Amazônia entregue aos bandidos

Sem fiscalização e sem repressão, floresta sofre aceleração do desmatamento com grileiros, piratas e traficantes

Por Florência Costa | ODS 13 • Publicada em 4 de setembro de 2019 - 09:47 • Atualizada em 5 de setembro de 2019 - 14:39

Desmatamento ilegal na área de Uruará, no Pará. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace
Desmatamento ilegal na área de Uruará, no Pará. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace
Desmatamento ilegal na área de Uruará, no Pará: desmonte dos órgãos de fiscalização e o desleixo na repressão favorecem ações criminosas. Foto Marizilda Cruppe/Greenpeace

Diante do ataque ao meio ambiente promovido pelo governo de Jair Bolsonaro, o tom pessimista foi a tônica do painel “O que será preciso para o Brasil combater o desmatamento ilegal até 2030?”, na Conferência Ethos 360, realizada no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. O desprezo do governo pelo ambiente mistura-se, na Amazônia, com grileiros, garimpeiros, piratas egressos das FARCs e traficantes para compor um cenário caótico que ameaça a floresta. “O Brasil já provou que é possível reduzir o desmatamento. Mas agora estamos tragicamente andando para trás”, lamentou Alfredo Sirkis, diretor-executivo do Centro Brasil do Clima (CBC), um dos debatedores do painel.

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A aceleração do desmatamento, que vem crescendo desde 2015, é provocada pelo desmonte dos órgãos de fiscalização e o desleixo na repressão.  Sirkis destacou, entretanto, que o desmatamento ilegal não é promovido pelo agronegócio e sim pelo banditismo. “O empresariado moderno do agronegócio não precisa do desmatamento ilegal”, afirmou. Hoje, os responsáveis pelo desmatamento ilegal criam constrangimento aos empresários do agronegócio”, frisou.

[g1_quote author_name=”Vitor Salviati” author_description=”Coordenador de projetos especiais da Fundação Amazonas Sustentável” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

A bagunça fundiária favorece os desmatadores. Não se sabe quem é o dono de cerca de 50 milhões de hectares de áreas, no centro do estado do Amazonas. O desmatamento só não chegou lá por falta de logística, falta de acesso. Mas não dou um a dois anos para o desmatamento chegar lá

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Coordenador de projetos especiais da Fundação Amazonas Sustentável, instituição que incentiva a geração de renda alternativa de comunidades ribeirinhas, Valdir Salviati, outro integrante do painel, alertou para a importância de o governo reforçar a segurança nacional da Região Amazônica. Salviati contou que, de um ano para cá, a fundação passou a contratar seguranças armados para levar as pessoas em balsas pelos rios porque  piratas – na verdade dissidentes das FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colombia) – se infiltraram na floresta e capacitam criminosos para obter o controle da rota de tráfico de drogas. “Esse é um fator crítico de segurança nacional. A proteção de lideranças indígenas está fragilizada”, disse.

 Sirkis e Salviati concordam que é fundamental, além da fiscalização do Ibama, a repressão da Polícia Federal e o apoio do Exército na cobertura das ações contra os desmatadores ilegais.  O diretor do CBC alerta que os grileiros são poderosos. Aqueles que promovem o desmatamento ilegal têm votos nas regiões e até intimidam politicamente o setor que não desmata ilegalmente, explicou. “O grileiro derruba as árvores e coloca alguns bois para reclamar a terra para si. O terreno passa a valer mais, é uma especulação imobiliária informal.”, afirmou Sirkis.

Salviati, da Fundação Amazonas, destacou que a “bagunça fundiária” da região favorece os desmatadores ilegais. “Não se sabe quem é o dono de cerca de 50 milhões de hectares de áreas, no centro do estado do Amazonas. O desmatamento só não chegou lá por falta de logística, falta de acesso. Mas não dou um a dois anos para o desmatamento chegar lá”, lamentou.

Almeida, Sirkis e Salviati no painel sobre desmatamento na Conferência Ethos 360 no Ibirapuera: 60 debates sobre temas sustentáveis (Foto: Divulgação)
Almeida, Sirkis e Salviati no painel sobre desmatamento na Conferência Ethos 360 no Ibirapuera: 60 debates sobre temas sustentáveis (Foto: Divulgação)

Produzir é preciso

Vítor Salviati destacou que o governo precisa incentivar a agricultura familiar e sustentável na Amazônia para combater o desmatamento e lamentou a diminuição de programas de fomento. “No Amazonas hoje, se você vai pedir crédito aos bancos, o gerente alcança a meta se der crédito para quem planta abacaxi, mas apenas se der crédito a quem planta soja ou cria gado. O sistema financeiro precisa motivar a agricultura de baixo carbono”, defendeu  o coordenador de projetos especiais da Fundação Amazonas Sustentável.

