Dez verdades e mentiras sobre meio ambiente e a covid-19

#Colabora faz uma lista do que é fato e o que é fake news nos posts que estão circulando durante a pandemia

Por Emanuel Alencar | ODS 13ODS 3 • Publicada em 4 de junho de 2020 - 20:28 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 22:17

Ave ferida por linha com cerol no Rio: menos aviões, carros e barulho mas mais pipas (Foto: Natalie Meurer)

Praia de Botafogo com águas límpidas, tartarugas marinhas fazendo a festa na Baía de Guanabara, flamingos vistosos ocupando canais de Veneza, na Itália, elefantes embriagados em plantações chinesas… Em tempos de pandemia, são inúmeros os vídeos e informações circulando com velocidade mais rápida do que a do próprio coronavírus pela internet. Mas será que a menor circulação de pessoas vem mesmo causando tanto benefício assim ao meio ambiente? O #Colabora levantou dez perguntas e respostas sobre a relação do Sars-CoV-2 com o meio ambiente.

1.É verdade que a Baía de Guanabara está mais limpa por causa da diminuição do fluxo de pessoas na cidade?

O #Colabora não quer cortar o barato de ninguém, mas tenha cuidado com o que você lê por aí. Não dá para associar as imagens da enseada de Botafogo mais limpas à pandemia. Diretor-adjunto de Licenciamento Ambiental do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Leonardo Daemon pontua que as águas limpas da enseada de Botafogo estão ligadas a fenômenos de correntes e marés comuns a esta época do ano. Uma enorme quantidade de água vinda do mar aberto, entra na Guanabara, deixando suas águas mais claras. Por conta disso, é possível enxergar o fundo de algumas praias. Como também não tem chovido com constância, esse elemento ajuda a melhorar o aspecto de trechos muito poluídos. Em Botafogo, por exemplo, nessa época quando há menos incidência de chuvas, todo o Rio Berquó (que nasce no Corcovado e deságua na enseada) e o esgoto acabam sendo desviados para o emissário submarino de Ipanema, não havendo transbordamento. “Mas esses fatores positivos, é bom esclarecer, não têm nada a ver com a balneabilidade das praias. A água pode estar transparente, mas imprópria ao banho”, diz Leonardo. Tanto é que no boletim de 20 de maio, a Praia de Botafogo estava imprópria ao banho. Nada de mergulhar em Botafogo, ok?

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2. O ar da cidade está mais limpo por causa da menor circulação de automóveis?

Sim, está. A Prefeitura do Rio tem oito estações de monitoramento e detectou melhoria significativa em elementos prejudiciais à saúde em diversos bairros. Na estação de Copacabana, por exemplo, houve queda de 80% no registro de emissão de monóxido de carbono (CO) de 16 de março a 30 de abril de 2020, numa comparação com a série histórica de oito anos (desde 2012). No Centro, a redução foi de 50%. A maior parte das emissões de CO em áreas urbanas são decorrentes dos veículos automotores. Em março, as estações Tijuca, Irajá e Bangu registraram redução de 41% no índice de qualidade de ar (IQA) comparado com o ano de 2018 e 28% comparado com o ano de 2019 (quanto menor, melhor). Mas estações de monitoramento da qualidade do ar também têm registrado ainda altas concentrações de Ozônio (O3), um poluente associado asmas e doenças cardiovasculares. Bangu é a região com maiores aferições. As informações são da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

3. O carioca está gerando menos lixo?

Sim. A quantidade de lixo coletada normalmente em toda a cidade do Rio de Janeiro, nos últimos anos era, em média, de 10 mil toneladas diárias, incluindo lixo domiciliar e urbano, grandes geradores e resíduos da construção civil. Cerca de 60% são resíduos domésticos. Houve uma redução no lixo domiciliar em 11% na semana de 10 a 16 de maio em relação à média das duas semanas anteriores à pandemia, de 1° a 14 de março. Já na semana de 17 a 23 de maio em relação aos dias 1° a 14 março, a redução foi de 5%.
Houve queda também no percentual de remoção de lixo público. No domingo 10 de maio houve 36% menos lixo coletado em relação ao domingo, 8 de março, antes da decretação da pandemia. E decréscimo de 45% no dia 17 de maio em relação ao dia 8 de março. Já durante a semana, a redução no lixo público foi de 10% entre 10 e 16 de maio, em relação à média das últimas duas semanas anteriores à pandemia, de 1° a 14 março, e de 8% na semana de 17 a 23 maio em relação aos dias 1° a 14 de março.

4. Vi uma foto com vários flamingos ocupando os canais de Veneza. É verdade?

Infelizmente não. A foto é belíssima, foi muito compartilhada, mas trata-se de fake news. Em entrevista à CNN, um porta-voz da Prefeitura de Veneza explicou que a poluição da água não diminuiu. O que aconteceu foi que sedimentos que dão a aparência mais escura ao espelho d’água ficaram acumulados no fundo.

