Diário da Covid-19: Brasil tem a pior avaliação do mundo no combate à doença

Bolsonaro sobre o número crescente de mortos no Brasil: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Arte Claudio Duarte

Pesquisa mostra que mais de 60% dos brasileiros acham que o governo Bolsonaro não fez o suficiente para conter a pandemia

Por Agostinho Vieira | ODS 3 • Publicada em 22 de junho de 2020 - 08:42 • Atualizada em 19 de dezembro de 2021 - 11:50

Bolsonaro sobre o número crescente de mortos no Brasil: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Arte Claudio Duarte

No final de abril, na porta do Palácio da Alvorada, ao ser indagado por uma jornalista sobre o número crescente de mortes causadas pela covid-19 no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. De lá para cá, o país ficou sem mais um ministro da saúde, o número de casos passou de 1 milhão, o de mortos saltou de 5 mil para mais de 50 mil e o Messias seguiu sem saber o que fazer. Logo, não é por acaso que o Brasil ocupe a última colocação em um ranking mundial de avaliação das ações dos governos frente à pandemia do coronavírus. A pesquisa leva em conta a opinião da população residente em cada uma das 53 nações avaliadas. Os dados são do Índice de Percepção da Democracia, um levantamento feito pelo Instituto Dalia, da Alemanha, entre abril e junho.

De acordo com a pesquisa, apenas 34% dos brasileiros acreditam que o governo brasileiro está lidando bem com a pandemia. No mundo, em média, a avaliação positiva dos governos gira em torno de 70%. No grupo de países ou governos mais mal avaliados, o Brasil conta com a companhia dos Estados Unidos, de Donald Trump; do Chile, de Sebástian Piñera; e do México, de López Obrador. Entre os que aparecem bem na foto, os destaques ficam com a China, em primeiro lugar; o Vietnam, em segundo, que até o fechamento desta edição não tinha registrado nenhuma morte pela covid-19; a Grécia e a Malásia, todos com aprovações acima ou em torno de 90%.

Outro dado relevante da pesquisa é a indicação de que a maior parte das pessoas em todo o mundo não acredita que a reação dos seus governos à pandemia, incluindo normas rígidas sobre isolamento social, tenha sido exagerada. Nos 53 países pesquisados, cerca de metade da população sente que o governo aplicou a “quantidade certa” de restrições, enquanto 28% acham que seu governo “não fez o suficiente” e apenas 17% acham que o governo errou na dose. No Brasil, mais de 60% da população avalia que o governo de Jair Bolsonaro não fez o suficiente para conter a pandemia de covid-19. Mais uma vez, é a pior avaliação entre os 53 países do ranking. A pesquisa foi feita pela internet com 124 mil pessoas de 53 países. No Brasil, foram realizadas 3.032 entrevistas. A margem de erro é de 3,25%.

O fato é que Jair Bolsonaro, desde o início, minimizou a pandemia e apostou todas as suas fichas contra o coronavírus que, segundo ele, não passava de uma “gripezinha” ou de um “resfriadinho”. O presidente deixou de tomar medidas básicas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e por alguns dos melhores especialistas brasileiros, como criar uma barreira sanitária para impedir a propagação do vírus, unir  governadores e prefeitos em torno de uma causa comum, incentivar o isolamento social, rastrear e monitorar os doentes e investir na realização de testes. Pelo contrário, sempre que teve oportunidade ele criticou o trabalho que vinha sendo feito e desrespeitou a quarentena: “Esse vírus trouxe uma certa histeria. Tem alguns governadores, no meu entender, posso até estar errado, que estão tomando medidas que vão prejudicar e muito a nossa economia”, disse Bolsonaro no dia 17 de março.

Mas, afinal, que respostas poderiam ser dadas para a pergunta que o próprio presidente Bolsonaro fez no final de abril? “Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Ao longo desses 100 dias de pandemia, especialistas, autoridades e familiares de vítimas da covid-19 apresentaram várias sugestões:

“Ele poderia começar respeitando pais, mães, avós, parentes, amigos que perderam as vidas pelo coronavírus, aquele que o presidente classificou com uma gripezinha”, João Doria, governador de São Paulo, em entrevista ao UOL.

