Diário da Covid-19: 22 milhões de brasileiros com algum sintoma da doença

No Rio de Janeiro, um profissional da reciclagem usa uma máscara para se proteger do coronavírus. Foto Mauro Pimentel/AFP

Segundo o IBGE, pandemia deixou quase 11 milhões de pessoas desempregadas no Brasil

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 18 de junho de 2020 - 09:42 • Atualizada em 22 de junho de 2020 - 09:20

No Rio de Janeiro, um profissional da reciclagem usa uma máscara para se proteger do coronavírus. Foto Mauro Pimentel/AFP

O Brasil deve registrar hoje (18/06), ou amanhã, a marca história de 1 milhão de pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Mas este número, por mais expressivo que seja, mostra apenas a ponta do iceberg, uma vez que, para cada pessoa testada e confirmada com a covid-19, há diversos outros brasileiros que apresentaram sintomas, mas não foram testados ou, simplesmente, são assintomáticos.

Desta forma, um milhão de pessoas infectadas é a parte visível e registrada da doença. Mas abaixo da superfície, assim como nos icebergs, estão os maiores volumes. A dúvida que fica é sobre o tamanho da porção encoberta da pandemia. É quase impossível saber o número exato, a não ser que todos os 210 milhões de habitantes do país fossem testados e os testes fossem 100% corretos. Na impossibilidade de saber com exatidão a verdadeira dimensão do problema, existem várias pesquisas localizadas que tentam estimar a prevalência da epidemia. Alguns falam em valores 3 a 7 vezes maiores do que o 1 milhão de infectados, outros falam em 10 vezes e assim as cifras se multiplicam com facilidade. A única certeza é que não temos certeza.

Por outro lado, não existe qualquer dúvida de que a pandemia do novo coronavírus é a maior emergência sanitária que atingiu o Brasil e o mundo em um século. Saber a proporção e a extensão dos casos da covid-19 é essencial para orientar as políticas públicas de saúde. Neste sentido, a pesquisa PNAD COVID19 do IBGE veio trazer alguma luz neste oceano de incertezas. O levantamento é uma versão da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), realizada com apoio do Ministério da Saúde, para identificar os impactos da pandemia no mercado de trabalho e para quantificar as pessoas com sintomas associados à síndrome gripal.

Manifestantes executam um ato artístico em apoio aos profissionais da saúde em frente ao monumento da Catedral Metropolitana de Brasília. Foto Andre Borges/NurPhoto
Manifestantes executam um ato artístico em apoio aos profissionais da saúde em frente ao monumento da Catedral Metropolitana de Brasília. Foto Andre Borges/NurPhoto

A população brasileira em 2020 está em torno de 211 milhões de habitantes. Portanto, o número de casos da covid-19 (1 milhão de infectados) representa apenas 0,5% da população nacional. Mas, segundo o IBGE, 10,5% dos habitantes do país, um contingente de 22,1 milhões de indivíduos, apresentaram pelo menos um dos 12 sintomas associados à síndrome gripal (febre, tosse, dor de garganta, dificuldade para respirar, dor de cabeça, dor no peito, náusea, nariz entupido ou escorrendo, fadiga, dor nos olhos, perda de olfato ou paladar e dor muscular).

Ainda segundo o IBGE, cerca de 16,4% daquelas pessoas que apresentaram sintomas (ou 3,6 milhões de pessoas) procuraram estabelecimento de saúde em busca de atendimento (postos de saúde, equipe de saúde da família, UPA, Pronto Socorro ou Hospital do SUS ou, ainda, ambulatório/consultório, pronto socorro ou hospital privado). Mais de 80% destes atendimentos foram na rede pública de saúde.

Entre as pessoas que apresentaram sintomas, mas não foram a um estabelecimento de saúde, 82,4% tomaram a providência de ficar em casa e 58,6% compraram ou tomaram remédio por conta própria. Apenas 4,8% ligaram para algum profissional de saúde e 13,3% compraram ou tomaram remédio por orientação médica.

Cerca de 1,1 milhão de pessoas procuraram atendimento em hospital, público ou particular, na semana de 24 a 30 de maio. Entre elas, 127 mil (11,7%) foram internadas. O gráfico abaixo apresenta o percentual de pessoas que listaram algum sintoma na semana de referência, no total da população brasileira.

O impacto da pandemia no mercado de trabalho

A pesquisa PNAD COVID19 do IBGE, divulgada em 16/06/2020, estimou a população total brasileira em 210,9 milhões de habitantes, sendo 169,9 milhões a população composta de pessoas de 14 anos ou mais, considerada população em idade de trabalhar (PIA).

O desemprego aberto atingiu 10,9 milhões de pessoas que estavam buscando uma ocupação, mas não encontraram. Outras 17,7 milhões de pessoas não conseguiram procurar emprego na última semana de maio, por causa da pandemia de Covid-19 ou por falta de oportunidade na região em que vivem. Por conseguinte, o país alcançou a marca de 28,6 milhões de pessoas que queriam um emprego, mas enfrentaram dificuldades para se inserir no mercado de trabalho, seja por falta de vagas ou receio de contrair o novo coronavírus.

Entre as 84,4 milhões de pessoas ocupadas, na última semana do mês de maio, 14,6 milhões estavam temporariamente afastadas do trabalho (em quarentena ou férias coletivas) devido ao isolamento social, o que representava 17,2% do total de empregados. Da primeira para a quarta semana de maio, o número de trabalhadores afastados caiu em aproximadamente 2 milhões.