Flamingos ocupam canal de Veneza: imagem totalmente falsa espalhada pelas redes sociais (Reprodução)
Flamingos ocupam canal de Veneza: imagem totalmente falsa espalhada pelas redes sociais (Reprodução)

5. Vi imagens de golfinhos também em Veneza. Essas fotos são verdadeiras?

Também são falsas. Os vídeos que estão circulando nas plataformas digitais dos supostos mamíferos passeando pelos canais da cidade foram feitos, na verdade, em um porto da ilha da Sardenha, localizada no Mar Mediterrâneo — a mais de 780 quilômetros de distância de Veneza.

6. Adorei a história dos um grupo de elefantes que passou por uma vila em Yunnan, na China, embriagou-se com vinho de milho e tombaram, desmaiados, numa plantação de chá. Incrível, não é?

O #Colabora também achou fofos os elefantes embriagados. Mas leva tudo na brincadeira, porque o fato não está comprovado. De fato, um grupo de 14 paquidermes entrou em várias aldeias no condado de Menghai, na província de Yunnan, em 11 de março, danificando telhados e derrubando jarros de vinho, de acordo com relatórios oficiais. Mas não há a confirmação de que os animais teriam ficado “altinhos” com a ingestão do líquido. “Difícil confirmar”, disse Long Yunhai, vice-diretor do Departamento de Florestas e Pastagens do condado de Menghai, de acordo com o “Xinhua News”. (Fonte: https://www.livescience.com/viral-photo-elephants-not-drunk.html)

7. Há registros de pássaros voltando a ocupar áreas antes não frequentadas. As aves estão mesmo menos expostas a riscos aqui no Rio?

Se, por um lado, há menos circulação de veículos, aviões, e mais controle da poluição sonora, ajudando as aves, por outro lado, uma ameaça nunca foi tão significativa: as pipas. Dobraram os casos de atendimentos a fragatas (ave da espécie Fregara magnificens) na unidade de estabilização da Universidade Santa Úrsula em abril e maio (numa comparação com janeiro e fevereiro): 29 atendimentos contra 14. Os dados são do Projeto de Monitoramento de Praia, patrocinado pela Petrobras. A bióloga Natalie Meurer alerta: “Muitas chegam com asas cortadas, tendões rompidos. Pedimos que a população tenha consciência do alto risco das linhas de pipa, principalmente com cerol e linha chilena, para as diversas espécies de pássaros”.

8. As lagoas da Barra e Jacarepaguá estão mais limpas com a quarentena?

Não há mágica. Com mais gente ficando em casa, os vasos sanitários trabalham mais e as lagoas estão sofrendo mais, diz o biólogo Mário Moscatelli, que há décadas acompanha aquele ecossistema. O que mudou foi que alguns animais se arriscam a passeios maiores: preás em restingas, jacarés em ruas, capivaras em quintais de residências. “A única coisa boa, e nem sei dizer se tão boa assim, é que muitos representantes da fauna estão se sentindo com mais liberdade em ambientes urbanos menos movimentados”, diz Ricardo Freitas, biólogo do Instituto Jacaré, que monitora dos répteis nas lagoas da Barra e Jacarepaguá.

Gato-do-mato-pequeno, espécie considerada ameaçada de extinção pela lista do Ibama, avistado na Reserva Biológica de Petrópolis: imagem rara proporcionada pela quarentena (Foto: Inea/divulgação)
Gato-do-mato-pequeno, espécie considerada ameaçada de extinção pela lista do Ibama, avistado na Reserva Biológica de Petrópolis: imagem rara proporcionada pela quarentena (Foto: Inea/divulgação)

9. Alguns avistamentos de animais ameaçados estão associados à quarentena?

Sim. Um exemplo é o gato-do-mato-pequeno, considerado ameaçado de extinção pela lista do Ibama, que ocorre nas Regiões Sul, Sudeste e Cento Oeste do Brasil. Pois não é que um deles apareceu na Reserva Biológica de Petrópolis, Região Serrana do Rio, em 16 de abril? De hábitos noturnos e diurnos, o gato-do-mato se alimenta de pequenos roedores, pequenas aves e alguns lagartos. “Acreditamos que este registro só foi possível devido à quarentena, pois é sabido que a redução das atividades humanas no interior e nos limites das Unidades contribui para o aparecimento de animais silvestres”, disse Isabela Bernardes, chefe da Rebio Araras. Administrada pelo Inea, a Rebio Araras abriga e protege diversas espécies raras, vulneráveis, endêmicas e ameaçadas de extinção da fauna e da flora em seus 3.862 hectares de Mata Atlântica.

10. Posso acreditar nas imagens de satélite que mostram que mancha de poluição em SP foi reduzida na quarentena contra coronavírus?

Sim. Em São Paulo, o governo estadual passou adotar medidas para restrição da circulação a partir de 24 de março. Em abril, as imagens de satélite já mostravam cenários mais animadores. A medição por satélite é feita a partir da detecção da densidade dos óxidos e dióxidos de nitrogênio (NO e NO2).

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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