Trabalho em crise: pior para as mulheres

Em reunião da Academia de Ciências com foco nos ODS, Flávia Biroli mostra como a desigualdade entre gêneros vem aumentando

Por Oscar Valporto | ODS 5ODS 8 • Publicada em 14 de maio de 2019 - 18:13 • Atualizada em 15 de maio de 2019 - 21:10

Flávia Biroli na Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências: “A precarização do emprego fez também com que aumentasse a diferença salarial entre mulheres e homens. É bastante provável prever que esse quadro de desigualdade tende a continuar se aprofundando” (Foto Oscar Valporto)
Flávia Biroli na Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências: "A precarização do emprego fez também com que aumentasse a diferença salarial entre mulheres e homens. É bastante provável prever que esse quadro de desigualdade tende a continuar se aprofundando" (Foto Oscar Valporto)
Flávia Biroli: “A precarização do emprego fez também com que aumentasse a diferença salarial entre mulheres e homens. É bastante provável que esse quadro de desigualdade se aprofunde”. (Foto Oscar Valporto)

Desemprego em alta, direitos trabalhistas precarizados: a crise da economia brasileira prejudicou, entre muitas coisas, o lento processo de recuperação dos salários das mulheres em relação aos homens – elas chegaram a ganhar 19% a menos em 2016 e receberam 20,5% a menos em 2018 – e aumentou o número de horas semanais que elas dedicam a afazeres domésticos e cuidados não remunerados de pessoas, que chegaram a ser de 18 horas e passaram a 21,3 horas em 2018. Os homens dedicam 10,9 horas por semana. Esses foram alguns dados apresentados pela cientista política e historiadora Flávia Biroli na sessão plenária de abertura da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que está sendo realizada esta semana no Museu do Amanhã, no Rio.

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Nós vemos pelas pesquisas que a mulher é responsável pelos afazeres domésticos mesmo quando ela está empregada e o cônjuge desempregado. E que ela gasta menos horas com os afazeres domésticos quando é solteira do que quando está casada

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O foco do evento deste ano são os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, definidos pela Organização das Nações Unidas. Flávia Biroli, atual presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, explicou que, para sua participação na plenária, escolheu o ODS 5 – Alcançar a Igualdade de Gênero e o Empoderamento de Mulheres e Meninas – e, dentro deste objetivo, priorizar a questão do trabalho, parte do tema 5.4: ‘reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado. “Nós vemos pelas pesquisas que a mulher é responsável pelos afazeres domésticos mesmo quando ela está empregada e o cônjuge desempregado. E que ela gasta menos horas com os afazeres domésticos quando é solteira do que quando está casada”, afirmou a professora da Universidade de Brasília.

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A crise do trabalho no Brasil afeta desigualmente os desiguais. O desemprego é maior entre as mulheres. Pelos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do último trimestre de 2018, a taxa de desocupação feminina estava em 13,5% e a masculina em 10%. “A precarização do emprego fez também com que aumentasse a diferença salarial entre mulheres e homens. É bastante provável prever que esse quadro de desigualdade tende a continuar se aprofundando se considerarmos que não há qualquer política para reduzir a desigualdade entre gêneros neste governo”, argumentou Flávia Brioli.

A pesquisadora deu exemplos para mostrar que a disparidade salarial existe em, praticamente, todas as profissões mesmo aquelas dominadas por mulheres. Apesar de, atualmente, existirem mais brasileiras com ensino superior completo do que brasileiros. “Professor do ensino fundamental, por exemplo, é uma profissão de grande maioria feminina mas, ainda assim, o salário dos homens é 9,5% maior. Entre os médicos, a renda dos homens é 28,2% superior a das mulheres; entre os advogados, a renda é 27,4%”, relatou.

Flávia Biroli destacou que os dados sobre trabalho e renda mostram um recorte racial significativo: o desemprego atinge mais mulheres negras do que brancas, a média salarial das mulheres negras é menor do que a das mulheres brancas – mas há um componente de gênero que transpassa todos os recortes. O exemplo desta vez veio da magistratura, de pesquisa do Conselho Nacional de Justiça. As mulheres representam 53% dos alunos dos cursos de Direito. Na magistratura, federal e estadual, elas são apenas 38% – e, entre as juízas, 81% são brancas. Nesta elite, o trabalho parece ter impacto diferente na vida pessoal: 86% dos magistrados homens são casados (ou com união estável); entre as mulheres, esse número chega somente a 72%; 85% dos juízes têm filhos; percentual também maior do que o das juízas, mulheres: 74%.

Para a cientista política, todos os números apontam para a mesma realidade: a sociedade estabelece uma partilha desigual de responsabilidades entre mulheres e homens, que começa nos afazeres domésticos e impacta no trabalho formal. “Esta divisão desigual das tarefas domésticas entre homens e mulheres  faz com que elas tenham menos tempo para se dedicar a suas carreiras profissionais e também à vida pública, à participação na política”, argumentou Flávia Biroli, que também abordou na sua palestra o tema 5.5, da ODS 5: “Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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Um comentário em “Trabalho em crise: pior para as mulheres

  1. Tesla disse:

    Esclarecedor, acredito que de fato a desregulação das leis trabalhistas tendam a pesar mais para o lado feminino, visto que mesmo com esses direitos ainda são vítimas de preconceito e inferiorização no mercado de trabalho.

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