Mudanças climáticas dobraram chance de chuvas extremas no Sul

Estudo de painel de cientistas também aponta papel do El Niño, da derrubada de vegetação e da desigualdade social no agravamento do desastre climático

Por Observatório do Clima | ODS 13 • Publicada em 4 de junho de 2024 - 09:51 • Atualizada em 16 de outubro de 2024 - 10:50

Mercado Pública de Porto Alegre alagado pela enchente: mudanças climáticas dobraram chances de chuva extrema no Rio Grande do Sul (Foto: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil – 25/05/2024)

(Priscila Pacheco*) – As fortes chuvas que inundaram o Rio Grande do Sul entre o fim de abril e maio se tornaram pelo menos duas vezes mais prováveis por conta das mudanças climáticas, aponta estudo lançado nesta segunda-feira (3) pela Rede Mundial de Atribuição (WWA, na sigla em inglês). O grupo formado por 13 pesquisadores também concluiu que as alterações do clima deixaram as chuvas entre 6% e 9% mais intensas no estado.

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Para avaliar o efeito do desequilíbrio do clima nas chuvas, os pesquisadores analisaram dados meteorológicos e modelos climáticos com foco na região Sul para comparar a influência do clima atual, aproximadamente 1,2 °C mais quente desde o fim do século 19, com o clima passado, seguindo métodos revisados por pares. De acordo com a equipe, sem o aquecimento global catalisado por ações humanas, como a queima de combustíveis fósseis, o evento que deixou o Rio Grande do Sul debaixo da água seria mais raro.

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“Este estudo de atribuição confirma que as atividades humanas contribuíram para eventos extremos mais intensos e frequentes, destacando a vulnerabilidade do país às alterações climáticas. É essencial que os tomadores de decisões e a sociedade reconheçam isso”, afirmou Lincoln Alves, integrante do grupo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O grupo também concluiu que o fenômeno natural El Niño, que deixa o oceano pacífico mais aquecido, contribuiu para a ocorrência de precipitações. “É muito comum que haja enchentes no Sul em anos de El Niño. Os formadores de políticas públicas parecem não terem entendido isso”, disse Regina Rodrigues, co-autora do estudo e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), durante entrevista coletiva.

A pesquisadora ainda lembrou que o estado enfrentou secas extremas entre 2020 e início de 2023 por causa da influência do fenômeno La Niña, o que gera impacto nos períodos de chuvas. “Quando vem a chuva, o solo está seco para absorver a água”, explicou. No ano passado, o Rio Grande do Sul enfrentou inundações no segundo semestre.

Outro fator destacado por Rodrigues foi o desmatamento local. “As mudanças no uso da terra contribuíram diretamente para as inundações generalizadas ao eliminar a proteção natural. Além disso, podem exacerbar as alterações climáticas por aumentar as emissões”, comenta. “Em 1941, foram necessários 22 dias para o nível da água no Guaíba atingir 4,76 metros acima dos níveis normais. Em 2024, foram apenas cinco dias para o Guaíba ultrapassar os 5 metros, bem acima do nível de inundação de 3 metros necessário para inundar a cidade”, destacou a pesquisadora da UFSC.

O artigo destaca que a catástrofe foi reforçada pela desigualdade social, a falta de infraestrutura adaptada para um cenário de crise climática e a existência de sistemas de alertas sem plano de coordenação para orientar a população. É lembrado que o sistema para conter enchentes em Porto Alegre entrou em operação nos anos 1970 e foi feito com base nas enchentes das décadas de 1940 e 1960. “A incapacidade de manter plenamente o sistema existente, juntamente com investimento e planejamento inadequados, deixou Porto Alegre e a Região Metropolitana vulneráveis a futuras inundações”, diz o artigo.

Maja Vahlberg, co-autora do estudo e consultora de risco climático do Centro Climático da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, ressaltou a urgência da implementação de políticas que deixem a população menos vulnerável, que aumentem a proteção contra inundações e a restauração dos ecossistemas naturais para amortecer o impacto das fortes chuvas. “São algumas formas pelas quais os governos podem evitar mortes e limitar os danos causados por estes eventos”, afirmou. A consultora destacou ainda a falta de rigor no cumprimento das leis ambientais. “Embora existam leis de proteção ambiental no Brasil para proteger as bacias hidrográficas e limitar as mudanças no uso do solo, elas não são aplicadas ou executadas de forma consistente”, apontou Vahlberg.

Segundo boletim atualizado pela Defesa Civil do Rio Grande do Sul nesta segunda-feira (3), 172 mortes foram confirmadas, 42 pessoas seguem desaparecidas, mais de 579,4 mil estão desalojadas e 37,1 seguem em abrigos.

*Priscila Pacheco é jornalista, colaboradora do Observatório do Clima e co-fundadora da Mural – Agência de Jornalismo das Periferias

Observatório do Clima

O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.

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