Cidade lixo zero: utopia ou realidade?

Brasil sedia congresso internacional sobre o tema. Encontro apresenta para gestores públicos exemplos bem-sucedidos em países ricos e pobres

Por Liana Melo | ODS 14 • Publicada em 1 de junho de 2018 - 08:34 • Atualizada em 16 de agosto de 2018 - 17:22

A artista Maria Koijck e seu dinossauro de PET. Foto de Divulgacao
Escultura da artista Maria Koijck: um dinossauro em PET. Foto de Divulgação

“Se continuarmos produzindo resíduos, a Mãe Terra produzirá plástico em vez de solo fértil?” A pergunta perturba a artista plástica holandesa Maria Koijck desde o ano de 2008, quando ela esteve em Serra Leoa, país africano com um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do mundo. Ao chegar em uma das praias de Freetown, capital do país, avistou crianças, porcos e cachorros em meio a uma montanha de lixo. Voltou para a casa, na Holanda, construiu sua primeira escultura com garrafas PET: um cisne. Não parou mais de produzir arte do lixo. Depois veio um elefante, um pato, um rinoceronte… Animais variados, em formato gigante, transformados em intervenções urbanas, onde fica evidente o desconforto da artista ao constatar que o lixo não é problema africano, mas global.

A poluição plástica é um mega problema contemporâneo, e responsável por graves danos ao meio ambiente e à saúde humana e animal. Foi produzido mais plástico na última década do que em todo o século passado. Por ano, são consumidas cerca de 5 trilhões de sacolas plásticas em todo o planeta, sem contar outros utensílios derivados do petróleo, como as próprias garrafas PET. Segundo dados das Nações Unidas (ONU), metade do plástico consumido no mundo é descartável e pelo menos 13 milhões de toneladas vão parar nos oceanos anualmente, se transformando em micropartículas e formando uma lixeira a céu aberto em alto mar. O Brasil é o único país da América Latina que figura entre as grandes economias num mapeamento global sobre poluição nos mares. 

A artista Maria Koijck e seu dinossauro de PET. Foto de Divulgacao
A artista Maria Koijck e seu dinossauro de PET. Foto de Divulgação

Às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, Maria construiu Dino, um dinossauro gigante, montado em frente a Catedral de Brasília. A exemplo dos trabalhos anteriores, a escultura é de PET. A artista veio participar do 1º Congresso Internacional Cidades Lixo Zero  , que começa na terça, dia 5 e vai até dia 7. Ela é uma das 27 convidadas internacionais do encontro. Como ocorre em todos os lugares do mundo por onde passou deixando sua marca em forma de instalação urbana, Maria não teve nenhuma dificuldade em encontrar resíduos para sua obra. Apesar de o país ter uma legislação bastante avançada – a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010 -, o Brasil tem um índice pífio de reciclagem: menos de 3%. Uma pesquisa feita em 1.055 municípios brasileiros concluiu que a coleta seletiva está presente em apenas 18% destas cidades. A pesquisa é de 2016 e foi feita pela Ciclosoft, encomendada pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre).

O Brasil produz 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, cerca de 200 estádios de futebol

Pelos cálculos do engenheiro Rodrigo Sabatini, presidente do Instituto Lixo Zero Brasil, entidade organizadora do encontro, o país perde, todos os anos, R$ 120 bilhões em produtos que poderiam ser reciclados. É uma cifra assustadora, sobretudo se levarmos em consideração que a Política Nacional de Resíduos Sólidos define muito bem o que são resíduos, como hierarquizá-los no tratamento, quem são os responsáveis e ainda estabelece metas.

O fim dos lixões estava previsto para dezembro de 2014, mas ainda continuam em operação 3 mil lixões ou aterros controlados, que recebem cerca de 30 milhões de toneladas de resíduos urbanos, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe). “Hoje, o lixo é o terceiro maior gasto das cidades brasileiras”, comenta Sabatini, acrescentando que, com este recurso, daria para um hospital ou uma escola. “Tanto um quanto o outro estão sendo jogados no lixo”, concluí.

Convencido de que cidade lixo zero não é uma utopia, Sabatini está trazendo para o Brasil exemplos bem-sucedidos mundo afora. “Teremos em Brasília o encontro do que há de mais avançado em sustentabilidade e responsabilidade. Poderemos ver como um grande problema de nossas cidades pode se tornar um ativo, de forma simples, leve e eficiente”, diz ele. Dentre essas cidades-modelo há algumas com mais de 1 milhão de habitantes, como São Francisco, na Califórnia, que tem como objetivo encaminhar corretamente mais de 90% dos resíduos gerados. Outro exemplo está na vila de Kamikatzu, no Japão.  O congresso vai exibir ainda exemplos em cidades na Itália, na Alemanha, na Inglaterra, na Austrália e … na África. Não faltam exemplares de cidades que fizeram o dever de casa. O Brasil, onde 40% das prefeituras ainda enviam material para lixões e somente 25% das cidades têm coleta seletiva, não precisa inventar a roda. Basta copiá-la.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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3 comentários “Cidade lixo zero: utopia ou realidade?

  1. Maruska disse:

    a natureza agradece a quem cuidada dela…o planeta e as gerações futuras também. Mas ainda esbarramos com o problema da coleta pois muitos que separam não tem como levar o materal aos pontos de arrecadação do lixo reciclável

  2. Pingback: Itália exporta modelo de lixo zero – Bem Blogado

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