IDH do Brasil fica abaixo do registrado antes da pandemia

Meninas paquistanesas fazem fila para receber alimentos doados no pátio do santuário do Sufi Saint Bari Imam, em Islamabade. O país segue com um dos piores IDHs do mundo. Foto Behrouz Mehri/AFP

Índice que mede o bem-estar das sociedades segue estagnado no mundo todo e faz com que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável sejam um sonho cada vez mais distante

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 17 • Publicada em 18 de março de 2024 - 08:35 • Atualizada em 21 de março de 2024 - 09:14

Meninas paquistanesas fazem fila para receber alimentos doados no pátio do santuário do Sufi Saint Bari Imam, em Islamabade. O país segue com um dos piores IDHs do mundo. Foto Behrouz Mehri/AFP

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma unidade de medida utilizada para estimar o grau de desenvolvimento humano de uma determinada sociedade, com base na avaliação de três áreas fundamentais: saúde, educação e renda. Portanto, é um indicador sintético que vai além da questão econômica, incluindo variáveis sociais que possibilitam uma comparação mais ampla da qualidade de vida de praticamente todas as nações do mundo. O IDH é um indicador numérico que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de zero, menor é o nível de bem-estar e quanto mais próximo de 1, maior é o nível de bem-estar e progresso nacional. O ranking global de 2022 apresenta o nível do IDH por ordem decrescente de 193 países do mundo.

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Após a queda do Muro de Berlim e com a distensão política ocorrida com o fim da Guerra Fria, o mundo viveu cerca de duas décadas de esperança no progresso social, havendo um avanço bastante positivo no Índice de Desenvolvimento Humano. Conforme mostra o gráfico abaixo, entre 1990 e 2015, o IDH do mundo passou de 0,601 para 0,724, um crescimento de 0,7% ao ano. O IDH do Brasil passou de 0,620 em 1990 para 0,752 em 2015, um crescimento de 0,8% ao ano.

Porém, o ritmo de avanço do IDH diminuiu entre 2015 e 2019 e estagnou entre 2019 e 2022, conforme mostram os dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD ou UNDP na sigla em inglês), divulgados em 13 de março de 2024. O IDH mundial chegou a 0,739 em 2019, caiu durante a pandemia da covid-19 e manteve o nível em 2022. No Brasil, o IDH estava em 0,764 em 2019, também caiu durante a pandemia, recuperou parcialmente para 0,760 em 2022, mas ainda está abaixo do nível pré-pandêmico.

 

Os 10 países com maior IDH em 2022, em ordem decrescente, são: Suíça (0,967), Noruega (0,966), Islândia (0,959), Hong Kong (0,956), Dinamarca (0,952), Suécia (0,952), Alemanha (0,950), Irlanda (0,950), Singapura (0,949) e Austrália (0,946). Os Estados Unidos – a maior economia do mundo quando medida em dólares correntes – tinham um IDH de 0,933 em 2019 e de 0,927 em 2022, portanto ainda não recuperam as perdas ocorridas durante a pandemia da covid-19 e aparecem em 20º lugar no ranking global.

Nas diversas regiões do mundo há grandes desigualdades no nível e no ritmo de avanço do IDH. O gráfico abaixo mostra que a Europa e a Ásia Central tinham um IDH de 0,663 em 1990, passaram para 0,802 em 2019 e mantiveram o nível em 2022, com um crescimento de 0,6% ao ano, nos 32 anos da série. A América Latina e Caribe (ALC) também apresentaram crescimento de 0,6% ao ano, mas tinham um IDH de 0,663 em 1990, passaram para 0,768 em 2019 e para 0,763 em 2022, não tendo recuperado o nível pré-pandêmico.

O maior avanço aconteceu no Leste asiático e Pacífico (que inclui a China). A região tinha um IDH de 0,507 em 1990, passou para 0,757 em 2019 e aumentou ainda mais para 0,766 em 2022, apresentando um crescimento de 1,3% ao ano entre 1990 e 2022. Estas 3 regiões possuem, atualmente, um nível de IDH acima da média mundial.

A região que inclui os Estados Árabes tinha um IDH de 0,550 em 1990, passou para 0,709 em 2019 e para 0,704 em 2022, um crescimento de 0,8% ao ano entre 1990 e 2022 e ainda não recuperou o nível pré-pandêmico. O Sul asiático (que inclui a Índia) tinha um IDH de 0,444 em 1990, passou para 0,635 em 2019 e subiu ligeiramente para 0,641 em 2022, apresentando a segunda maior taxa de crescimento anual com 1,2% ao ano nos 32 anos da série. Por fim, a África Subsaariana tinha um IDH de 0,404 em 1990, passou para 0,739 em 2019 e manteve o índice em 2022. A África Subsaariana tem o menor IDH entre todas as regiões do mundo, mas vinha apresentando um crescimento de 1% ao ano, ritmo superior à média mundial e só perdendo para o continente asiático.

