ODS 1
Sutiã, calça jeans, maquiagem: a quarentena será a queda de alguns costumes?
Mulheres falam de mudanças de hábito nas redes sociais, e pesquisadoras apontam possíveis transformações (e estagnações) nos padrões da vestimenta feminina
Eu já não sei mais usar um sutiã
— Lelele (@ReadTcia) May 17, 2020
“Minha gaveta de sutiãs deve estar com saudade de mim.” “Faz dois meses que não coloco uma calça jeans.” “Maquiagem? Não lembro o que é.” É fácil encontrar essas observações ao navegar pelo Twitter, Facebook ou nos grupos de amigos do WhatsApp. Durante a quarentena, as necessidades são reduzidas ao básico. E, as roupas, claro, entram no esquema. Pijama, chinelo e moletom são o uniforme dessa nova era?
Por mais difícil que seja prever hábitos futuros, até mesmo tratando-se do próximo mês, é possível traçar paralelos entre a atualidade e outros pontos da história para, talvez, encontrar semelhanças nos comportamentos.
Um histórico recente: do pós-guerra ao ‘new look’
Um dos momentos históricos de mudança radical na moda feminina foi a Primeira Guerra Mundial. Com os homens na Europa sendo enviados ao front, incluindo adolescentes, as mulheres, até então tratadas como bibelôs, ocuparam os postos de trabalho braçal. Pela primeira vez, elas se livraram das saias pesadas para vestirem calça e macacão durante as jornadas nas fábricas. A oportunidade de usar uma roupa leve e confortável já havia mudado o panorama para sempre.
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Veja o que já enviamos“O contexto de guerra tornou a indumentária atribuída às mulheres até então inútil, pois você precisa de movimento de corpo, seja para trabalhar em fábricas, como enfermeiras em hospitais ou angariando fundos de guerra. A mulher encurta o cabelo, a roupa se torna mais prática, e ela vai conquistando o ambiente urbano”, explica Patrícia Helena Soares Fonseca, professora dos cursos de Moda e Design da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), o uso da calça comprida ficou ainda mais popular na Europa. Afinal, não é eficiente correr de bombardeios usando vestidos.
[g1_quote author_name=”Patrícia Fonseca” author_description=”Professora da FAAP” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Espero que haja uma reflexão sobre o que queremos como sociedade. Pensar a moda aliada à ciência, à saúde, ao meio ambiente, e repensar o consumo. Fazer uma moda mais sustentável e tecnológica? Ou sair correndo em direção ao shopping assim que a quarentena acabar?
[/g1_quote]Mas no pós-Segunda Guerra, surgiu uma mudança conservadora. O corpo da mulher voltou a ser preso, e veio a opulência dos vestidos, cheios de dobras, camadas e estruturas pesadas. Era o ‘new look’ inventado por Christian Dior, que saiu das passarelas e influenciou guarda-roupas em todo o planeta.
A história recente do mundo ocidental deixa claro que prever o que as pessoas vão querer vestir depois da pandemia é tarefa quase impossível. “Há a possibilidade de repensar o vestuário. É claro! E seria o ideal. Mas isso vai acontecer?”, questiona Patrícia.
Mulheres refletem sobre padrões e consumo
Se depender de Nuta Vasconcellos, sim. Criadora do projeto Chá de Autoestima, palestrante e estudante de Psicologia, ela tem levado a discussão para as suas seguidoras: 26 mil na conta do projeto e 14,3 mil na pessoal. Isso só no Instagram. A descrição de seu perfil, aliás, já dá o spoiler: “feminino consciente”.
“Noto que as seguidoras estão refletindo mais sobre o que fazem pensando em agradar ao olhar masculino ou para serem mais bem aceitas socialmente”, observa Nuta, que também encontra espaço para repensar seus próprios padrões: “Durante a quarentena, notei que faço minhas unhas por questões sociais. Não tenho feito em casa, e não ligo. Mas sempre fazia para dar as palestras.”
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O look de home office estava integrado à rotina há muito tempo: roupa mais folgada, sapatos confortáveis (ou nenhum).
