PretaLab: Mulheres negras na tecnologia

A coordenadora do PretaLab, Sil Bahia: iniciativa tem como objetivo criar atividades para que meninas e mulheres se aproximem do universo da tecnologia e aprimorem os seus conhecimentos (Foto: Carolina Moura)

Iniciativa quer enfrentar o racismo e o machismo e dar mais visibilidade às mulheres que já trabalham no setor

Por Carolina Moura | ODS 5 • Publicada em 8 de agosto de 2019 - 09:52 • Atualizada em 7 de dezembro de 2021 - 11:06

A coordenadora do PretaLab, Sil Bahia: iniciativa tem como objetivo criar atividades para que meninas e mulheres se aproximem do universo da tecnologia e aprimorem os seus conhecimentos (Foto: Carolina Moura)

Em 2010, 27.576 mulheres negras obtiveram diplomas como engenheiras ou cientistas, o que representa 10,7% dos diplomas concedidos a mulheres no Estados Unidos. Porém, elas representavam menos de 1% do total de mulheres empregadas nessas indústrias, segundo o levantamento feito pelo The Scientist Foundation. No Brasil, não há pesquisa semelhante, mas a situação das mulheres negras é certamente pior. Elas são maioria entre os empregados domésticos: 57,6%; e são minoria entre os trabalhadores com algum tipo de seguridade social – como carteira de trabalho, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).  E só 10,4% das mulheres negras têm ensino superior completo – em qualquer área.

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Com base nesses dados, Silvana Bahia, coordenadora de comunicação do Olabi, organização que trabalha pela democratização da tecnologia, criou, em 2016, o PretaLab, uma iniciativa para que mulheres negras estejam dentro do universo digital. Viabilizada a partir do apoio da Fundação Ford, a iniciativa surgiu como uma campanha, na busca por mapear e entender quem são as meninas e mulheres negras e indígenas que trabalham nessa área. “O que pretendemos fazer? A gente quer criar atividades para que meninas e mulheres se aproximem do universo da tecnologia e aprimorem os seus conhecimentos”, explica Sil Bahia, como é conhecida. “Também queremos realizar assessoria a recrutamento e seleção, ou seja, auxiliar empresas a entenderem como melhorar a diversidade do seu time. Ampliar rede e conexões também é importante. Através desse projeto queremos mapear mulheres negras que trabalham nesse campo da tecnologia”, acrescenta.

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Reconhecimento facial, câmeras no celular até mesmo o sabão que cai automaticamente nas mãos, no banheiro, tudo isso têm dificuldade em reconhecer a pele preta. Isso porque foram criados por brancos.

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Nesta quinta, 8 de agosto, Sil Bahia, vai mediar uma mesa de tecnologia e inclusão no ‘Fórum Sim à Igualdade Racial’, organizado pelo Instituto Identidades do Brasil (IDBR), em São Paulo. “Vou falar sobre objetivos do PretaLab, que são a inclusão digital, a experiência de pessoas negras nessa área, o racismo e o machismo na área”, afirmou. “As tecnologias não são neutras. Do jeito que são até parecem, né? A gente não se questiona por que o aplicativo é de tal forma. Enquanto não tiver diversidade não tem democracia”, concluiu. “Reconhecimento facial, câmeras no celular até mesmo o sabão que cai automaticamente nas mãos, no banheiro, tudo isso têm dificuldade em reconhecer a pele preta”, acrescentou. “Isso porque foram criados por brancos. É necessário abrir esse mercado”, afirma coordenadora do Pretalab.

Visibilidade zero

Com as idas constantes em workshops e palestras sobre democratização da tecnologia, ainda pela Olabi, Sil Bahia foi percebendo a ausência de mulheres negras nesses eventos. Faltam até dados para medir a participação feminina. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dos 1.683 engenheiros da computação formados em 2010, apenas 161, ou 9,5%, eram mulheres. No mesmo ano, apenas 14,8% dos 7.339 formados em ciências da computação eram programadoras. Sobre mulheres negras, a visibilidade é perto de zero: Segundo um levantamento do Grupo de Gênero da Escola Politécnica da USP, em 120 anos a Politécnica formou apenas dez mulheres negras. Na lista das pioneiras das ciências no Brasil, criada pelo CNPQ, nenhuma das mulheres citadas é negra

Foi o desafio de mudar esse cenário que mobilizou a coordenadora do PretaLab. “Quando falo de tecnologia, não quero dizer produção de conteúdo, Instagram apenas. Isso eu achei sensacional: novas narrativas sobre ser mulher negra no Brasil, referências culturais. Mas pensei: quem programa os aplicativos? Quem faz as plataformas que a gente usa?”, questiona Sil, formada em jornalismo e mestre em Territorialidades pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

 

Sil Bahia na sede do Olabi: "As tecnologias não são neutras. A gente não se questiona por que o aplicativo é de tal forma. Enquanto não tiver diversidade não tem democracia" (Foto: Carolina Moura)
Sil Bahia na sede do Olabi: “As tecnologias não são neutras. A gente não se questiona por que o aplicativo é de tal forma. Enquanto não tiver diversidade não tem democracia” (Foto: Carolina Moura)

Antes de chegar no jornalismo,  a carioca foi babá, funcionária de petshop, assistente administrativo e digitadora. Na comunicação, trabalhou por cinco anos no Observatório de Favelas já envolvida com produção de vídeo e tecnologia até chegar no Olabi em 2015. “Quando eu trabalhava no Observatório de Favelas, na Maré, a tecnologia começou a se popularizar. Eu sentia falta de pensar: quem produz as tecnologias que a gente usa?”, afirmou Sil. “Foi quando eu percebi que precisamos trabalhar para ter mulheres negras nesse espaço de tecnologia que é mais ocupado por brancos e homens”, acrescenta.

Mapeamento

A primeira etapa do trabalho do PretaLab foi um grande mapeamento de mulheres negras e indígenas que trabalhavam com tecnologia. Através da internet, foram reunidas histórias, depoimentos e dados. Como parte da campanha, o vídeos foram gravados para dar visibilidade a mulheres que servissem de exemplos dos desafios enfrentados pelas brasileiras que já estão atuando como desenvolvedoras, empreendedoras, produtoras de conteúdos, ativistas do campo digital.

No total, participaram do levantamento da PretaLab 570 mulheres dos 17 aos 67 anos, com inserções e interesses variados – a maioria das participantes estava concentrada nas áreas de inovação (29,1%) e transformação social (14,6%). Essas mulheres vêm das cinco regiões do país e de quase todos os estados. Mais da metade tem interesse em desenvolver iniciativas na área — embora só 20% delas conheçam projetos que juntem mulheres negras e indígenas à tecnologia.

Entre os objetivos da PretaLab, está articular uma rede de tecnologia mulheres negras e  indígenas: para isso, já estão mapeadas outras iniciativas que trabalham no mesmo sentindo como o OxenTI MeninaRede de Ciberativistas NegrasBlogueiras NegrasPretas HackersDesabafo SocialGato MídiaCriolaCriadoras Negras RSMinas Programamdata_labeBlack RocksInstituto Mídia ÉtnicaMariaLabInfoPretaPreta NerdColetivo Nuvem Negra,

Carolina Moura

Jornalista com interesse em Direitos Humanos, Segurança Pública e Cultura. Já passou pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), Jornal O DIA e TV Bandeirantes. Como freelancer já colaborou com reportagens para Folha de São Paulo, Al Jazeera, Ponte Jornalismo, Agência Pública e The Intercept Brasil.

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