Entrega da faixa por representantes da sociedade foi inspirada em posse de Flávio Dino há quatro anos

Um dos muitos momentos de emoção do Presidente Lula durante a cerimônia de entrega da faixa por representantes da sociedade. Foto Evaristo Sa/AFP

General Hamilton Mourão chegou a pedir para participar da cerimônia, mas equipe de transição vetou a aceitação tardia do ex-vice-presidente

Por Lauro Neto | ODS 10 • Publicada em 2 de janeiro de 2023 - 17:08 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:53

Um dos muitos momentos de emoção do Presidente Lula durante a cerimônia de entrega da faixa por representantes da sociedade. Foto Evaristo Sa/AFP

No fim das contas, tudo deu certo na posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Para frustração dos bolsonaristas no já desmobilizado acampamento em frente ao QG do Exército, em Brasília, a democracia prevaleceu, e Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto. O #Colabora acompanhou e registrou alguns dos bastidores da cerimônia de posse e da festa do povo no Festival do Futuro.

No apagar das luzes, o general Hamilton Mourão, presidente em exercício após a fuga de Bolsonaro para os Estados Unidos, aquiesceu passar a faixa a Lula, mas já era tarde demais. Nos bastidores, a equipe de transição vetou a aceitação tardia. Há mais de 10 dias, já estava definida a passagem de faixa de mãos em mãos por 8 representantes da diversidade da sociedade brasileira. As informações foram apuradas pelo #Colabora junto a fontes próximas do governo eleito.

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Atribuída a Janja, a ideia foi inspirada na posse do segundo mandato de Flávio Dino – agora ministro da Justiça -, quando ele foi reeleito governador do Maranhão, em 2018. Na ocasião, como era reconduzido ao cargo e não caberia passar a faixa para si mesmo, foram escolhidos cidadãos maranhenses para participar da cerimônia, similar à dinâmica vista na posse de Lula. Há 4 anos, também coube a uma mulher negra colocar a faixa no mandatário (veja no vídeo).

Apesar do sucesso da ideia, Marina Silva foi a única ministra que se levantou para ir cumprimentar os oito cidadãos brasileiros que passaram a faixa a Lula.

O casal de mineiros Raquel Alvarenga e Diogo Lisboa chegou às 7h na Praça dos Três Poderes e conseguiu um lugar a 15 metros da subida da rampa. Eles viajaram de ônibus de Belo Horizonte para Brasília na sexta-feira (30) para ver a cerimônia de posse, enfrentando uma maratona de 12 horas na estrada. No dia 1°, acordaram às 6h, após dormir apenas 3 horas, pois passaram o réveillon no show do Fundo de Quintal na Praça dos Orixás.

Vestidos de vermelho, foram abordados por um homem de terno enquanto tomavam café da manhã numa padaria. Ressabiados de que se tratasse de um bolsonarista, acabaram surpreendidos positivamente, pois se tratava de um advogado do MDB que lhes ofereceu carona até a Esplanada.

Emoção e alegria no público

Para eles, os momentos mais emocionantes foram quando Lula embargou a voz no discurso no parlatório ao falar da fome, da fila do osso em contraposição à fila de ricos por carros importados e das pessoas nos sinais com cartazes pedindo ajuda.

“Quando ele embargou a voz e fez silêncio, todo mundo ficou gritando “Boa tarde, presidente Lula!”. Você olhava para o lado, e era um chororô só. Fora isso, foi um clima mega amistoso, todo mundo sorrindo um para o outro e puxando assunto”, conta a atriz Raquel Alvarenga.

Outros momentos marcantes ficaram por conta da trilha sonora do Festival do Futuro, idealizado por Janja: Lula chegou ao Palácio do Planalto, numa sequência musical com “Tô voltando”, na voz de Simone;  “Amanhã” (Gulherme Arantes); e “Anunciação”, com os versos “Que tu virias numa manhã de domingo / eu não duvido, eu já escuto os teus sinais / Tu vens, tu vens / Eu já escuto os teus sinais”.

Resgate da bandeira e do hino

Mas o ápice da emoção aconteceu nas duas execuções do hino, a primeira durante a posse no Congresso e, a outra, quando Lula foi subir a rampa. Nesta segunda, foi estendida uma grande bandeira do Brasil, sob a qual o casal de mineiros cantou o hino, emocionado.

Os versos entoados de forma mais forte foram “Verás que um filho teu não foge à luta”. Eram ouvidos gritos de “a bandeira é nossa” e de “o hino é nosso”. Havia o consenso de que os dois símbolos nacionais haviam sido “sequestrados” por “patriotas”, cujo líder fugiu à luta, enquanto Lula enfrentou uma superação maior na prisão e nas eleições.

“Me lembrei daquela cena final do filme ‘Marighella’, em que, após os créditos, os atores estão bem consternados ao cantar o hino”, recorda o fotógrafo Diogo Lisboa, que descreve o sentimento de alegria geral. “Foi um carnaval desde que a gente chegou. Eram pessoas que tinham saído de tudo que é canto”.