Considerando os países da América Latina e Caribe (ALC), o gráfico abaixo mostra o IDH para os anos de 1990, 2019 e 2022 dos países da região com mais de 1 milhão de habitantes. Nota-se que que há 6 países latino-americanos na categoria de IDH muito alto (acima de 0,800), em 2022: Chile com IDH de 0,860, ocupando a 44ª posição no ranking global, Argentina IDH 0,849 e 48ª posição, Uruguai IDH 0,830 e 52ª posição, Panama IDH 0,820 e 57ª posição, Trinidad & Tobago IDH 0,814 e 60ª posição e Costa Rica IDH 0,806 e 64ª posição.

Na categoria de IDH alto (entre 0,700 e 0,799) estão México, República Dominicana, Equador, Cuba, Peru, Brasil, Colômbia, Paraguai e Jamaica. Na categoria de IDH médio (entre 0,550 e 0,699) estão Venezuela, Bolívia, El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Honduras e em último lugar na região, o Haiti, com IDH de somente 0,552, ocupando a 158ª posição no ranking global.

O gráfico também mostra que a maioria dos países da região ainda não recuperou, em 2022, o nível do IDH de 2019, sendo que a grande exceção é o Uruguai que tinha um IDH de 0,818 em 2019 e passou para 0,830 em 2022. Por outro lado, a Venezuela foi o país que apresentou a maior queda no IDH entre 2019 e 2022.

A região que reúne América Latina e Caribe tem um IDH acima da média mundial, porém apresenta um ritmo de avanço mais lento. Como mostrei no artigo “A economia da América Latina perde espaço global e tem riscos crescentes” (Alves, 22/01/2024), publicado aqui no # Colabora, a dinâmica econômica da ALC tem perdido velocidade, reduzido sua participação relativa na economia internacional e, ao longo da última década, tem enfrentado uma estagnação da renda per capita. Desta forma, não é nenhuma surpresa que o continente latino-americano tenha sofrido uma estagnação também no Índice de Desenvolvimento Humano. Isto é uma péssima notícia para o alcance das metas do Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na região e para a efetividade da Agenda 2030 da ONU.

O relatório “Breaking the gridlock: Reimagining cooperation in a polarized world” (UNDP, 14/03/2024) constata que o mundo  enfrenta um impasse global, exacerbado por uma polarização crescente dentro das nações, pela disputa comercial e um aumento dos conflitos armados entre os países, o que se traduz em barreiras à cooperação internacional.

O exemplo mais revelador da dramaticidade da guerra pode ser indicado pela deterioração das condições de vida da Ucrânia, depois da invasão russa em fevereiro de 2022. No ranking global da UNDP de 2021, a Ucrânia estava em 77ª posição, com IDH de 0,773, mas caiu para o 100ª posição no ranking de 2022, com IDH de 0,734. A Ucrânia estava à frente do Brasil em 2021 e ficou em posição inferior no ranking de 2022.

Para agravar a situação, a crise climática e ambiental tem aumentado os desastres e os eventos extremos, com consequências sociais calamitosas. O ano de 2023 registrou a maior concentração de CO2 na atmosfera, com 422 partes por milhão (ppm), um aumento anual de 3,36 ppm em relação ao ano anterior, recordes só atingidos há 14 milhões de anos atrás. Em consequência, o ano de 2023 também bateu o recorde de temperatura com cerca de 1,5ºC acima da média do período pré-industrial. E os dados de janeiro e fevereiro sugerem novos recordes em 2024, com aceleração das emissões de gases de efeito estufa e aceleração do aquecimento global. A emergência climática é uma ameaça não só à saúde global, mas também tende a agravar a pobreza e a fome.

Os impactos sobre o maior país da América Latina já são expressos nos números desfavoráveis do IDH nacional. O Brasil é o 5º país do mundo em termos geográficos, o 7º país do mundo em termos demográficos, o 8º país do mundo em termos do tamanho do Produto Interno Bruto em poder de paridade de compra (PIB), mas está em 89º lugar no ranking global do Índice de Desenvolvimento Humano. O Brasil perdeu posições para São Vicente e Granadinas, Equador e Maldivas, mas com a queda do IDH da Ucrânia, no saldo, o país perdeu duas posições no ranking global entre 2021 e 2022, estando empatado com Azerbaijão na 89ª posição.

Os desafios para retomar o progresso do desenvolvimento humano são gigantescos. Sem avanços significativos na expectativa de vida, na educação e na renda, os diversos países do mundo não conseguirão atingir as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, até 2030. A utopia de um mundo com bem-estar humano para todas as pessoas pode esbarrar na distopia de um colapso climático e ambiental provocado pelo crescimento desmesurado das atividades antrópicas.

Referências:

ALVES, JED. A economia da América Latina perde espaço global e tem riscos crescentes, # Colabora, 22/01/2024 https://projetocolabora.com.br/ods8/economia-da-america-latina-perde-espaco-global-e-tem-riscos-crescentes/

The 2023/24 Human Development Report. Breaking the gridlock: Reimagining cooperation in a polarized world, UNDP, MARCH 14, 2024

https://www.undp.org/sites/g/files/zskgke326/files/2024-03/hdr2023-24reporten_2.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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