Documentário Assexybilidade quebra silêncios sobre sexualidade de pessoas com deficiência

Filme descontrói estereótipo de que pessoas com deficiência não tem sexualidade; perfomances intercalam trechos de entrevistas (Foto:Divulgação/Assexybilidade)

Filme estreia nos cinemas após participação em festivais no Brasil e no exterior. "No senso comum, a gente não transa", afirma o diretor Daniel Gonçalves

Por Micael Olegário | ODS 10 • Publicada em 19 de setembro de 2024 - 10:00 • Atualizada em 19 de setembro de 2024 - 14:34

Filme descontrói estereótipo de que pessoas com deficiência não tem sexualidade; perfomances intercalam trechos de entrevistas (Foto:Divulgação/Assexybilidade)

Um carrossel de emoções feito para provocar e romper silêncios. Essa é uma das formas de se descrever o filme Assexybilidade, segunda produção do diretor Daniel Gonçalves, 40 anos. Com conversas sobre namoro, flerte, beijos e sexo, o documentário mostra que pessoas com deficiência (PcD) não são anjos sem desejos. “Eu fiz desse jeito propositalmente. Era um desejo, desde o início, que o filme botasse o dedo nessa ferida”, revela Daniel. O longa estreia nesta quinta-feira (19/09) nos cinemas, após exibições em diferentes festivais nacionais e internacionais.

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Assexybilidade começou a ser gravado ainda antes da pandemia. Daniel conta que a ideia surgiu com base em algumas cenas de “Meu nome é Daniel” (2017) – primeira produção do diretor, nascido em Barra Mansa (RJ) e formado em jornalismo e cinema. “Porque tem uma sequência em que eu falo um pouco sobre as minhas próprias experiências afetivas sexuais”, explica ele.

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Com 15 entrevistas, o documentário apresenta relatos de pessoas com diferentes tipos de deficiência, raça, gênero e, obviamente, sexualidade. Além do protagonismo na frente das telas, o filme se destaca pela presença PcD na produção. Junto de Daniel, participam Nathalia Santos, mulher cega que fez a pesquisa de personagens e Gabriela Bagrichevsky, mulher com visão monocular, responsável pela fotografia e making off. A produção do filme é da “Seu Filme”, criada por Daniel e da TvZERO, com coprodução da Globo Filmes e da RioFilme.

A maioria das pessoas sem deficiência não espera ouvir o que escutam, no filme, de pessoas com deficiência. Porque no senso comum a gente não transa, nós somos anjos e não temos desejo e mais alguns outros estereótipos, todos esses muito capacitistas

Daniel Gonçalves
Diretor de Assexybilidade

Depois da primeira fase de gravações, o projeto foi retomado no início de 2022, com o principal objetivo de incluir a maior diversidade possível de depoimentos. “Eu já sabia, mais ou menos, que a gente não tinha conseguido gravar pessoas surdas, com deficiência intelectual e no espectro autista”, comenta Daniel. 

Após todas as entrevistas serem feitas, o filme ficou pronto e estreou em julho de 2023, durante o OutFest Los Angeles, nos Estados Unidos. No Brasil, o longa foi exibido no Festival do Rio, quando recebeu o prêmio de Melhor Direção de Documentário. Até chegar aos cinemas, Assexybilidade rodou por mais de 20 festivais em diferentes países.

Tabus e violências

Parte dos silenciamentos rompidos em Assexybilidade estão ligados ao capacitismo e a violência que afetam a vida afetiva e sexual de pessoas com deficiência. “Eu vivi algumas situações de perguntarem para uma garota que estava saindo comigo, se ela estava ficando comigo por pena”, relembra Daniel – ele possui uma deficiência de origem desconhecida que afeta sua coordenação motora. A intenção, no começo do projeto, foi buscar outras pessoas com experiências semelhantes.

Entre os depoimentos, o filme também apresenta performances de pessoas com deficiência. Segundo Daniel, a intenção foi usar essas cenas como momentos de respiro e uma forma de equilibrar com os momentos de maior tensão. “Tem pessoas que falam sobre episódios de abusos e violência sexual, mas também tem outros momentos que são mais leves”, acrescenta o diretor. 

O tema e a presença de cenas com beijos e carícias entre pessoas com deficiência também geram reações conservadoras e de estranhamento. Em um dos casos mais extremos, o filme foi excluído da programação da 1ª Mostra de Artes Inclusiva, realizada em Santa Catarina. Sobre esse tipo de reação, Daniel acredita ser algo quase natural, por conta da invisibilidade da sexualidade de PcD na sociedade.

“A maioria das pessoas sem deficiência não espera ouvir o que escutam, no filme, de pessoas com deficiência. Porque no senso comum a gente não transa, nós somos anjos e não temos desejo e mais alguns outros estereótipos, todos esses muito capacitistas”, pontua Daniel Gonçalves. Por outro lado, ele afirma que a recepção por outras pessoas com deficiência tem sido muito positiva, de identificação e reconhecimento.

Foto colorida de gravação de cena do Assexybilidade. Daniel aparece fazendo uma entrevista, acompanhado de sua equipe e da estrutura de som e gravação
Produção se destaca pelo protagonismo PcD na frente e atrás das telas (Foto: Filme descontrói estereótipo de que pessoas com deficiência não tem sexualidade; Diretor Daniel com sua companheira Dani (Foto: Gabriela Bagrichevsky))

Impacto e outros projetos

A campanha de impacto de Assexybilidade prevê a exibição centros de saúde e acolhimentos de vítimas de abuso sexual. Daniel destaca que o objetivo é aumentar os debates em torno da saúde sexual de PcD. “Muitas vezes as pessoas com deficiência têm direitos negados pelas próprias famílias”, afirma ele, ao comentar sobre as ações para discutir a obra com famílias.

Na entrevista ao #Colabora, Daniel também abordou o futuro de suas produções. Seu trabalho mais recente foi no “Falas de Inclusão”, especial da Rede Globo preparado para o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência (21 de setembro). 

“Tem um filme que eu quero muito fazer, seria uma espécie de encerramento de uma trilogia sobre pessoas com deficiência – que é um filme sobre educação inclusiva”, complementa Daniel. Atualmente, ele também está trabalhando em uma série sobre PcD no esporte para o Canal Off que pretende construir uma narrativa diferente das tradicionais “história de superação”.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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