Lucros lastreados no bem

Moedas americanas. Foto de Christoph Hardt/ Geister-fotopress/ dpa Picture Alliance/ AFP

Evidências de riscos climáticos levam investidores a repensarem as finanças modernas. Seminário na Casa Firjan, no Rio, vai discutir investimentos de impacto

Por Liana Melo | ODS 10ODS 12 • Publicada em 15 de fevereiro de 2020 - 15:01 • Atualizada em 12 de março de 2020 - 17:47

Moedas americanas. Foto de Christoph Hardt/ Geister-fotopress/ dpa Picture Alliance/ AFP

Caiu em desgraça o “capitalismo de acionistas”, que visava a maximização dos lucros a qualquer custo, e o capitalismo de Estado, vigente na China. A cena ocorreu em Davos, quando, no último Fórum Econômico Mundial, o idealizador do encontro falou num novo modelo de capitalismo. Do alto dos Alpes suíços, Klaus Schwab defendeu um sistema econômico mais racional e com menos ganância – o lucro desenfreado levou a desigualdade econômica a sair do controle e, segundo a ONG Oxfam, apenas 2.153 bilionários detêm mais riqueza que 60% da população mundial. Schwab chamou seu modelo de “capitalismo das partes interessadas” e pregou uma combinação de crescimento com proteção ambiental. É fato que o capitalismo nunca esteve num estado tão crítico, mas sua capacidade de reciclagem está levando a elite econômica e financeira mundial a repensar o presente para garantir seus ganhos no futuro.

“Não queremos atingir o momento crítico da irreversibilidade das mudanças climáticas”, escreveu Schwab no Manifesto de Davos 2020, intitulado “Que tipo de capitalismo queremos?” Foi a primeira vez, em 50 anos, que, ao ouvir endinheirados e poderosos do mundo todo, o idealizador do encontro conclui que todos os riscos de longo prazo para os negócios estão associados a questões ambientais, segundo opinião unânime de banqueiros, economistas, executivos e líderes políticos ouvidos na pesquisa de Davos – o levantamento, este ano, ouviu 750 pessoas. “Não queremos que as próximas gerações herdem um mundo que está se tornando cada vez mais hostil e menos habitável”, escreveu o economista alemão. Não procure viés ideológico nas declarações de Schwab — elas são fruto de puro pragmatismo.

Para ele, três razões explicam o fracasso do atual sistema econômico: “Primeiro veio o efeito Greta Thunberg: ela nos recordou que o sistema econômico atual constitui uma traição às gerações futura pelo dano ambiental que provoca. Em segundo lugar, os ‘millenials’ e a ‘geração Z’ já não querem trabalhar, investir ou comprar em empresas que não atuem com base em valores mais amplos. Por último, cada vez mais os executivos e investidores compreendem que o sucesso deles no longo prazo também depende do êxito de seus clientes, empregados e fornecedores”.

Primeiro veio o efeito Greta Thunberg: ela nos recordou que o sistema econômico atual constitui uma traição às gerações futura pelo dano ambiental que provoca. Em segundo lugar, os ‘millenials’ e a ‘geração Z’ já não querem trabalhar, investir ou comprar em empresas que não atuem com base em valores mais amplos. Por último, cada vez mais os executivos e investidores compreendem que o sucesso deles no longo prazo também depende do êxito de seus clientes, empregados e fornecedores

Se, como prega Schwab, o “capitalismo das partes interessadas” sair das páginas do Manifesto de Davos 2020 para a vida real, países como o Brasil estarão lascados — o esgotamento do capital natural pode compromete o fluxo de serviços relacionados ao ecossistema, o que, em última análise, aumenta a vulnerabilidade do país a desastres naturais e intensifica riscos mercadológicos. Mais de um terço dos títulos soberanos do país serão impactados por diretrizes ambientais mais rígidas na década de 2020, como aponto estudo do Instituto Grantham de Pesquisa, da Faculdade de Londres de Ciência Política e Econômica. Divulgado na primeira semana de fevereiro, poucos dias depois do lançamento do Manifesto de Davos 2020, o levantamento é a prova cabal que, apesar do avanço do negacionismo climático em países como os Estados Unidos, Austrália e Brasil, o mundo dos negócios e das finanças precisam se preparar para eventuais desastres e ameaças decorrentes do aquecimento global.