Manifestantes furam cano para ter água potável 

Mas, como todo carnaval tem seu fim e seus perrengues, os serviços de alimentação e bebidas não deram conta da multidão. Apesar das longas filas para comprar comida, tudo transcorreu em clima amistoso, sem confusão. No entanto, os postos de distribuição de água gratuita não deram vazão.

Lisboa conta que, na primeira vez em que foi abastecer cinco garrafinhas de água do grupo de seus amigos e familiares mineiros, enfrentou uma hora e meia de fila sob um sol de mais de 30 graus. Sua namorada revela que, no fim, prevaleceu o “jeitinho brasileiro”.

“Vi que tinham furado o cano de abastecimento, e várias pessoas pegaram a água jorrando dos buraquinhos”, diverte-se Raquel.

O casal de mineiros Raquel Alvarenga e Diogo Lisboa celebra com os amigos a posse do novo presidente. Foto Lauro Neto
O casal de mineiros Raquel Alvarenga e Diogo Lisboa celebra com os amigos a posse do novo presidente. Foto Lauro Neto

Recepção no Itamaraty farta e diversa

Apesar das dificuldades de hidratação do lado de fora, desta vez, a imprensa não sofreu com a falta de água que afetou os jornalistas durante a posse de Jair Bolsonaro, há quatro anos. Aos repórteres credenciados para a cobertura no Itamaraty, foram servidas cinco refeições ao longo do dia, entre café da manhã, almoço, jantar e lanches. Havia massa, quiches e opções vegetarianas, como tabule, além de sanduíches e salgadinhos, como quibe e pão de queijo. Para beber, refrigerantes, sucos, café e água à vontade.

Naturalmente, não houve o mesmo requinte do cardápio da recepção do Itamaraty aos 18 chefes de Estado. As presenças especiais no menu incluíam o bolinho de feijoada de Kátia Barbosa; casquinha de castanha com farofa de licuri, de Nara Amaral; e gin tônica com flor de clitória, de Bela Gil.

A filha de Gilberto Gil, aliás, foi uma das celebridades a participar da recepção, ao lado do marido, João Paulo Demasi, e da filha, Flor. Fátima Bernardes chegou ao lado do namorado Tulio Gadelha.

Entre os convidados anônimos, reinou a diversidade, com a presença de casais homossexuais e drag queens.

Lula chegou acompanhado por Janja depois das 20h, com mais de uma hora e meia de atraso, pois a primeira-dama trocou o vestido e sua equipe de maquiadores precisou ser toda revistada por protocolo de seguranças. Assediado pela imprensa, parou apenas para fotos na entrada do Itamaraty, mas não respondeu perguntas. Foi ovacionado com gritos de “Lula guerreiro do povo brasileiro” pelos convidados da recepção.

O vice-presidente Geraldo Alckmin chegara um pouco antes, com sua esposa, Lu Alckmin, mas não posou nem para os fotógrafos. Demais autoridades, como Ricardo Lewandowsky, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), subiram por uma escada interna, à qual os jornalistas não tinham acesso.

Dilma vai embora cedo: “Estou cansada dessas solenidades”

A ex-presidente Dilma Rousseff optou pelo mesmo caminho. Emocionada na sua volta ao Palácio do Planalto, depois que Lula se referiu ao impeachment como golpe em seu discurso no Congresso, Dilma ficou pouco tempo na recepção no Itamaraty.

“Estou cansada dessas solenidades”, brincou a ex-presidente, segundo relatos de convidados.

O novo chanceler Mauro Vieira também foi ovacionado por diplomatas, em sua maioria jovens, na saída da recepção, aos gritos de “Olê, olê, olê, olê! Mauro! Mauro!”. A recepção acalorada ao ministro das Relações Exteriores contradisse a tese de que seu nome encontrara resistência no Itamaraty por ter um perfil mais conservador.

A julgar pela quebra protocolar dos quadros oriundos do Instituto Rio Branco, orientados sempre a manter tons sóbrios e contidos, a alegria dos diplomatas transparecia o alívio com o encerramento de um ciclo de chanceleres influenciados pela ideologia bolsonarista.

Lauro Neto

Carioca, mas cidadão do mundo. De carona na boleia de um caminhão ou na classe executiva de um voo rumo ao Qatar, sempre de malas prontas. Na cobertura de um tiroteio na cracolândia do Jacarezinho ou entrevistando Scarlett Johansson num hotel 5 estrelas em Los Angeles, a mesma dedicação. Curioso por natureza, sempre atrás de uma boa história para contar. Jornalista formado na UFRJ e no Colégio Santo Inácio. Em 11 anos de jornal O Globo, colaborou com quase todas as editorias. Destaque para a área de educação, em que ganhou o Prêmio Estácio em 2013 e 2015. Foi colunista do Panorama Esportivo e cobriu a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

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