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Coluna | Que representatividade queremos?

Ser ou pertencer a determinado grupo é suficiente para afirmar que aquela pessoa pode falar por todas as pessoas e a diversidade inserida no grupo do qual ela faz parte?

ODS 10 • Publicada em 25 de agosto de 2022 - 09:03 • Atualizada em 25 de agosto de 2022 - 09:52

Todas as pessoas têm suas vivências, experiências pessoais e muitas experiências coletivas, pois, mesmo sem intenção deliberada, ninguém está sozinho. Podemos ainda afirmar que qualquer pessoa é uma possibilidade de representação. Mas, afinal, o que seria essa tal de representação muitas vezes confundida com representatividade?

Ser algo/alguém lhe inclui, e você então passa a fazer parte de um grupo sendo pertencente a ele, isso lhe constitui, mas esta determinação te habilita a representar este grupo e enfrentar a estrutura excludente e violenta em que estamos inseridas ao falar em nome dele?

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Podemos sugerir que a representatividade pretende garantir a participação de indivíduos, sob um olhar interseccional (ou não), para representar politicamente os interesses de determinado grupo, classe social ou de um povo do qual faz parte. Acredito que a representatividade é sobre o quanto as pessoas se veem e os seus interesses representados por quem desponta em espaços que antes nos eram negados.

E é importante afirmar que estou falando sobre a necessidade de um olhar atento sobre como determinados marcadores sociais da diferença – como cor de pele, deficiência física, local de moradia, ser mulher, da periferia, etc… – vão afastar muitas dessas pessoas do acesso a direitos sociais, civis e econômicos, ou ainda impedir a garantia de uma vida plena, segura, saudável e feliz. O que muitos chamam de “identitarismo”, às vezes de forma depreciativa, é uma tentativa de esvaziar o debate sobre a existência de pessoas e corpos que durante muito tempo foram invisibilizadas, e onde muitas seguem assim.

E é nesse sentido que a representatividade é necessária e importante, mas também pode ser bem problemática em casos onde não se entende o que pretendemos ao eleger a representação como único marcador para garantir a participação de determinados indivíduos nos espaços de disputa e construção coletiva, seja na arte, na educação, na política ou em qualquer espaço formal, não formal ou informal.

Tenho refletido e tentado discutir com outras pessoas a partir destes aspectos sobre quais representações nos representam de fato, especialmente quando pensamos enquanto seres políticos que somos e permeados por padrões previamente desenhados para nós. A representatividade deve antes ser vista além do que a pessoa é ou o espaço que ocupa, reflete e questiona sua presença aliada à sua trajetória de vida e de luta, para ser capaz de refletir em demandas coletivas naquilo que ela representa (ou deveria representar). Leva-se em conta o lugar de pertencimento e relacionamento com um determinado grupo/coletivo, sua estada e capacidade de sempre atrelar consciência de classe, conseguinte senso de coletividade.

Congresso iluminado no Dia do Orgulho: reflexões sobre representação e representatividade em momento eleitoral (Foto: Pablo Valadares)
Congresso iluminado no Dia do Orgulho: reflexões sobre representação e representatividade em momento eleitoral (Foto: Pablo Valadares)

A representação tem compromisso com uma visibilidade positiva para nossa população, mas estariam todes sujeites amparados em sua consciência para exercê-la? Faria aquele sujeito carregado de privilégios, parte daquele grupo que diz pertencer? Tem consciência política e exerce a partir de seu lugar de fala? Tem consciência de classe, raça, credo (ou não), “capacidade”, gênero e tantos outros privilégios?

Entende e se posiciona contra os processos de exclusão, violência, negação de espaços e precarização da vida do grupo que pertence? Compreende a reflexão representação versus representatividade? Entende que o lugar que ocupa foi alcançado pela luta de pessoas que já vinham nessa construção, que não foi dado de graça e/ou pelo que ela é, mas pelo que representa (pode vir representar)?

Em tempos de fakenews e polarização das pautas políticas – polarização essa que desinforma e despolitiza -, tenho tentando de forma muito cuidadosa observar alguns destes aspectos como norteadores para me identificar, ou não, com pessoas que são colocadas neste lugar de representatividade. E, assim, tentar pensar que se a pessoa não tiver alguns destes (e outros) elementos em sua vivência/trajetória, em sua atuação política, ou mesmo no ativismo e nas relações sociais, ela não deveria ser lida como alguém com representatividade suficiente para representar determinado segmento da população. E não deveríamos alavancar estas pessoas.

Estamos falando de uma disputa da narrativas capazes de promover um rompimento real com a exclusão e os processos de vulnerabilização das vidas de pessoas que compõem grupos historicamente minorizados como pessoas indígenas, pessoas negras, mulheres e LGBTQIA+. Caso contrário, é uma representatividade vazia e que favorece apenas o indivíduo. E são estas mesmas pessoas, com este comportamento mesquinho e egocêntrico, que estão falando por nós — reproduzindo a lógica centrada em interesses de grupos hegemônicos, produtores, reprodutores e mantenedores de privilégios de quem já ocupa o topo da pirâmide social.

Estamos falando aqui em processos, que exigem de seus participantes amadurecimento suficiente para debater, avaliar e, quando for o caso, promover as mudanças que se façam necessárias. Como já foi escrito em outros lugares, a democracia é uma eterna construção, e seu aperfeiçoamento exige disposição contínua para reavaliações.

Qual representatividade você quer? Ou melhor, qual representação nesse caminho, agrega à questão da representatividade que tanto buscamos?

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Um comentário em “Coluna | Que representatividade queremos?

  1. Observador disse:

    Eu diria que há um certo “equivoco” entre representatividade social e pessoal, como se a pauta sexualidade, raça, gênero, estivesse dissociada da competência profissional: Angela Merkel, Joaquim Barbosa e Pelé, Elton John e Renato Russo, exemplos de ícones que galgaram o respeito e a fama, antes do advento das cotas! Finalizo com o detalhe, do Século XX, que foi ficando “esquecido”: mulheres e homossexuais possuem maior grau de escolaridade. Como costuma dizer o Antropólogo Marins: “Pense nisso, Sucesso”!

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