Folga por conta da menstruação: países e empresas já apostam no benefício

Filosofia por trás do movimento observa o ciclo menstrual até para marcar reuniões

Por Fernanda Baldioti | ODS 5ODS 8 • Publicada em 7 de março de 2019 - 20:05 • Atualizada em 6 de abril de 2020 - 13:21

O ciclo menstrual e o trabalho: respeito ao calendário (Foto Stockphotos.)

O ciclo menstrual e o trabalho: respeito ao calendário (Foto Stockphotos.)

Filosofia por trás do movimento observa o ciclo menstrual até para marcar reuniões

Por Fernanda Baldioti | ODS 5ODS 8 • Publicada em 7 de março de 2019 - 20:05 • Atualizada em 6 de abril de 2020 - 13:21

O ciclo menstrual e o trabalho: respeito ao calendário (Foto Stockphotos.)
O ciclo menstrual e o trabalho: respeito ao calendário (Foto Stockphotos.)

As cólicas não são desculpa. Até porque disso, ela não sofre. Mas quando fica menstruada, a assistente de comunicação Jade Liz, de 23 anos, tem um dia de licença no trabalho para ficar em casa. É a folga da lua, dada a todas as mulheres que trabalham na empresa de cosméticos Pachamama. Não precisa justificativa. Um dia do mês, elas têm direito ao afastamento para cuidarem de si, independentemente de sentirem dor ou não. Como na empresa mineira, diversos países já têm adotado políticas públicas nesse sentido. O Japão foi o primeiro a lançar uma legislação para a licença menstrual, em 1947. E recentemente a Zâmbia passou a garantir o benefício.

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Mais do que apenas uma folga, há toda uma filosofia por trás do movimento que busca estimular que as mulheres passem a observar sua fase no ciclo menstrual até para marcar reuniões. Fundadora do projeto Comida do Amanhã, Mônica Guerra, que ministra uma oficina sobre tempo circular, explica que, por exemplo, se a mulher está num momento ovulatório, ela está na melhor fase para ir a um encontro importante, no auge da sua criatividade. Mas se ela está menstruada, pode não ser a pessoa mais adequada para representar a empresa em algo decisivo, pois as alterações hormonais acabam a deixando mais vulnerável.

“Da mesma forma, isso deve ser adaptado para a nossa vida pessoal: eu posso deixar para fazer a faxina em casa no dia que estou mais disposta e também não preciso me obrigar a sair com as amigas quando eu estou menstruada. Precisamos deixar de ver o nosso ciclo menstrual como um tabu”, define Mônica.

E não é exagero. Algo tão natural ainda é, de fato, tabu, como mostrou o documentário “Period. End of Sentence” (“Absorvendo o Tabu”, na versão brasileira), que levou o Oscar de Melhor Documentário Curta-Metragem, jogando luz sobre um assunto que faz parte do dia a dia das mulheres, mas que não chega a ser corriqueiro nas conversas e nem nas atitudes. Não é incomum mulheres esconderem os absorventes discretamente no bolso quando vão ao banheiro da escola ou do trabalho, por exemplo. “Não acredito que um filme sobre menstruação ganhou o Oscar”, disse a diretora Rayka Zehtabchi após levar a estatueta. Na obra, ela mostra a revolução causada pela chegada de uma máquina que produz absorventes de baixo custo a uma vila rural da Índia onde as meninas tinham que parar de ir à escola após a primeira menstruação.

Rayka Zehtabchi fala ao receber o Oscar (Foto: Kevin Winter/Getty Images/AFP)
Rayka Zehtabchi fala ao receber o Oscar (Foto: Kevin Winter/Getty Images/AFP)

Diferentemente das indianas, Jade sempre falou abertamente sobre o assunto e, com o tempo, trocou os absorventes descartáveis por coletores menstruais e absorventes de pano por uma questão ambiental e de filosofia também. Ela conta que um ritual recomendado a mulheres que sentem muita cólica é o de “plantar a lua” e devolver à terra o sangue, o que só é possível quando se utiliza as opções laváveis:

“Tomei pílula por um ano e me fez muito mal: tinha crises de enxaqueca muito fortes e até parei de menstruar. Após esse período de supressão, tive a consciência do quanto o ciclo era importante para mim. Eu tenho muita TPM, especialmente no período pós. Por isso, ficar em casa é tão importante no meu caso: é um período que a gente precisa ficar mais quietinha porque não tem mesmo muita energia. A folga da lua nos permite este momento de retiro”.

