de Complexidade Econômica. Colômbia, Argentina e Chile também perderam várias posições.

A desindustrialização brasileira é apenas a face mais visível de um problema muito maior e mais comprometedor. Enquanto  China e Índia apoiam cada vez mais sua vida econômica em redes sociais que fazem do conhecimento teórico e prático a base de suas relações, o Brasil enreda-se nas coalisões em que fósseis, hidrelétricas caras e ineficientes e baixa capacidade de agregar valor aos produtos formam sua cultura empresarial dominante. Promover justiça social sobre uma base tão conservadora é condenar-se ao recuo que hoje, perplexo, o Brasil está sofrendo.

Ricardo Abramovay

Ricardo Abramovay é Professor Sênior do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, autor de Beyond the Green Economy (Routledge) e coautor de Lixo Zero. Gestão de Resíduos Sólidos para uma Sociedade mais Próspera (e-book, Planeta Sustentável).

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