O que o aquecimento global diz sobre cada um de nós

Cena clássica do filme Planeta dos Macacos, de 1968. Foto APJAC PRODUCTIONS / TWENTIETH CE / COLLECTION CHRISTOPHEL

Conta do descaso climático já chegou e, como sempre, os pobres é que vão pagar

Por Agostinho Vieira | ODS 13 • Publicada em 6 de dezembro de 2018 - 15:49 • Atualizada em 6 de dezembro de 2018 - 15:50

Cena clássica do filme Planeta dos Macacos, de 1968. Foto APJAC PRODUCTIONS / TWENTIETH CE / COLLECTION CHRISTOPHEL
Cena clássica do filme Planeta dos Macacos, de 1968. Foto APJAC PRODUCTIONS / TWENTIETH CE / COLLECTION CHRISTOPHEL
Cena clássica do filme Planeta dos Macacos, de 1968. Foto APJAC PRODUCTIONS / TWENTIETH CE / COLLECTION CHRISTOPHEL

Mais um relatório sobre o aquecimento do planeta foi divulgado hoje. Desta vez, o trabalho feito pelos pesquisadores do Global Carbon Project e da Universidade de East Anglia (UEA), na Inglaterra, revelou que as emissões globais de carbono devem atingir a maior alta de todos os tempos em 2018. O aumento projetado de 2,7% supera o do ano passado, que foi de 1,6% e foi causado pelo crescimento no uso de petróleo e gás. A notícia serve como mais um apelo às lideranças mundiais que estão reunidas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 24), em Katowice, na Polônia. Em 2015, no chamado Acordo de Paris, 195 países, entre eles o Brasil, se comprometeram a limitar o aquecimento da Terra em 2ºC até o fim do século. Meta cada vez mais difícil de ser alcançada. Mais afinal, o que essa história de mudanças climáticas tem a ver com o nosso dia a dia? O que diz sobre cada um de nós?

Passados quase cinquenta anos desde que o mundo começou a discutir o aquecimento global, ficamos com três certezas. A primeira é de que tirando algumas lideranças folclóricas, não há mais dúvidas de que o planeta está esquentando. A segunda, igualmente lamentável, diz respeito aos avanços em busca de uma solução, todos muito tímidos. Fora o crescimento insuficiente de energias limpas como a eólica, a solar e a biomassa, quase nada aconteceu. Por fim, a triste constatação: os mais pobres, países e pessoas, é que vão pagar a fatura

Pessoalmente, sempre que vejo um novo relatório como este lembro da clássica série “Planeta dos Macacos”. Em especial da cena da Estátua da Liberdade enterrada na praia. A saga, que começou no final dos anos 60, estava mais preocupada com os conflitos nucleares do que com qualquer questão climática, mas essa imagem não me sai da cabeça. Passados quase cinquenta anos desde que o mundo começou a discutir o aquecimento global, ficamos com três certezas. A primeira é de que tirando o folclórico e irresponsável Donald Trump e o não menos folclórico e irresponsável Capitão Jair Messias, não há mais dúvidas de que o planeta está esquentando. A segunda, igualmente lamentável, diz respeito aos avanços em busca de uma solução, todos muito tímidos. Fora o crescimento insuficiente de energias limpas como a eólica, a solar e a biomassa, quase nada aconteceu. Por fim, a triste constatação: os mais pobres, países e pessoas, é que vão pagar a fatura. E isso tem tudo a ver com ética. Muita gente pensa, mas não fala: “Se não é comigo, com a minha família ou com o meu país, dane-se”. Seria só mais um sinal de egoísmo, se fosse verdade. Mas não é, logo, trata-se apenas de burrice.

Um pastor caminha pelo seco lago Osman Sagar, uma das principais fontes de água no sudeste da Índia. Foto Noah Seelam/AFP
Um pastor caminha pelo seco lago Osman Sagar, uma das principais fontes de água no sudeste da Índia. Foto Noah Seelam/AFP

Um recente relatório do insuspeito Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que, até o final do século, as mudanças climáticas vão provocar perdas de até 10% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países mais pobres. Entre as nações afetadas aparece o Brasil, com o seu desmatamento crescente e a sua agropecuária improdutiva. O problema é que as projeções do FMI se baseiam em cenários conservadores, com aumentos médios de temperatura da ordem de um grau centígrado, quando, na verdade, os mais otimistas já falam em 3ºC.  Logo, os danos serão muito maiores. Passamos os últimos 200 anos consumindo combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás) como se fosse água. Esses gases de efeito estufa estão acumulados na atmosfera, retendo radiação solar. E ficarão lá, no mínimo, por mais cem anos, mesmo que a humanidade faça bem o seu dever de casa, o que está longe de acontecer.

Sendo assim, não nos resta muita coisa além de acompanhar os efeitos das mudanças climáticas e torcer para que o número de vítimas seja o menor possível. Outro estudo do mesmo FMI estima que 60% da população mundial vivam em países nos quais o aquecimento se dará de forma mais intensa, como Haiti, Gabão e Bangladesh. Sem contar as já infelizmente famosas nações insulares, como Kiribati e Tuvalu, que tendem a desaparecer. As consequências das mudanças climáticas nessas regiões vão desde a redução na produção agrícola até o crescimento das epidemias, passando por redução de investimentos, fome, aumento dos conflitos, secas, enchentes e pressão migratória. Essa é uma previsão para o futuro? Não. Basta olhar as secas na África, as tempestades na Ásia e os furacões no Caribe para saber que é real e que está acontecendo hoje.

Isso é tudo muito triste, mas é tudo muito longe também. Não vai afetar o Brasil, essa terra abençoada por Deus. Certo? Errado. Nos últimos anos, o Nordeste brasileiro registrou algumas das secas mais severas da história, as enchentes no Sul e as ressacas no litoral paulista também fazem parte desse enredo. E por falar em enredo, vem aí o verão, o Carnaval, as chuvas intensas e as tragédias. O Brasil tem dois milhões de pessoas vivendo em áreas de altíssimo risco. Uma pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) prevê que a elevação do nível do mar provocada pelo aquecimento global pode levar ao desaparecimento de áreas como a Ilha de Marajó, na região Norte, e a Favela da Maré, no Rio de Janeiro.

O presidente eleito Jair Bolsonaro já se declarou mais de uma vez contrário ao Acordo de Paris e cético em relação ao aquecimento global. Suas razões, em tese, seriam econômicas. O principal papel do Brasil nessa história é preservar as suas florestas, em especial a Amazônia. Bolsonaro acha que a Amazônia ainda é uma fronteira agrícola a ser explorada. As gavetas e os arquivos digitais da Embrapa estão repletos de estudos e análises mostrando que isso não é verdade. É perfeitamente possível e desejável que a agricultura e pecuária cresçam, tornem-se mais produtivas sem que seja necessário derrubar uma árvore sequer. O discurso do novo governo é um retrocesso claro, para o Brasil e para o mundo. O aquecimento global não é uma questão menor e nem um problema distante. Ele faz parte da nossa vida e está tornando o mundo ainda mais desigual. E de pobreza e desigualdade a gente entende bem.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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2 comentários “O que o aquecimento global diz sobre cada um de nós

  1. Jorge Eduardo Dantas de Oliveira disse:

    Agostinho, parabéns pelo artigo. Achei que ficou ótimo – claro, simples, direto, cheio de bons exemplos e números interessantes. Keep the good work

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