Avanço da pandemia empilha mortes e desespero no Equador

Caixões – alguns de papelão – enfileirados na entrada de cemitério em Guayaquil: autoridades locais acreditam em mais de 5 mil mortos pela doença na cidade (Foto: Jose Sanchez/AFP)

Guayaquil, com cadáveres até nos banheiros dos hospitais, é um prognóstico sombrio de como a covid-19 vai matar nas partes pobres do mundo

Por The Conversation | ODS 3 • Publicada em 2 de maio de 2020 - 08:38 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 16:46

Caixões – alguns de papelão – enfileirados na entrada de cemitério em Guayaquil: autoridades locais acreditam em mais de 5 mil mortos pela doença na cidade (Foto: Jose Sanchez/AFP)

*Dennis Altman e Juan Carlos Valarezo

Cadáveres estão espalhados pelas casas e ruas de Guayaquil, Equador, uma cidade tão atingida pela pandemia de covid-19 que hospitais superlotados estão recusando até pacientes muito doentes e casas funerárias não atendem chamados para enterros. Os dados sobre mortes e infecções são incompletos no Equador, como ocorre em toda a região. No último dia de abril, o Equador, um país de 17 milhões de pessoas, havia relatado quase 25 mil casos – eram 11 mil na semana anterior – o que, per capita, o deixaria atrás apenas do Panamá na América Latina. O número de mortes – 900 em 30 de abril – é o maior per capita das Américas. Mas os números verdadeiros são, provavelmente, muito maiores.

O governo da província de Guayas, onde fica Guayaquil, diz que 6.700 moradores morreram na primeira quinzena de abril, em comparação com 1.000 em um ano normal. Uma análise do New York Times estima que o número real de mortes por coronavírus no Equador possa ser 15 vezes as 503 mortes registradas oficialmente em 15 de abril. Numa pandemia que atingiu amplamente os países ricos primeiro, o Equador foi um dos primeiros países em desenvolvimento a enfrentar um surto tão terrível.

Riqueza não é garantia de segurança em uma epidemia. A Itália e os Estados Unidos estão com o equipamento médico necessário, como ventiladores e máquinas de diálise. Mas especialistas concordam que os países mais pobres provavelmente verão as taxas de mortalidade aumentarem rapidamente.

Nossa própria pesquisa acadêmica sobre política equatoriana e segurança humana em pandemias passadas sugere que o coronavírus pode criar maior turbulência política e econômica em um país que já luta contra a instabilidade.

Filas de carros, com caixões no teto, para entrar em hospital em Guayaquil e recolher corpos de parentes: serviço funerário em colapso (Foto: Jose Sanchez/AFP)
Filas de carros, com caixões no teto, para entrar em hospital em Guayaquil e recolher corpos de parentes: serviço funerário em colapso (Foto: Jose Sanchez/AFP)

O surto de coronavírus em Guayaquil, a maior cidade e locomotiva econômica do Equador, começou em fevereiro, aparentemente com pessoas infectadas na Espanha, que voltaram ao país. Sua rápida escalada levou as autoridades em pânico a impor rapidamente o isolamento social como uma estratégia de contenção. As restrições de circulação do Equador são rígidas e cada vez mais rígidas.

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Os equatorianos não podem deixar suas casas entre 14h e 5h da manhã. Fora do toque de recolher, eles só podem sair para buscar comida, por trabalhos essenciais ou por motivos de saúde, usando máscaras e luvas. O transporte público está suspenso. Em Quito, capital do Equador, as pessoas só podem dirigir um dia por semana, conforme determinado pela placa do veículo.

É a segunda vez em um ano que os moradores de Quito se encontram presos. Em outubro de 2019, foi estabelecido um toque de recolher noturno para conter protestos maciços contra medidas de austeridade impostas em troca de um grande empréstimo do Fundo Monetário Internacional. Os protestos, liderados por grupos indígenas, se dissiparam depois que o presidente Lenín Moreno recuou da austeridade – mas não antes que, pelo menos, oito pessoas fossem mortas.

