A briga diária por um metrô vazio

Passageiros viajam no sentido contrário para garantir um lugar sentado

Por Laura Antunes | Mobilidade UrbanaODS 11ODS 16 • Publicada em 12 de novembro de 2015 - 11:56 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 23:06

Passageiros se aglomeram na porta do metrô na esperança de conseguir um lugar sentado
Passageiros se aglomeram na porta do metrô na esperança de conseguir um lugar sentado
Passageiros se aglomeram na porta do metrô na esperança de conseguir um lugar sentado

O relógio ainda não marcou 6h e uma composição do metrô chega com os vagões cheios à Pavuna, estação terminal da Linha 2. Trata-se de um dia de semana como outro qualquer e a cena se repete. O sistema de alto-falantes avisa que o desembarque é obrigatório. No entanto, as portas se abrem mas ninguém sai. Pelo contrário, a multidão de passageiros, que aguarda na plataforma, entra na mesma composição, que já está com todos os assentos  ocupados. Ela sai em seguida, superlotada, em direção a Botafogo. Parte de quem está na plataforma nem consegue entrar.

As pessoas que não deixaram o trem ao chegar à Pavuna fazem parte de um número crescente de passageiros que descobriu uma estratégia de garantir um lugar (mesmo que em pé) dentro dos vagões, no período de rush, de 5h e 7h: são os usuários que embarcam em outras estações da Linha 2, mas como as composições já passam por esses locais superlotadas, esses passageiros optam  por fazer, diariamente, um trecho do percurso na “contramão”, ou seja, no sentido Pavuna. A razão é simples: nesse sentido, os vagões circulam com bastante espaço livre. Então, é melhor subir três, quatro e até cinco estações até o fim da linha e ter a chance de viajar sentado ou, pelo menos, bem posicionado de pé. Em seguida, eles voltam tudo de novo, agora na direção correta.

A tal estratégia é rotineira para quem embarca, por exemplo, nas estações Engenheiro Rubens Paiva, Acari, Coelho Neto, Colégio, Irajá e Vicente de Carvalho. Quem tenta pegar o trem, em qualquer uma delas, em direção a Botafogo, no horário de pico, simplesmente passa por muito sufoco. O jeito é viajar no sentido oposto, mesmo que isso aumente o tempo da viagem até o trabalho, de 30 a 40 minutos.

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Se eu conseguir um lugar nos trens que vão para Botafogo, vou espremida, sem lugar, muitas vezes, até para botar o pé no chão.

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A empregada doméstica Sônia Maria do Nascimento é uma dessas bravas passageiras que optaram por perder esse precioso tempo diariamente. Ela, que mora em Itaguaí, embarca, sempre por volta das 5h, na estação de Coelho Neto. Sem chance de conseguir lugar nos trens que passam em direção a Botafogo, Sônia segue no sentido Pavuna – três estações acima.

– Se eu conseguir um lugar nos trens que vão para Botafogo, vou espremida, sem lugar, muitas vezes, para botar o pé no chão. Assim, já chego no trabalho esgotada. No verão, então, é insuportável. Por isso, prefiro  gastar 30 minutos a mais indo até a Pavuna, mas é possível achar um assento vago. Quando chego lá, já tem uma multidão para entrar, mas, pelo menos, eu estou bem posicionada. Posso até dormir um pouco – conta ela.

Essa meia hora a mais nesse percurso custa caro para Sônia, que trabalha em Ipanema. Para conseguir chegar 8h no bairro, ela sai de casa por volta das 3h30m. Caminha durante 30 minutos, por ruas desertas e ainda escuro, até o ponto do ônibus. De lá, ela segue para a estação de Coelho Neto. O trajeto tem, no mínimo, uma hora de duração. Aí, então, começa o périplo dentro do metrô.

– Eu aprendi a fazer isso com outros passageiros. Mas se não precisasse subir três e descer três estações todos os dias, eu poderia dormir mais 30 minutos – conta Sônia, que também adota outras estratégias nessa via crucis: nunca viaja de sandálias rasteiras ou bolsas grandes – Na hora do corre-corre, já vi muitas sandálias perdidas na plataforma. Só viajo de calçado fechado!