Já entre as 74,6 milhões de pessoas que estavam fora da força de trabalho (que não estavam trabalhando nem procurando trabalho), 23,7% gostariam de trabalhar, mas não buscaram trabalho devido à pandemia ou por falta de oportunidade no local onde vivem.

Ainda entre os ocupados, a PNAD COVID19 mostra que 8,8 milhões trabalharam de forma remota na última semana de maio. Isso representa 13,2% da população ocupada e não afastada do trabalho em virtude da pandemia. Na primeira semana, esse número era de 8,6 milhões de trabalhadores em regime de home office ou teletrabalho.

A pesquisa mostra também que o país somava 29,1 milhões de trabalhadores na informalidade, que são os empregados do setor privado sem carteira; trabalhadores domésticos sem carteira; empregados que não contribuem para o INSS; trabalhadores por conta própria que não contribuem para o INSS; e trabalhadores não remunerados em ajuda a morador do domicílio ou parente.

O quadro abaixo, apresentado pelo IBGE, mostra como se decompõe a população brasileira em idade de trabalhar, indicando quem estava trabalhando, os desocupados, os informais, quem estava fora da força de trabalho etc. É um resumo da composição populacional e laboral do país.

O impacto mortal da pandemia sobre o bônus demográfico brasileiro

Todos estes números trazidos pela pesquisa PNAD COVID19 do IBGE mostram que o Brasil não vive apenas uma emergência sanitária, mas também uma emergência econômica e social. Pela primeira vez na história, a população ocupada (PO) representa menos da metade das pessoas em idade de trabalhar (PIA).  E o mais grave, a população ocupada representa apenas 40% da população total (PT), conforme mostra a tabela abaixo.

Ou seja, 60% da população brasileira, um contingente de 126,5 milhões de pessoas, não está ocupada. Isto é um desperdício colossal do potencial produtivo do país. Para se ter uma comparação internacional, os números da China e do Vietnã indicavam 60% da população total inserida em atividades produtivas (atualmente variam entre 55% e 57%). Portanto, o Brasil poderia ter cerca de 40 milhões a mais de trabalhadores gerando riqueza, ao invés de estarem na “rua da amargura”.

O Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, de 10/12/1948, diz: “Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”. O Artigo 6º da Constituição Federal, de 1988, diz que o trabalho é um direito fundamental de todo cidadão brasileiro.

Mas além de ser um direito, o trabalho também é uma necessidade para o progresso do país. Como dito no consagrado livro “A Riqueza das Nações”, publicado em 1776, por Adam Smith (1723-1790): “O trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente”. Ou seja, a riqueza das nações depende do trabalho produtivo e não existe nação rica e desenvolvida sem que tenha havido o aproveitamento efetivo da sua força de trabalho total.

Do ponto de vista macroeconômico, esta crise do mercado de trabalho vem na pior hora, pois o Brasil apresentou no quinquênio 2015-20 a menor razão de dependência demográfica da sua história do país. Isto é, a maior proporção de pessoas em idade ativa. Maior proporção, não só em relação à história passada, quando havia uma alta presença de crianças e adolescentes, mas também uma maior proporção em relação à história futura, quando haverá cada vez mais idosos como percentagem do conjunto da população.

A crise no mercado de trabalho brasileiro não é de agora, vem desde 2015. Mas, sem dúvida, a crise sanitária agravou a situação. Uma população doente, sem trabalho e com as atividades econômicas paralisadas, mesmo que parcialmente, forma um quadro dramático. Os dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que a pandemia ainda vai longe pois houve 32.188 novos casos e 1.219 novas mortes no dia 17 de junho.

Quanto maiores forem os números da pandemia da covid-19, menores serão os números da criação de postos de trabalho. Sem uma alta inserção laboral nenhuma nação tem futuro. Com menos da metade da população em idade ativa fora do mercado de trabalho é o mesmo que jogar fora o seu melhor momento do bônus demográfico, pois nunca houve uma estrutura etária tão favorável no país.

Mas o desperdício representado pelo alto nível de desemprego e a baixa taxa de ocupação (além da baixa proporção de emprego formal) é o mesmo que fechar uma janela de oportunidade única. Toda experiência internacional mostra que um país só consegue enriquecer (ter alto IDH) antes de envelhecer. Mas o país da jabuticaba está envelhecendo antes de enriquecer. Isto pode inviabilizar o processo de desenvolvimento humano e manter a população brasileira eternamente presa à armadilha da renda média.

 Frase do dia 16 de junho de 2020

“Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições

justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”

Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948)

Referências:

IBGE. 3,6 milhões de pessoas com sintoma associado à síndrome gripal procuraram algum estabelecimento de saúde entre 24 e 30 de maio, RJ, 16/06/2020

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27971-3-6-milhoes-de-pessoas-com-sintoma-associado-a-sindrome-gripal-procuraram-algum-estabelecimento-de-saude-entre-24-e-30-de-maio

IBGE. Pandemia dificulta acesso de 28,6 milhões de pessoas ao mercado de trabalho em maio, RJ, 16/06/2020

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/27972-pandemia-dificulta-acesso-de-28-6-milhoes-de-pessoas-ao-mercado-de-trabalho-em-maio

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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