[g1_quote author_name=”Claudio Almeida” author_description=”Coordenador do Programa Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Soja e gado são setores que produzem legalmente e que tem que mostrar a origem dos seus produtos aos clientes, já que o mercado hoje exige um comportamento mais ético. Setores importantes da nossa economia precisam dos dados do INPE para mostrar que fazem o dever de casa, que suas produções são sustentáveis

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Alfredo Sirkis ressaltou que um aspecto importante para lutar contra o desmatamento ilegal é o combate à miséria e o desenvolvimento de mecanismos de pagamento por serviços ambientais. “O ribeirinho precisa de meios de subsistência para deixar de ser pago pelo desmatador. Ele não vai desmatar se for rentável a conservação”, explicou o diretor do CBC, que tem trabalhado diretamente com os governos estaduais. “ É preciso capacitar os estados para fazer o que o governo federal não fará. É preciso ajudar os estados a conseguir financiamento internacional sem tem que passar pelo governo federal”, argumentou Sirkis. 

Os próprios empresários do setor agropecuário podem ser aliados da conservação – não é à toa que alguns já protestaram contra a desastrada política ambiental do governo Bolsonaro. Coordenador do Programa Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Claudio Almeida, também participante do painel sobre a região na Conferência Ethos 360, lembra a importância dessas informações para a economia. “Os dados do INPE não são apenas para apontar os culpados pelo desmatamento. São informações importantes para a cadeia produtiva do Brasil”, disse.

Almeida dá como exemplo o caso dos exportadores brasileiros de soja e gado.  “São setores que produzem legalmente e que tem que mostrar a origem dos seus produtos aos clientes, já que o mercado hoje exige um comportamento mais ético. Setores importantes da nossa economia precisam dos dados do INPE para mostrar que fazem o dever de casa, que suas produções são sustentáveis”, afirmou.

O coordenador do INPE ressaltou que grandes empresas estrangeiras compradoras de soja, por exemplo, só adquirem o produto brasileiro que tiver a certificação de que não foi plantada em áreas desmatadas após o ano de 2008.   O mercado de crédito aos que preservam o meio ambiente também é um fator importante, lembrou Claudio Almeida.  Há na região amazônica 36 municípios prioritários que podem sofrer restrição de crédito caso descumpram as regras. 

[g1_quote author_name=”Alfredo Sirkis” author_description=”Diretor do Centro Brasil no Clima” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Bolsonaro acha que ambientalistas são sinônimos de comunistas. O governo tem amor à destruição da natureza, ódio à defesa do meio ambiente. Não se trata de uma postura tradicional da direita, de ter interesses econômicos. A coisa é diferente. Há um componente de hostilidade

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Hostilidade ambiental

Claudio Almeida fez questão defender a seriedade dos dados referentes ao desmatamento ilegal da Amazônia, divulgados pela instituição, que é ligada ao Ministério da Ciência. O INPE foi alvo de ataque de Bolsonaro, que demitiu recentemente seu diretor, o cientista Ricardo Galvão.  “Tecnicamente é quase impossível para o INPE manipular os dados, que são transparentes, estão na internet”, afirmou.

Almeida explicou que o mais antigo projeto do INPE é o Prodes, de monitoramento da floresta amazônica por satélites, feito periodicamente desde 1988. “É o maior programa do mundo de uma área tão extensa como a Amazônia”, disse.  Este monitoramento é feito anualmente e verifica-se o quanto se perdeu de floresta primária. O Prodes   já detectou em 30 anos 780 mil quilômetros quadrados de desmatamento (19,7% de floresta originária). 

A Amazônia Legal tem 5,5 milhões de quilômetros quadrados. Mas há um milhão de território que não é floresta original. O INPE monitora os 4 milhões de quilômetros quadrados de floresta primária.  O sistema Deter, que registrou o aumento do desmatamento em julho, gerando o protesto de Bolsonaro, é um levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia. “Os dados do  Deter permitem aos estados planejar ações de fiscalização contra o desmatamento”, frisou o coordenador do Programa Amazônia.

Para Sirkis, o governo Bolsonaro tem uma visão “idiossincrática” da questão ambiental. “Ele acha que ambientalistas são sinônimos de comunistas. O governo tem amor à destruição da natureza, ódio à defesa do meio ambiente. Não se trata de uma postura tradicional da direita, de ter interesses econômicos. A coisa é diferente. Há um componente de hostilidade”, opinou o diretor do Centro Brasil no Clima. Ele lembrou que, entre 2004 e 2012, houve uma redução de emissões de CO2. Depois houve oscilações e a partir de 2015  o desmatamento voltou a aumentar. “Agora, em 2019, o céu é o limite”, lamentou Sirkis.

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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Um comentário em “Amazônia entregue aos bandidos

  1. Arimateia Abreu disse:

    Ou nós Brasileiros , sairemos dessa Apatia ou era uma Vez um País Chamado Brasil.
    Nós que trabalhamos e produzimos a riqueza deste país ; em Bens Matérias Bens Científicos e Culturais
    entre tantos outros mais ; estamos encurralados em Cativeiros em nosso próprio País e somente para servir o
    Mercado.
    Fico estupefato diante dessa incrível facilidade e conhecimento desse Governo conhecer tantos Criminosos
    para compor e ocupar todos os cargo vitais da Nação vejam : o ministro do meio ambiente , da economia educação o secretários de privatização ,os caras tem um repertório na manga que denuncia claramente a origem
    do meio aonde vivem.
    Por que não Implantar o Projeto Calha Norte com as unidades de Fronteira tecnologia nos temos,! ……….

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