“Sempre usei roupa básica e funcional para trabalhar em casa. Mas quando tenho vontade de me arrumar mais, colocar maquiagem, fazer um penteado, eu faço”, diz, antes de acrescentar: “Ah, mas se tem uma coisa que não coloco pra ficar em casa é jeans”.
A empresária de nome artístico Gaia Qual a-versão, que conduz o projeto de educação sexual para mulheres “Meu clitóris minhas regras”, reforça que a quarentena está demonstrando que “ter guarda-roupas cheio não vale de nada”. Ela já era adepta de um guarda-roupas básico, enxuto e confortável (“de calçados tenho só três pares de tênis, um sapato e dois chinelos”). Ela não usa sutiã há sete anos.
“E vou te dizer que é complicado tentar viver com o mínimo, viu? Eu tenho que bater perna pelo Centro de São Paulo inteiro para encontrar uma camiseta preta lisa ou uma calcinha de algodão, que são as recomendadas para não irritar a pele e manter a saúde da vulva. Aliás, está aí uma dica importante para as mulheres, não apenas durante a quarentena”, aponta Gaia. Para ela, a própria indústria não está pronta nem tem interesse em uma mudança a um estágio mais básico do consumo. “É muito mais rentável vender peças que, em seis meses, sairão de moda, e precisarão ser repostas.”
Olhar para o futuro
Presidente da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Moda e diretora da editora Estação das Letras e Cores, Kathia Castilho acredita que a moda se adapta rapidamente às novas realidades, o que é uma ótima notícia. A parte não tão boa é que, para isso, é preciso vontade de mudar os padrões de consumo.
“A moda veste a história, então está conectada ao seu tempo. Já estamos vendo soluções de designers para máscaras que protegem o rosto mas sem esconder as expressões faciais, por exemplo, e pesquisas tecnológicas para pensar na roupa como defesa, tecidos antibacterianos… O aspecto utilitário da moda está borbulhando”, analisa Kathia Castilho, que é doutora em Comunicação e Semiótica. “A questão é pensar no que vamos valorizar, como sociedade, nesse momento pós-pandemia.”
Para ela, apesar do muito que se caminhou em direção a uma moda mais confortável e útil para as mulheres, há características que merecem uma boa reflexão ainda. A primeira delas é a de que a maneira de vestir o corpo feminino muitas vezes ainda é direcionada a um suposto olhar masculino de sedução. “Isso inclui a roupa ajustada no corpo, nem sempre o mais saudável ou confortável para quem veste. É importante desvincular a vestimenta do olhar do homem e do poder sobre o corpo feminino”, pondera a Kathia.
Outro ponto primordial é que as transformações e evoluções da moda se deem na direção da sustentabilidade.
“A indústria da moda é uma das principais causas de poluição e agressão ao meio ambiente. Mas há alternativas, como participar de grupos de compra consciente, consumir produtos mais duráveis e fomentar a indústria local, em vez de grandes marcas”, acredita a pesquisadora.
Patrícia Fonseca, professora da FAAP, também chama a atenção para o ponto: o de que é preciso se discutir os excessos.
“Espero que haja uma reflexão sobre o que queremos como sociedade. Pensar a moda aliada à ciência, à saúde, ao meio ambiente, e repensar o consumo. Fazer uma moda mais sustentável e tecnológica? Ou sair correndo em direção ao shopping assim que a quarentena acabar?”, provoca Patrícia.
Nuta já escolheu de que lado quer ficar e comprova na prática: a conta do cartão de crédito teve redução de 60% no período de quarentena.
“Não estou deixando de ter nada de essencial: comida, luz, internet, remédios… Estou bem e gastando menos. E isso me fez pensar no quanto consumimos porque estamos num mundo que faz a gente consumir o tempo todo.”
Como após qualquer grande ruptura, nasce um momento propício para repensar as prioridades. É a hora ideal para pensar de quais hábitos se livrar.
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Jornalista formada pela PUC-Rio. Trabalhou no jornal O Globo, no Jornal do Brasil, no site I Hate Flash e na revista Vizoo. Hoje, escreve para o Projeto#Colabora. É uma carioca louca pelo universo jovem, por observar as tendências da web, e por histórias contadas e protagonizadas por mulheres.
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