O momento da menstruação é de limpeza, de reflexão, de avaliação da nossa vida

Sócia da Pachamama, Carol Neves garante que a folga da lua tem um impacto positivo na produtividade das funcionárias. Ela conta que, quando ela mesma, por alguma razão, não consegue tirar o seu recesso, sente a diferença na sua disposição:

“Fico me arrastando, mais cansada, com a energia mais baixa, me irrito mais facilmente. Quando nós mulheres conseguimos dar este tempo para a gente, todo o restante do nosso ciclo muda. Ficamos com mais energia, mais assertivas, mais seguras, mais pró-ativas. O momento da menstruação é de limpeza, de reflexão, de avaliação da nossa vida”.

Carol Neves (ao centro) e Jade (de verde): na Pachamama, elas têm direito à folga da lua (Foto: Arquivo pessoal)
Carol Neves (ao centro) e Jade (de verde): na Pachamama, elas têm direito à folga da lua (Foto: Arquivo pessoal)

Carol explica que, mesmo só tendo mulheres na empresa, o fluxo de trabalho não se prejudica com as folgas, mas é preciso de organização. Ainda mais se a companhia resolver levar em consideração todo o ciclo e não só a data da menstruação, como sugere Mônica. Ela criou uma planilha que leva em consideração as oscilações de humor e desempenho da mulher ao longo do mês:

“É preciso acompanhar pelo menos três meses o ciclo para perceber os padrões e ver se bate em determinadas épocas. Por exemplo, se três dias antes da menstruação, você brigou com alguém; os dias que estava mais animada para ir ao trabalho… Assim é possível definir o arquétipo para aquele período – expansiva, introspectiva, reflexiva, produtiva – e colocar na planilha por cores”.

Com base nisso, quem coordena o time pode avaliar quem está mais apto para determinada função naquele momento. Segundo Mônica, as mulheres que estão na fase ovulatória estão mais mais expansivas, são mais indicadas para ir a uma reunião. As que acabaram de menstruar, estão em um momento de muita energia, e são boas para fazer a apresentação inicial para um projeto, por exemplo.

“É possível coordenar a equipe usando a potência de todos. Se você tem uma pessoa que está super expansiva, atenta, por que vai mandar alguém que está meio mal para uma reunião? É ruim para o projeto e para a pessoa”, afirma ela, que já chegou a ser procurada para adaptar o método para uma escola de pole dance interessada em fazer os treinos mais leves ou fortes de acordo com os ciclos das alunas.

Mônica reconhece que, para o modelo funcionar, é preciso uma mudança de estrutura nas empresas e de uma rede de cooperação entre as mulheres, que assumiriam o trabalho das que estão de folga ou que, por conta do ciclo, não estão dispostas ou na melhor forma para exercer determinada atividade. Ela, que se define como ecofeminista, diz que é fundamental levar narrativas, linguagens e práticas femininas e feministas para as rotinas e ambientes de trabalho assim como ter mulheres ocupando cargos de liderança:

“Não é só uma questão de ocupar um lugar, pois este lugar é fundamentado no patriarcado. Você pode se tornar diretora de uma empresa e continuar seguindo o modelo vigente – há empresas dirigidas por CEO mulheres com licença-maternidade de 4 meses, por exemplo. Cargos de liderança sem transformar a lógica por si só não é suficiente para mudar paradigmas. Mas é importantíssimo ocupar esses lugares, até porque essa mudança nunca vai existir se forem homens os CEO e tomadores de decisão”.

No Brasil, um projeto de lei do deputado federal Carlos Bezerra (PMDB/MT) quer criar uma “licença menstrual” para as trabalhadoras brasileiras. A proposta do parlamentar é que elas possam se afastar até três dias por mês do trabalho durante o período. Na Rússia, a licença por causa de menstruação foi proposta em 2013, mas não foi aprovada. O texto irritou as feministas ao afirmar que a licença era merecida por causa do “desconforto emocional” e da “diminuição de competência”. E no Japão, apesar de terem o direito, muitas trabalhadoras não usufruem da folga por temerem preconceito do mercado de trabalho.

Fernanda Baldioti

Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.

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