Ensaio sobre a cegueira ambiental

Área de desmatamento na Amazônia é interrompida às margens de uma reserva indígena no Pará. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP

Fundir agricultura com meio ambiente não é só um equívoco político, é uma estupidez econômica

Por Agostinho Vieira | ODS 15ODS 8 • Publicada em 11 de outubro de 2018 - 16:44 • Atualizada em 30 de outubro de 2018 - 22:44

Área de desmatamento na Amazônia é interrompida às margens de uma reserva indígena no Pará. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP
Área de desmatamento na Amazônia é interrompida às margens de uma reserva indígena no Pará. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP
Área de desmatamento na Amazônia é interrompida às margens de uma reserva indígena no Pará. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP

Há um ditado antigo, que alguns creditam ao escritor Mark Twain, que diz: “quando o único instrumento que você tem na mão é um martelo, tudo que se vê pela frente é prego”. Talvez seja essa a visão que o capitão Jair Messias Bolsonaro tem do meio ambiente. Tudo coisa de ativista, de ecochato, de gente biodesagradável, que só serve para atrapalhar o crescimento do agronegócio. A proposta de juntar ou de anexar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura segue nessa linha e revela três problemas básicos: o total desconhecimento sobre a importância e o funcionamento da pasta, o risco de retrocedermos décadas nas duras conquistas que tivemos e, por fim, o mais importante, a perda de uma oportunidade rara de transformar o Brasil em uma potência mundialmente reconhecida.

Se o Bolsonaro já está falando em sair do Acordo de Paris, logo vai abandonar também o compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs), que tratam, entre outras coisas, da importância da igualdade de gênero e do respeito às minorias. Isso é uma enorme irresponsabilidade com as gerações futuras

A ideia de que o Brasil poderia se transformar em uma “potência ambiental tropical” não é nova. Quem primeiro falou sobre isso foi o embaixador Rubens Ricupero, ex-Ministro da Fazenda e do Meio Ambiente no governo Itamar Franco. Ela parte da premissa de que o país dificilmente se tornará uma potência bélica como os Estados Unidos e a China, nem uma potência econômica como a Alemanha e o Japão. O nosso diferencial competitivo estaria exatamente no meio ambiente, na matriz energética limpa, na disponibilidade de sol o ano todo, nos ventos, nas florestas e, principalmente, na riquíssima biodiversidade. O cientista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma autoridade em Clima e Amazônia, diz que temos condições de ser o país “economicamente mais limpo do mundo”. Segundo ele, a nossa matriz energética que hoje tem 46% de fontes renováveis pode superar os 60%, com o aproveitamento eficaz do sol, dos ventos e da biomassa.

Mas, na opinião de Carlos Nobre, o grande potencial brasileiro está na indústria da biodiversidade. O cientista acha que o potencial é maior que o do pré-sal, e não considera exageradas as estimativas que falam em US$ 4 trilhões, quase R$ 16 trilhões ou 10 PIBs brasileiros, tomando como referência o ano de 2017: “Uma potência é aquela capaz de criar soluções inovadoras e um país grande é um país industrializado. Portanto, precisamos criar indústrias de biodiversidade em todas as regiões e não apenas no Sudeste. Hoje usamos só 0,1% do potencial que a biodiversidade tem no Brasil. Existem oportunidades na indústria química, farmacêutica e em várias outras. Precisamos aproveitá-las, mas com um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável”.

O candidato Jair Bolsonaro simula duas armas com as mãos. Gesto marcou a sua campanha. Foto Heuleer Andrey/AFP
O candidato Jair Bolsonaro simula duas armas com as mãos. Gesto marcou a sua campanha. Foto Heuleer Andrey/AFP

A proposta de Bolsonaro vai no sentido inverso, a aposta é no agronegócio, na produção e exportação de grãos, carnes e frangos. Essas commodities têm sido fundamentais para o equilíbrio da nossa balança comercial, mas não levam o Brasil a um outro patamar de desenvolvimento. Sem o controle e a fiscalização do meio ambiente, que viraria um mero departamento do Ministério da Agricultura, o setor certamente se sentiria mais liberado para voltar a desmatar na Amazônia e no Cerrado, matando a galinha dos ovos de ouro da biodiversidade. O líder da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan, cotado para ser o titular da nova pasta da agricultura e meio ambiente, já disse que pretende desburocratizar os processos e acabar com a “indústria das multas ambientais”.

Entre 2004 e 2012, o Brasil chegou a reduzir o desmatamento da Amazônia em mais de 80%, caindo de 27.772 km² para 4.571 km². Nos anos seguintes, segundo os dados do Inpe, a destruição da floresta voltou a subir, mas ainda em um patamar mais baixo. O último número oficial, de 2017, foi de 6.947 km². Carlos Nobre explica que o desmatamento e a agropecuária no Brasil respondem por cerca de 70% das nossas emissões de gases de efeito estufa. Se houver um retrocesso nessas áreas dificilmente cumpriremos as metas que assumimos junto ao Acordo de Paris, que foi assinado por 195 países. Mas isso não parece ser um problema para o candidato do PSL. Em reunião com empresários, no Rio, Bolsonaro disse que o Brasil paga caro demais ao prometer manter milhões de hectares de florestas preservadas. Carlos Nobre lamenta: “Se ele já está falando em sair do Acordo de Paris, logo vai abandonar também o compromisso com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs), que tratam, entre outras coisas, da importância da igualdade de gênero e do respeito às minorias. Isso é uma enorme irresponsabilidade com as gerações futuras”.

Jair Messias e seus seguidores sofrem de uma doença comum: a cegueira ambiental. Eles acreditam que existe um antagonismo entre preservação e crescimento, que para um país ser sustentável precisaria abrir mão do desenvolvimento econômico. Não é verdade. Os exemplos são vários e existem, inclusive, no agronegócio. Experiências como os projetos ABC (Agricultura de Baixo Carbono) e o sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, que contam com forte apoio da Embrapa, são referência mundial. A indústria da cana também pode ser um exemplo de atividade altamente rentável e limpa.  O que falta, na maioria dos casos é eficiência. O Brasil hoje cria um boi por hectare, o que é um case de desperdício.  É absolutamente possível aumentar a área agrícola do país, produzir mais grãos e alimentos, sem derrubar uma árvore sequer.

Há 500 anos, nossos índios trocavam pau-brasil e ouro por espelhinhos. Hoje, trocamos commodities por smartphones. Na verdade, exportamos água, produto que ainda temos em abundância. Estamos perdendo de goleada para chineses, americanos e alemães a corrida tecnológica verde. Na verdade, mal entramos nela. Nossos investimentos em pesquisa eólica, solar e híbridos são insignificantes. É claro que precisamos crescer e gerar empregos, mas essas metas não são incompatíveis com um desenvolvimento sustentável. Pelo contrário. Temos água, florestas, biodiversidade, energia limpa, um território enorme e uma população ainda majoritariamente jovem. Esse bônus ambiental e demográfico não pode ser desperdiçado. As condições estão dadas. Não podemos permitir que a vaca ambiental vá literalmente para o brejo.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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