ODS 1
Xingu sob pressão de desmatadores e madeireiros
Na rota do grão, território indígena sofre com desmatamento e extração ilegal de madeira. Depois de sete anos e seis meses de negociação, rodovia federal, a BR 242, tem traçado alterado
O crime contra o patrimônio de que foi vítima a gruta de Kamukuwaká é mais uma das muitas ameaças que rondam o Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. O território dos xinguanos é uma ilha verde, praticamente intacta, com florestas em excelente estado de conservação, mas cercado de soja e desmatamento por todos os lados. Se fosse um país, o estado ocuparia a terceira posição no ranking mundial de produtores de soja. O desmatamento, por sua vez, vem transformando o entorno do parque em um cenário devastado, com a ajuda crescente da extração ilegal de madeira.
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Por ser um estado agroexportador, de onde saem 15% das exportações brasileiras do agronegócio, não é de hoje que os povos indígenas têm sofrido com os impactos que vêm de fora de suas terras: eles temem pelos limites do parque, porque vivem pressionados pela expansão da fronteira agrícola. A monocultura de soja e a pecuária cercam o Xingu, como uma espécie de “abraço da morte”, como já definiu Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), instituição que assessora os indígenas há décadas.
Os 2,8 milhões de hectares do Xingu, considerada a maior área de preservação interconectada do mundo, estão situados justamente onde ocorrem as mais elevadas taxas de desflorestamento da Amazônia brasileira: o ‘arco do desmatamento’. Para além da diversidade cultural, o Xingu é uma região de transição Cerrado e Amazônia, onde se registra a presença de espécies raras endêmicas, bem como espécies comuns aos dois biomas.
Entre janeiro e agosto de 2024, o Mato Grosso concentrou 21% da área queimada no Brasil, o que totalizou 2,3 milhões de hectares. Segundo levantamento do MapBiomas, o estado liderou a lista de queimadas na Amazônia, junto com o Pará.
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Veja o que já enviamosRota do grão
A Associação Terra Indígena do Xingu (Atix), entidade que representa os povos do Xingu, levou sete anos e seis meses para convencer o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) a alterar o traçado da BR 242 – uma rodovia considerada estratégica para o escoamento de grãos no país, de 1,8 mil quilômetros, com um trecho de 815 quilômetros no estado do Mato Grosso.
Originalmente, 40 quilômetros da BR 242 cortariam áreas de floresta próximas as nascentes do Rio Xingu, em um trecho que liga os municípios Gaúcha do Norte e Querência. Os indígenas provaram por A mais B que era possível viabilizar o projeto de infraestrutura sem desmatar — bastaria aproveitar as estradas estaduais já existentes no estado. Originalmente, a estrada impactaria a gruta sagrada de Kamukuwaká e o Rio Batovi, que margeia a caverna, e onde o Dnit tinha planos de construir uma ponte.
“Reivindicamos junto aos órgãos do governo para a BR 242 passar a uma distância entre 10 quilômetros e 12 quilômetros dos locais sagrados aproveitando outras estradas existentes na região, sem derrubar matas”, conta Ewésh Yawalapiti Waurá, advogado e diretor da Atix. Em outra parte da BR 242, entre Gaúcha do Norte e o Distrito de Santiago do Norte, os povos do Xingu pleitearam mais uma alteração no traçado.
Depois de muita pressão, em fevereiro de 2024, enfim, o Dnit atendeu a reivindicação dos indígenas. Mudou o traçado, em dois trechos, e afastou o projeto da estrada em 12 quilômetros de distância da gruta sagrada. O primeiro documento encaminhado ao órgão por caciques e lideranças do Xingu foi em julho de 2017. De lá para cá, foram incontáveis reuniões reivindicando o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, que está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
“Estamos conversando também com o Ministério Público do Mato Grosso, porque o estado também precisa respeitar o direito a Consulta Livre, Prévia e Informada”, acrescente Ewésh, se referindo a projetos de estradas estaduais previstos para o Mato Grosso. A Consulta Livre, Prévia e Informada abrange ainda a Ferrovia de Integração do Centro Oeste (Fico), um corredor de commodities projetado para escoar a produção agrícola e mineral do país via Pacífico, chegando na Transoceânica. Pelo acordo assinado, nenhuma licença ambiental pode ser emitida para as duas obras sem que os indígenas sejam ouvidos.
Foi uma conquista e tanta, analisa Ivã Bocchini, coordenador-adjunto do Programa Xingu do ISA, avaliando que o perfil diplomático dos xinguanos foi fundamental para a negociação chegar a bom termo. “Até aqui, o que temos vistos são consultas tardias, feitas, em sua grande maioria, após a obra concluída, quando a possibilidade de os indígenas influenciarem não existe mais”, comenta, acrescentando que o caso tem potencial para influenciar nacionalmente a consulta aos indígenas em caso de projetos que impactem seu território.
A decisão garante que o direito de consulta prévia não seja feita de qualquer maneira – como ocorreu, por exemplo, em Belo Monte, considerado um projeto emblemático em alterar, drasticamente, traços culturais, modos de vida e uso das terras pelos povos indígenas. “O diálogo precisa ser honesto, transparente e dar tempo para os indígenas terem acesso às informações e, de fato, influenciarem nas políticas públicas”, analisa Bocchini.
É a primeira vez que indígenas fazem parte do grupo de trabalho criado para elaborar o Estudo de Componente Indígena, uma das etapas do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), quando são avaliadas as questões socioambientais desencadeadas pelo empreendimento. “Estamos apostando que será um estudo robusto e que, de fato, vai apontar os impactos da BR 242 no território indígena”, avalia Bocchini. Os planos de compensação também serão feitos com a participação dos indígenas: “Na maioria das vezes, esses planos são elaborados de cima para baixo”. Na prática, estudo é feito pela Funai e os indígenas são apenas objetos de estudo.
Segundo Bocchini, a construção da BR 242 e da Fico na região das nascentes do Rio Xingu promoveriam mais desmatamento, além de assoreamento dos rios, morte de nascentes, diminuição de peixes, desequilíbrios ecológicos e climáticos. Ele chama atenção ainda para o fato de o estado do Mato Grosso estar, há mais de uma década, tentando aprovar uma Lei de Zoneamento Socioeconômico e Ecológico sem sucesso.
“A lentidão demonstra que não é prioridade para a amplamente majoritária bancada ruralista na Assembleia Legislativa do Mato Grosso regular o uso e a ocupação do solo. A ausência de regras tem se mostrado mais favorável aos interesses dos grandes produtores rurais”, analisa Bocchini.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.