Como Sônia, a comerciária Carmem Lúcia Silva Lopes também anda de ré diariamente. Ela chega à estação de Irajá, por volta de 5h30m, e se prepara para pegar o trem até a Pavuna, embora seu destino seja o Flamengo.

– Prefiro subir cinco estações e descer tudo de novo porque consigo entrar e pegar um lugar vazio. Perco um tempo, claro. Poderia estar dormindo um pouco mais. Se pegar em Irajá na direçào Botafogo não consigo entrar – explica Carmem, que, também evita sandálias de saltos, as rasteiras e carregar sacolas. Tudo para enfrentar o desconforto da viagem quando não consegue um assento vago.

O marceneiro Francisco Lima, que pega o metrô na Pavuna, reclama que essa estratégia adotada por um número considerável de passageiros. Segundo ele, quando as composiçòes chegam à estação terminal já estão cheios.

– O certo seria todos os passageiros serem obrigados a desembarcar, como é orientado pelos alto-falantes, mas o problema é que ninguém sai dos vagões. Então, quem entra na Pavuna, como eu, já pega o trem cheio. Nunca consigo um assento no horário de rush – reclama ele.

O que acontece já há muito tempo na Linha 2, também começa a ocorrer – numa escala ainda menor – na Linha 1, nos fins de tarde. Muitos dos passageiros que embarcam mas estações da Zona Sul em direção à Uruguai preferem seguir, na contramão, até a estação General Osório. Tudo para conseguir um assento. Quando o trem chega a Ipanema, eles não desembarcam. Simplesmente, continuam nos vagões para, então, começar a viagem de volta para casa. Sentados, claro!

– A partir das 18h, os trens já passam lotados em direção ao Centro. Então, pego a composição até Ipanema e consigo ir sentada. De lá, já desço até a Tijuca – explica Márcia Lima, que embarca na estação Siqueira Campos, acrescentando que viajar em pé é especialmente desconfortável quando os trens passam nas estações do Centro, quando o embarque é intenso.

A concessionária Metrô Rio não informa o número de passageiros que diariamente fazem a viagem na contramão pela Linha 2. De acordo com a empresa, o sistema transporta diariamente 830 mil passageiros nas duas linhas (a concessionária não informa quantos usuários em cada uma) nas 49 composições hoje em operação. Cada uma tem capacidade para 1.800 pessoas.

Ainda de acordo com a concessionária, 15 novas composições estão previstas para entrar em circulação com a inauguração da Linha 4 (que ligará a estação General Osório até o Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, com a abertura de seis novas estações). A data da inauguração ainda não está definida. Haverá, então, um total de 64 trens no sistema.

Dessas 15 novas composições, seis delas já estão circulando em sistema de testes na Linha 1. Paralelamente, trens mais antigos saem de circulação temporariamente para passar por serviços de revitalização e modernizaçào. Até o fim do ano, acrescenta a concessionária, esses novos trens também estarão na Linha 2, aumentando a oferta de lugares aos usuários. Mas apenas com a inauguração da Linha 4 é que os 64 trens circularão na totalidade.

Três vezes por semana, Sonia Maria do Nascimento faz o percurso contrário para tentar um lugar mais confortável na linha 2 do Metrô. Ela sai de casa 3h30 da manhã
Laura Antunes

Depois de duas décadas dedicadas à cobertura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, a jornalista Laura Antunes não esconde sua preferência pelos temas de comportamento e mobilidade urbana. Ela circula pela cidade sempre com o olhar atento em busca de curiosidades, novas tendências e personagens interessantes. Laura é formada pela UFRJ.

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2 comentários “A briga diária por um metrô vazio

  1. Oscar Valporto disse:

    Em Salvador, o Metrô, após mais de 10 anos de obras paradas, avançou nos últimos dois anos e, nesta sexta, 13/11, foi inaugurado a estação Bonocô, a sétima da Linha 1, que ficará completa, com 12km, quando a estação Pirajá for entregue em dezembro. Uma boa notícia para a capital baiana,

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