Diário da Covid-19: Brasil na frente dos EUA nos números diários da pandemia

Segundo o FMI, os dois países devem sofrer também os maiores impactos econômicos, com quedas significativas do PIB

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 25 de junho de 2020 - 09:50 • Atualizada em 27 de junho de 2020 - 09:28

No calçadão de Copacabana, as imagens do início do relaxamento do isolamento social na cidade. Número de casos e mortes segue subindo. Foto Thiago Ribeiro/AGIF

Os Estados Unidos da América (EUA) e o Brasil são os dois países mais impactados pela pandemia do novo coronavírus. O gigante da América do Norte está na frente em números acumulados de casos e mortes, mas o gigante da América do Sul é o atual líder global no número diário de pessoas infectadas e vítimas fatais.

Os EUA possuem 4,3% da população mundial e têm 2,5 milhões de casos e 124 mil mortes (26% do total mundial). Segundo o Ministério da Saúde, no dia 24/06, o Brasil tinha 1.188.631 casos (12,3% do total global) e 53.830 mortes (11% do total mundial). Ou seja, mais de um terço das pessoas infectadas e das pessoas que perderam a vida no mundo estão nos dois maiores países do continente americano. Tanto os EUA, quanto o Brasil acumulam mais vítimas fatais do que os 51 mil óbitos da Ásia – que tem uma população de 4,64 bilhões de habitantes (59,5% da população total).

O gráfico abaixo, do jornal Financial Times, apresenta a média móvel de 7 dias do número diário de casos, mostrando que nas últimas semanas o Brasil ultrapassou os EUA e assumiu a liderança global. Contudo, os EUA que pareciam ter ultrapassado o pico e iniciado a fase de declínio da curva, apresentaram um repique e a curva voltou a subir, embora as variações diárias americanas continuem abaixo das variações brasileiras. No dia 24/06 o Brasil teve 42.725 novos casos e os EUA tiveram 38.386 novos casos.

O gráfico abaixo mostra o número médio diário de casos, por semana epidemiológica (SE), nos EUA e no Brasil.  Na 12ª SE (de 15 a 21 de março), os EUA tiveram 3.062 casos diários, enquanto o Brasil teve apenas 144 casos. Na 15ª SE (05-11/04) os EUA bateram o recorde de 31.707 casos diários, enquanto o Brasil teve apenas 1,5 mil casos diários. Na 22ª SE (24-30/05) houve empate e na 23ª SE o Brasil com 25 mil casos superou os 22,5 mil casos dos EUA. A diferença se ampliou na 24ª SE (07-13/06) quando o Brasil teve 25.381 casos diários na média semanal, enquanto os EUA tiveram 22 mil casos diários. Na 25ª SE (14-20/06) o Brasil bateu o recorde de casos diários, com a média de 31 mil, enquanto os EUA, mesmo abaixo do Brasil, aumentaram para 27 mil.

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Ou seja, até o mês de maio os EUA tinham muito mais casos diários do que o Brasil, mas a partir de junho o Brasil assumiu a liderança dos casos diários, embora os EUA tenham voltado a apresentar números crescentes devido à segunda onda que ocorre no país. Mesmo assim, o Brasil continua no topo do ranking, pois no dia 24/06 registrou 42.725 casos, contra 38.386 dos EUA.

O gráfico abaixo, igualmente do jornal Financial Times, apresenta as variações do número diário de mortes, mostrando que nas últimas semanas o Brasil também ultrapassou os EUA, assumindo a liderança global. No número diário de óbitos, os EUA claramente já ultrapassaram o pico e estão apresentando variações cada vez menores no dia a dia. Ontem, 24/06, o Brasil teve 1.185 mortes em 24 horas, enquanto os EUA tiveram 808 óbitos em 24 horas.

Para se ter um parâmetro de comparação da dimensão do drama brasileiro, as 1.185 vítimas fatais do Brasil, no dia 24/06, foram maiores do que a soma das 522 mortes da Europa, das 225 mortes da África e de 1 morte da Oceania. Portanto, ontem, o Brasil registrou mais vidas perdidas que o somatório de mortes de três continentes.

O gráfico abaixo mostra o número médio diário de mortes, por semana epidemiológica (SE), nos EUA e no Brasil.  A primeira morte no Brasil aconteceu em 17 de março. Na 13ª SE (de 22 a 28 de março), os EUA tiveram 1.919 mortes diárias, enquanto o Brasil teve apenas 13 mortes. Na 17ª SE (19-25/04) os EUA bateram o recorde de 2.177 mortes diárias, enquanto o Brasil teve apenas 175 mortes diárias. Na 22ª SE (24-30/05) houve empate e na 23ª SE o Brasil com 1.014 mortes superou os EUA que tiveram 900 mortes diárias. Na 24ª SE o Brasil apresentou redução do número diário para 970 mortes, contudo a diferença aumentou pois os EUA tiveram uma queda para 776 mortes diárias em média. Na 25ª SE (14-20/06) a diferença voltou a aumentar, pois o Brasil bateu o recorde de 1.037 mortes diárias, enquanto os EUA tiveram 636 mortes.

Ou seja, até o mês de maio os EUA também apresentavam muito mais mortes diárias do que o Brasil, mas a partir de junho o Brasil assumiu a liderança do número de mortes diárias. E a diferença tem sido cada vez maior. Neste ritmo, torna-se cada vez mais provável a possibilidade de o Brasil ultrapassar os EUA em número de mortes até o final do ano de 2020.