Epidemia pela América Latina

Embora com o sistema de saúde em colapso, o Equador tem sido mais proativo em responder à epidemia do que muitos países vizinhos. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro minimizou a gravidade do coronavírus, apesar de milhares de novas infecções por covid-19 relatadas todos os dias. Na Venezuela, a luta pelo poder entre o governo de Nicolás Maduro e o governo de oposição de Juan Guaidó impede qualquer resposta pandêmica coordenada.

A maioria dos líderes latino-americanos que tomaram medidas decisivas contra o coronavírus vêem as ordens de ficar em casa como a única maneira de evitar o colapso de seus sistemas de saúde frágeis e subfinanciados. O Panamá está limitando os passeios com base no gênero, permitindo que homens e mulheres saiam de casa três dias cada. Todo mundo fica em casa aos domingos. O presidente de El Salvador enviou soldados para impor um bloqueio total de 48 horas na cidade de La Libertad para proibir que os moradores de saíssem de casa por qualquer motivo – inclusive para obter alimentos ou remédios.

Não está claro como essas restrições podem persistir em uma região com considerável pobreza e desigualdade social. Um grande número de latino-americanos vive diariamente do dinheiro que ganha com o comércio nas ruas e outros trabalhos informais, que agora são amplamente proibidos. A fome ameaça toda a região.

No Equador, onde a renda média anual é de US$ 11 mil, o governo de Moreno está concedendo subsídios emergenciais de US$ 60 a famílias cuja renda mensal é inferior a US$ 400. Abriu abrigos para tirar as pessoas sem-teto das ruas e ocupou hotéis para isolar os infectados. Uma rede ativa de organizações comunitárias também está trabalhando para fornecer comida e artigos básicos aos necessitados, o que inclui a maior parte do quarto de milhão de refugiados venezuelanos que entraram no Equador nos últimos anos.

Caixões à venda nas ruas de Guayaquil: cidade equatoriano é um prognóstico sombrio de como a covid-19 atingirá as regiões mais pobres do mundo (Jose Sanchez/AFP)
Caixões à venda nas ruas de Guayaquil: cidade equatoriano é um prognóstico sombrio de como a covid-19 atingirá as regiões mais pobres do mundo (Jose Sanchez/AFP)

Apesar de sua resposta ativa ao coronavírus, é improvável que o Equador aguente bem se a epidemia continuar se espalhando rapidamente de Guayaquil para o resto do país. Cidade portuária, Guayaquil concentra 2,3 milhões de pessoas – quase 20% da população do país. Os números oficiais do governo federal indicam quase um terço dos 900 mortos no país é da cidade, mas as autoridades locais acreditam que esse número pode chegar a mais de cinco mil. Esta semana, apareceram nas redes sociais fotos de cadáveres empilhados em banheiros.

O Equador tem um quarto do número de ventiladores por pessoa que os Estados Unidos. Os testes para COVID-19 são escassos e foram amplamente terceirizados para empresas privadas, tornando-os proibitivamente caros. A expulsão do presidente Moreno de 400 médicos cubanos do Equador no ano passado – parte de sua mudança enfática para o Equador – deixou grandes buracos em seus hospitais, que já tinham poucos funcionários.

A economia do Equador está em crise após o colapso dos preços do petróleo e do turismo. E enquanto os protestos mortais do ano passado terminaram, a política – e a agitação política – continuam polarizando a nação.

Em 7 de abril, o mais alto tribunal do Equador condenou o popular ex-presidente Rafael Correa a oito anos de prisão por acusações de corrupção. Correa, que agora vive na Bélgica, diz que as acusações são fabricadas para garantir que ele não possa concorrer a um cargo novamente. Sua convicção aumenta as divisões políticas durante uma crise que exige unidade.

A taxa de mortalidade do Equador está começando a diminuir após mais de um mês de bloqueio. Mas o espectro das vítimas do COVID-19, deitadas sem enterro em casa, nos corredores dos hospitais e nas ruas, paira como fantasma na América Latina. Guayaquil é um prognóstico sombrio de como essa pandemia vai matar nas regiões mais pobres do mundo.

*Dennis Altman é professor de Segurança Humana, da Universidade de La Trobe (Melbourne, Austrália); Juan Carlos Valarezo é professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Equador.

Tradução: Oscar Valporto

The Conversation

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