ODS 1
Menos de 2% do Plano Safra serão usados para reduzir emissões de carbono
Financiamento de R$ 400 bilhões do governo à agropecuária está desalinhado da agenda climática, afirma pesquisadora da Universidade de Brasília
Divulgado no início de julho como “o maior Plano Safra da história”, a multibilionária e tradicional linha de apoio do governo federal à agricultura empresarial e também aos pequenos agricultores está “desalinhada” das prioridades de governo que o Presidente Lula vem anunciando desde antes até de tomar posse, quando ele esteve na COP27, realizada em novembro de 2022 no Egito.
Cálculos da professora de mudanças climáticas do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UNB, Marta Salomon, indicam que a edição do Plano Safra que vai de junho de 2024 a junho de 2025 destinou menos de 2% do total de R$ 400 bilhões “para conter as emissões de gases de efeito estufa no setor da economia que responde pela maior parcela do aquecimento global no país”. As estimativas de Salomon constam de nota técnica do Instituto Talanoa, um think tank ambiental sediado no Rio de Janeiro onde ela é especialista sênior em assuntos relativos ao clima.
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“Com os impostos que pagamos, nós, contribuintes, entramos para cobrir a diferença entre o juro de mercado e o juro que é cobrado de linhas especiais do Plano Safra. Colocamos dinheiro para subsidiar o setor da economia brasileira que mais emite gases do efeito estufa”, explica a pesquisadora.
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Veja o que já enviamosSegundo o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases (SEEG) do Observatório do Clima, a pecuária emitiu 37% dos gases causadores das mudanças do clima e foi o setor da economia que mais contribuiu com as emissões nacionais. “Sobretudo pela fermentação entérica – a digestão do gado – e o uso de óxido nitroso nos fertilizantes”, explicou Salomon.
“Não dá para estimular o consumo de carne. Se você olhar o Simulador Nacional de Políticas Setoriais e Emissões (Sinapse) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o que faz baixar a curva de emissão de carbono no Brasil é o combate ao desmatamento e mudança da dieta humana. Isso é algo difícil, porque a população gosta de comer carne, mas dá para agir em outra ponta, que é o investimento em integração da agropecuária com floresta, criação de gado com menor emissão de carbono, mas isso não está ocorrendo”, completou a professora da UNBV.
O Sinapse é a ferramenta oficial do governo brasileiro para projetar cenários de implementação de políticas públicas setoriais e potencial de redução de emissões de gases do efeito estufa, para alcançar as metas que o Brasil assumiu na Contribuição Nacionalmente Determinada do Acordo de Paris Sobre Mudanças Climáticas, em 2015.
“Na principal linha de investimento na chamada agricultura de baixa emissão de carbono, o Programa para Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (RenovAgro), foram previstos R$ 7,68 bilhões (…) O valor corresponde a 15,7% [da parcela] dos investimentos com juros subsidiados pelo governo e a menos de 2% do total do crédito para os produtores rurais”, escreveu Salomon na Nota Técnica.
Em outras palavras, o governo federal retira parte dos recursos do Tesouro Nacional para colocar no Plano Safra e garantir que agricultores tenham juros menores do que aqueles cobrados pelos bancos comerciais, quando acessam os financiamentos das agências oficiais, como o Banco do Brasil e o BNDES – responsável por garantir os financiamentos subsidiados à aplicação de tecnologias menos poluentes.
“O bolo de dinheiro gigantesco para financiamento do crédito rural está completamente desalinhado do objetivo de reduzir as emissões do setor da economia brasileira que mais emite Gases do Efeito Estufa”, completou a professora.
Segundo ela, essa posição do governo, através do Ministério da Agricultura, corresponsável pela parte do Plano Safra que beneficia os grandes conglomerados econômicos da agricultura, torna mais difícil atingir as metas de Paris. Entre elas está a meta-símbolo, que é impedir que a temperatura média da Terra aumente 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.
Outro exemplo do “desalinhamento”, de acordo com Salomon, é a divergência entre o Plano Safra e o trabalho do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), que está elaborando a proposta de Plano Clima, que será a estratégia oficial do Brasil para enfrentar, até 2035, as mudanças climáticas globais.
“O Plano Clima, que está sendo elaborado pelo CIM e será colocado em consulta pública até dezembro, será a política geral de governo para enfrentamento às mudanças climáticas e vai considerar as Contribuições Nacionais de Emissões. “Essa vai ser uma decisão política”, explica Salomon. “Teremos um Plano que pela primeira vez irá dizer quais serão os meios de implementação e o financiamento. Tanto nas estratégias nacionais de mitigação e adaptação e quanto nos planos setoriais de adaptação das metas nacionais aos índices definidos no Acordo de Paris sobre o clima, de 2015”, completou.
Na quarta-feira, 31 de julho, o Ministério do Meio Ambiente informou que vai conduzir as plenárias com entidades da sociedade civil e especialistas sobre a elaboração do Plano Clima. Serão realizadas audiências públicas nos seis biomas brasileiros: Caatinga, Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa, além do Sistema Costeiro Marinho. Haverá plenárias presenciais no Recife (1/8), Teresina (2/8), Imperatriz (MA) e Macapá (8/8)”.
Consultado sobre as contradições do Plano Safra, o Ministério da Agricultura orientou entrar “em contato com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) para a referida demanda”. Os Ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente não responderam às solicitações de informação.
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Carlos Tautz é jornalista desde 1989 e doutorando em História Contemporânea na UFF