Ainda que o “capitalismo de acionistas” tenha caído em desgraça, tudo que o investidor não quer é perder dinheiro. Com a queda de juros no país, brasileiros ultrarricos e profissionais da área financeira estão empenhados em discutir como fazer e o que fazer para a transição de portfólios de investimento para gerar impacto social e ambiental positivos. Esse vai ser o tema do seminário Converge Capital Conference, que, durante dois dias, vai reunir a elite financeira nacional e internacional na Casa Firjan, no Rio. O encontro começa hoje, dia 13.

As novas gerações de herdeiros estão cada vez mais interessadas em investimentos que gerem não só rendimentos, mas também melhorias na sociedade

Por trás do encontro, está Marina Cançado, herdeira do grupo de farmácias Drogal, do interior de São Paulo: “As novas gerações de herdeiros estão cada vez mais interessadas em investimentos que gerem não só rendimentos, mas também melhorias na sociedade”. Aos 31 anos, Marina está à frente da Agenda Brasil do Futuro, grupo que reúne jovens de famílias empresárias para financiar projetos considerados estratégicos para o futuro do país.

As evidências sobre o risco climático estão forçando os investidores a reavaliar os pressupostos básicos sobre as finanças modernas

“As evidências sobre o risco climático estão forçando os investidores a reavaliar os pressupostos básicos sobre as finanças modernas”. A frase não é de nenhum cientista, ambientalista, ongueiro, esquerdista, comunista… Nada disso. A frase é de Larry Fink, presidente do conselho da BlackRock – uma das maiores gestoras de recursos do mundo, com uma carteira de ativos de US$ 6,76 trilhões. Já virou tradição Fink encaminhar às lideranças empresariais globais, no começo do ano, uma carta. Este ano, sua missiva começou com a seguinte afirmação: “o mundo está à beira de uma mudança estrutural nas finanças”.

Ainda que a tendência não tenha chegado ao Brasil com força total, a ficha começa a cair. Se, no passado recente, ainda existia algum dúvida se a mudança climática era coisa de “bicho grilo” ou “abraçador de árvores”; no futuro, diz Florian Batunek, considerado um dos gestores de fundos mais renomados do país, vai ser estranho os investimentos que não sejam avaliados sob a luz das questões ambientais, sociais e de governança (ASG). À frente da Constellation, uma gestora de fundos de ações com patrimônio de R$ 10 bilhões, Batunek gere recursos, entre outros, de Jorge Paulo Lemann, que já foi considerado o brasileiro mais rico do mundo — no último ranking da revista Forbes, ele perdeu o título para Joseph Safra.

Ainda que no Brasil o investimento de impacto — ativos focados na ótica da responsabilidade e não apenas guiados pela lógica financeira — seja confundido com filantropia, uma pesquisa interna da Constellation constatou que, em uma década, de 2009 a 2019, os papéis lastreados em empresas ASG renderam aos investidores 13% mais do que os investimentos em empresas que não estão ainda alinhadas com os novos parâmetros do mercado.

Entre os signatários dos Princípios para Investimento Responsável (PRI) — uma iniciativa de investidores em parceria com a Iniciativa Financeira do Programa da ONU para o Meio-Ambiente (UNEP FI) e o Pacto Global da ONU — está a Península, que administra patrimônio de R$ 11 bilhões da família Diniz. “Investimento de impacto busca retorno como os demais, mas ainda é muito difícil virar o portfólio inteiro para impacto”, comenta Laura Jaguaribe, da Península, analisando os motivos que levam os investidores a olhar com os investimentos de impacto com outros olhos: “Alguns se mexem pelas exigências do mercado, outros se mexem porque acreditam que este caminho vai ser mais resilientes”.

 

 

 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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