“Bolsonaro deveria investir em pesquisa, especialmente na Amazônia. Com o desmatamento descontrolado corremos o risco de gerarmos novas epidemias e pandemias, já que a floresta tem centenas, milhares de tipos de vírus. Imagina se aparecer um vírus desses, com a facilidade da transmissão do coronavírus e a mortalidade de um ebola? Por isso precisamos de muita pesquisa, primeiro para saber o que temos lá, e depois para termos poder de previsão”, Carlos Nobre, cientista e pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, em entrevista ao UOL.

“Não vejo no Bolsonaro a disposição de ser o líder nacional de que o Brasil precisa. Um líder nacional une. Bolsonaro, divide”, Flávio Dino, governador do Maranhão, em entrevista à TV Globo.

“Falta ao Bolsonaro uma noção básica de solidariedade e de empatia para entender o que significa a mensagem “fiquem em casa”. Ela não funciona como uma arma para cada um se proteger, ela é um sinal de compaixão, de proteção de todos, especialmente dos mais vulneráveis e dos desafortunados”

Sérgio Besserman, economista, em entrevista ao #Colabora.

“Ele poderia ter liberado os leitos dos hospitais federais que ficaram ociosos e seriam úteis para os pacientes da covid-19. Ele deveria contratar mais profissionais de saúde para estas unidades, assim como comprar materiais e insumos”, Alexandre Telles, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, em entrevista ao jornal O Dia.

“O presidente tinha que sentir na pele o que eu estou sentindo, o que estamos passando. Ele só vai dar valor quando perder um ente querido. O descaso com nossa saúde foi muito grande”, Carla Medeiros, moradora do Rio de Janeiro que perdeu o marido, de 39 anos, vítima da covid-19, em entrevista ao jornal O Dia.

Em São Paulo, mulher passa em frente a um grafiti representando a batalha contra o coronavírus: "De que lado você está?". Foto Nelson Almeida/AFP
Em São Paulo, mulher passa em frente a um grafiti representando a batalha contra o coronavírus: “De que lado você está?”. Foto Nelson Almeida/AFP

“O governo deveria ter evitado que os brasileiros fizessem filas quilométricas para receber o auxílio emergencial de R$ 600. Na prática, ele encorajou as pessoas a descumprir o isolamento. Para melhorar esse processo, ele deveria usar mais as estruturas dos Centros de Referência de Assistência Social ou pedir o auxílio das ONGs, coisa que o governo abomina”, Marcelo Neri, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em entrevista ao UOL.

“O governo deveria coordenar o processo de aprendizado dos estudantes brasileiros durante a pandemia, no isolamento social, para mitigar os riscos de aumento da desigualdade educacional no país e de piora da crise no ensino público”, Claudia Costin, mestre em Economia Aplicada à Administração, em entrevista à Folha de S. Paulo.

“A primeira coisa que o governo federal deveria ter feito era assumir a pandemia como uma agenda nacional. Não parece que seja uma prioridade que o governo queira resolver. Pedir para as pessoas ficarem em casa não é suficiente. O governo precisa subsidiar, de fato, as famílias mais pobres, principalmente os informais e sem emprego. O valor de R$ 600 é baixo para a subsistência das famílias e muita gente não consegue receber. O governo só promete, mas não oferece exames para detectar a covid-19. É preciso assumir que não tem exames e divulgar o número de casos e óbitos suspeitos”, Eder Gatti, médico infectologista e presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, em entrevista ao UOL.

Essa lista de sugestões é quase infinita. Mesmo depois de três meses, desde o início da pandemia, ainda há muito o que ser feito. Alguns dizem que chegamos ao pico da doença no Brasil ou talvez a um platô que ainda trará muito sofrimento aos brasileiros. De acordo com o demógrafo e professor José Eustáquio Alves, titular deste Diário da Covid-19, o Brasil ainda pode chegar a 4 milhões de infectados e 200 mil mortos, até o final de setembro. Nunca é tarde para agir, basta ter vontade política.

Frase do dia 22 de junho

“De onde menos se espera é que não sai nada mesmo”

Apparício Torelly, o Barão de Itararé (1895-1971)

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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