Um futuro elétrico para a Kombi

Kombi multicolorida: símbolo da contracultura hippiem nos anos 1960 e 1970. JOHN MACDOUGALL / AFP PHOTO

Cobiçada por colecionadores e símbolo do movimento hippie, a velha 'corujinha' vai ganhar nova versão

Por Trajano de Moraes | ODS 12 • Publicada em 16 de julho de 2017 - 08:32 • Atualizada em 24 de julho de 2017 - 16:54

Kombi multicolorida: símbolo da contracultura hippiem nos anos 1960 e 1970. JOHN MACDOUGALL / AFP PHOTO
Kombi multicolorida: um dos símbolos da contracultura, nos anos 1960 e 1970. John MacDougall/ AFP Photo

O chefão da Volkswagen mundial, Herbert Diess, anunciou, no Salão de Genebra, que a empresa finalmente decidiu fabricar a sucessora da Kombi, cuja produção foi encerrada na Alemanha em 1978 (como a conhecemos no Brasil) e em 2013, em nosso país.

O nome escolhido, por enquanto, é ID Buzz –  ecoando o VW Bus, como era mais conhecida nos EUA, e imitando o som do motor elétrico. Sim, a “nova Kombi” será elétrica, em nada lembrando o antigo modelo, inseguro, poluente e incapaz se adaptar às modernas exigências de segurança.

Enquanto o futuro não chega, quem segue dando as cartas é a “velha senhora”. Os modelos mais antigos estão na mira de colecionadores do mundo todo. Os preços dispararam

O ID Buzz será construído sobre a plataforma destinada à linha de veículos elétricos da VW, que deverá estar no mercado a partir de 2025. Terá versões autônomas, que prescindem do motorista, e poderá ter um motor elétrico em cada eixo, com nada menos do que 370hp. Os admiradores do modelo devem ter posto as barbas de molho: a VW já fez anúncios semelhantes em várias oportunidades, e nada aconteceu.

Apresentação do ID Buzz, a Kombi em versão elétrica: lançamento previsto para 2025. Foto: Scott Olson/Getty Images/AFP

Enquanto o futuro não chega, quem segue dando as cartas é a “velha senhora”. Os modelos mais antigos estão na mira de colecionadores do mundo todo. Os preços dispararam. Uma olhada em anúncios classificados do Rio em junho encontrava uma “corujinha” (como são conhecidas as mais antigas, com o para-brisas dividido) de 1973, em estado regular, por R$ 14,5 mil. Outra coruja, de 1975, restaurada, estava à venda por R$ 40 mil. E uma 2013 “Last Edition”, produção limitada que marcou o encerramento da fabricação no país após 56 anos, beirava os R$ 90 mil.

Nada, no entanto, que chegasse perto do equivalente a R$ 380 mil pedidos num leilão da Bonhams em junho, na Inglaterra, por uma corujinha alemã impecavelmente restaurada e equipada. Ou aos estonteantes R$ 700 mil pelos quais foi arrematado, em 2014, um modelo 1955, um dos 11 desse ano ainda existentes, construído na fábrica da Porsche, na Áustria.

O Brasil, país que por mais tempo fabricou a Kombi (no México, foi até 1995), tornou-se um verdadeiro paraíso para colecionadores estrangeiros pela grande disponibilidade dos exemplares mais antigos, com motores refrigerados a ar, que deixaram de ser produzidos na Alemanha (lá foi lançado, como modelo 1968, um veículo modernizado, que no Brasil só entrou em produção em 1976, como Kombi Clipper, mesmo assim sem grande parte das inovações da alemã). Em 1979, o utilitário ganharia uma terceira geração na Alemanha, que não chegou ao Brasil.

Não há mais Kombis novas no Brasil porque sua adaptação às exigências antipoluição e de segurança tornaria seu preço inviável. Muitas das antigas continuam rodando, poluindo,  pondo em risco a vida dos passageiros e também transportando carga. Outras entraram na onda dos food trucks

Porém, os colecionadores europeus e americanos estão mais interessados nas corujinhas brasileiras, que ainda podem ser adquiridas por preços relativamente baixos diante do poder da libra, do euro e do dólar. Com isso, importadores estrangeiros criaram operações de compra de modelos brasileiros, como dão conta sites tipo  http://www.kombiforyou.com/ – note-se que todas as kombis mostradas no vídeo de apresentação são brasileiras, com placas daqui, mas já de passaporte pronto para emigrar. E que entre as alternativas apresentadas aos interessados está o porto de Santos e o item “Searching Kombis” (à procura de Kombis).

Então, ficamos assim: não há mais Kombis novas no Brasil porque sua adaptação às exigências antipoluição e de segurança tornaria seu preço inviável. Muitas das antigas continuam rodando, poluindo,  pondo em risco a vida dos passageiros e também transportando carga. Outras entraram na onda dos food trucks.  Uma delas produz poluição zero. Virou um quiosque de venda de coxinhas no Plaza Shopping, em Niterói. Na verdade, aproveitou-se apenas a frente e a traseira de uma Kombi depenada.

Um bom punhado delas deixa de oferecer risco aqui porque são exportadas. No exterior, esses modelos antigos são tolerados como veículos históricos, com licença especial para encontros de colecionadores e exposições. Ainda fala alto o papel da Kombi  como uma das “musas” dos movimentos hippie e da contracultura nos anos 1960/70, principalmente nos EUA. Afinal, era um grande painel ambulante para os símbolos do “flower power”. E o que poderia ser mais contracultura do que um espartano e tosco veículo alemão diante do “american way of life”?

Só o futuro – e o mercado – dirá se o ID Buzz vingará, se vier mesmo a ser fabricado. Ele promete baixíssima poluição e potência impensável para seu ancestral. Enquanto isso, as velhas corujinhas continuarão subindo de preço. Mas ainda restam muitos modelos a custo razoável para quem se dispuser a restaurar um veículo que, para muitos, é um mito. Este ano, os clubes de antigomobilismo estão agitados com os 60 anos do início da produção da Kombi no Brasil (1957).

Trajano de Moraes

Jornalista com longas passagens por Jornal do Brasil, na década de 1970, e O Globo (1987 a 2014), sempre tratando de temas de Política Internacional e/ou Economia. Estava posto em sossego quando foi irresistivelmente atraído pelos encantos do #Colabora. E resolveu sair da toca.

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