A tabela abaixo mostra que o Brasil apresentou, no dia 24/06, um coeficiente de incidência de 5.613 casos por 1 milhão de habitantes, contra 7.440 casos por milhão dos EUA e 1.222 da média mundial. O coeficiente de mortalidade foi de 254 mortes por milhão de habitantes no Brasil, 375 mortes por milhão nos EUA e 62 mortes por milhão na média mundial. A taxa de letalidade no Brasil foi de 4,5%, contra 5% nos EUA e 5,1% na média mundial.

Em parte, esta menor taxa de letalidade do Brasil reflete a menor testagem da população. No Brasil foram realizados 11.814 testes por milhão de habitantes, enquanto nos EUA a taxa foi de 89.292 testes por milhão.

Evidentemente, os EUA apresentam muito mais pessoas infectadas do que no Brasil porque fizeram muito mais testes. O presidente Donald Trump, durante comício eleitoral recente, em Tulsa, Oklahoma, afirmou ter ordenado reduzir os testes de detecção de covid-19 para reduzir o número de casos. A Casa Branca afirmou, posteriormente, que Trump estava brincando. Mas, dias depois, Trump voltou a dizer que desejava sim reduzir o número de testes. Contudo, a sociedade americana e até mesmos os assessores do presidente não aceitam “quebrar o termômetro para acabar com a febre”. A pandemia não é um joguete eleitoral.

Já no Brasil, uma pesquisa feita pela própria prefeitura de São Paulo, mostra que ao invés de 116 mil casos registrados na capital, o número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus pode ser de 1,16 milhão de pessoas, como mostrou um inquérito sorológico realizado pela gestão municipal. Ou seja, o número de casos deve ser dez vezes maior do que o registrado oficialmente. Pesquisa da Universidade de Pelotas também já tinha evidenciado que o número real de casos é muitas vezes o número registrado, pois muitas pessoas com sintomas leves nem vão aos postos de saúde e as pessoas assintomáticas nem sabem que foram infectadas. Portanto, não é insensato supor que o número de casos do Brasil seja maior do que o número de casos dos EUA.

De qualquer forma, apenas os registros oficiais já são suficientes para mostrar a gravidade da situação. Os gráficos abaixo mostram as curvas dos números oficiais acumulados de casos e de mortes para o Brasil, os EUA e o mundo. No Brasil, as curvas possuem uma tendência de alta, indicando que o país ainda não chegou no pico e que as variações diárias, a despeito das oscilações nos fins de semana, ainda estão aumentando.

Nos EUA o número de casos subiu até meados de abril, quando apresentou tendência de queda e a média móvel de 7 dias do número diário de pessoas infectadas diminuiu até o dia 10 de junho, quando iniciou uma nova tendência de alta. Isto quer dizer que os EUA estão passando por uma segunda onda das infecções do Sars-CoV-2 e, parece, não chegaram ao segundo pico. Contudo, a curva do número diário de mortes atingiu o pico em meados de abril e apresenta uma tendência consistente de redução, embora nos últimos 2 dias (23 e 24 de junho) já se possa notar um certo aumento.

No mundo, a curva do número de casos apresenta uma tendência de alta e mostra que o pico da distribuição ainda não está à vista. Contudo, o número de mortes atingiu um pico em meados de abril e apresentou tendência de queda durante todo o mês de março. Porém, houve uma leve tendência de alta no mês de junho e não está claro se haverá aumento ou diminuição do número de mortes nas próximas semanas.

O que todos estes números mostram é que os EUA e o Brasil são os dois países mais impactados pela pandemia e isto não é uma coincidência. Além de serem dois grandes países das Américas, o que as duas nações têm em comum são dois presidentes negacionistas que dificultaram a luta contra o coronavírus.

Os países que conseguiram minimizar os danos da pandemia foram aqueles onde houve uma sinergia entre o Poder Público e a sociedade civil. As diversas esferas do Poder precisam atuar com as instituições da sociedade para fazer uma barreira sanitária para evitar a propagação do vírus e para adotar as medidas de higiene e proteção no sentido de impedir o contágio comunitário. Tanto o presidente Trump, quanto o presidente Bolsonaro atrapalharam o combate ao Sars-CoV-2. Os dois governantes queriam estimular a retomada da economia e só aumentaram a perspectiva de uma grande recessão.

O Fundo Monetário Internacional, divulgou ontem (24/06) suas projeções atualizadas para a economia internacional.  Por exemplo, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) da China e do Vietnã devem crescer em 2020, o PIB mundial deve cair 4,9%, o PIB dos EUA deve cair 8,0% e o PIB do Brasil deve cair impressionantes 9,1% em 2020. Ou seja, os países que perderam o controle da pandemia serão os mais afetados pelo maior tombo da atividade econômica.

Assim, os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, que conseguiram colocar seus países no topo do triste ranking dos países mais afetados pela pandemia, estão conseguindo também colocar suas economias no fundo do poço da maior recessão da história do capitalismo.

 Frase do dia 25 de junho de 2020

“Não deixarei que sujeitos como Trump e Bolsonaro me façam calar. Morrerei lutando”

Jane Goodall (1934-) primatologista e ambientalista britânica

Referências:

Jane Goodall. “Não deixarei que sujeitos como Trump e Bolsonaro me façam calar. Morrerei lutando”, El País, 22/06/2020

https://brasil.elpais.com/smoda/2020-06-22/jane-goodall-nao-deixarei-que-sujeitos-como-trump-e-bolsonaro-me-facam-calar-morrerei-lutando.html

Gita Gopinath. Reopening from the Great Lockdown: Uneven and Uncertain Recovery, IMF, JUNE 24, 2020 https://blogs.imf.org/2020/06/24/reopening-from-the-great-lockdown-uneven-and-uncertain-recovery/

Financial Times. Coronavirus tracked: the latest figures as countries start to reopen | Free to read, 23/06/2020 https://www.ft.com/content/a26fbf7e-48f8-11ea-aeb3-955839e06441

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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