Tecnologia a favor da cidadania

Especialista em Sistemas de Informação, da prefeitura de Palo Alto, nos EUA, fala sobre os desafios para entrar no mapa das cidades inteligentes

Por Bibiana Maia | ODS 11 • Publicada em 20 de dezembro de 2017 - 09:14 • Atualizada em 20 de dezembro de 2017 - 14:48

Jonathan Reichental, líder de tecnologia da prefeitura de Palo Alto, nos EUA: “Os projetos devem ser centrados nas pessoas e contar com o envolvimento da comunidade”

O cargo de “líder de tecnologia” é muito comum e primordial em empresas. Mas o conceito ultrapassou as fronteiras do mundo corporativo e vem se espalhando pela administração pública, nos Estados Unidos. Há seis anos, Jonathan Reichental, doutor em Sistemas de Informação pela Nova Southeastern University, com mais de 25 anos de carreira, assumiu os cargos de CIO (Chief Information Officer) e CTO (Chief Technology Officer) em Palo Alto, na Califórnia. Situado no Vale do Silício, o município traça estratégias para tornar-se uma cidade inteligente, aliando tecnologia à participação dos cidadãos na busca de soluções. Um exemplo é o aplicativo PaloAlto311, que permite que os moradores relatem problemas que enfrentam pelas ruas, enviando uma foto e inserindo sua localização, com ajuda do GPS, para que a prefeitura seja notificada em tempo real.

Reichental, que veio ao Brasil, no fim de outubro, para para participar do Rio Smart Cities Brazil, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, lidera projetos que utilizam ferramentas como Internet das Coisas (IoT), dados abertos e blockchain. Ele também é um entusiasta do uso de sensores, drones, veículos autônomos… Tudo o que possa colaborar para inovações urbanas com engajamento civil. Nesta conversa com o #Colabora, o especialista fala sobre sua experiência na prefeitura de Palo Alto e sobre os desafios para tornar nossas cidades inteligentes. Confira.

Como é a rotina de um CIO (Chief Information Officer) na prefeitura, e como este cargo pode ajudar uma cidade a tornar-se sustentável?

Como CIO, sou o líder da tecnologia da cidade de Palo Alto. Tenho três atividades principais: primeiro, sou o consultor sênior de tecnologia para os nossos funcionários, líderes e todos o corpo de colaboradores da cidade. Em segundo lugar, tenho que trabalhar com a minha equipe para garantir que todos os nossos 320 sistemas e soluções tecnológicas operem todos os dias. Finalmente, minha equipe e eu precisamos impulsionar a inovação através da tecnologia, pessoas e processos. Podemos sustentar uma grande cidade se garantirmos que as soluções certas serão fornecidas no momento certo para as pessoas certas com um custo correto.

Cidade inteligente é aquela onde a tecnologia ajuda a gerar qualidade, funcionalidade e sustentabilidade

Você acredita que a função que exerce hoje em Palo Alto, um dia será necessária nas prefeituras de todas as cidades do mundo?

Acho que as cidades precisam abraçar a tecnologia para operar e dar suporte a serviços públicos de alta qualidade. Me parece importante que exista um alto executivo de TI responsável por isso. Não precisa ser chamado de CIO (Chief Information Officer) ou CTO (Chief Technology Officer) – embora sejam os títulos reconhecidos. Só precisa ser o líder certo. Não há organização bem-sucedida hoje que não tenha a tecnologia no centro de suas operações.

Qual é o seu conceito de cidade inteligente?

Para mim, uma cidade inteligente é onde a tecnologia ajuda a gerar qualidade, funcionalidade e sustentabilidade. Os projetos devem ser centrados nas pessoas e contar com o envolvimento da comunidade.

Quais as metas mais importantes da agenda de uma cidade inteligente, e como elas podem ser alcançadas em países em desenvolvimento?

Isso varia de uma cidade para outra. O que é importante para Palo Alto, na Califórnia, pode não ser para o Rio de Janeiro. Mas observo alguns temas comuns a cidades inteligentes em todo o mundo. Eles se dividem em quatro categorias: transporte, energia, sustentabilidade e transformação digital. No entanto, se uma cidade está iniciando esforços para se tonar uma cidade inteligente, deve se comprometer com uma agenda de mudanças e estar pronta para evoluir de acordo com as demandas mais significativas. Sem isso, nada funcionará. Deve vir de cima para baixo, mas também deve ter participação da sociedade.

O governo de uma cidade não pode resolver todos os problemas. A questão é: como a comunidade pode participar, trazendo soluções para a mesa de discussões?

O aplicativo PaloAlto311 está dando resultado?

Estamos satisfeitos com os resultados. Desde o lançamento, o aplicativo foi usado para resolver quase 8 mil problemas em nossa comunidade.  O primeiro desafio foi fazer com que os departamentos da administração municipal comprassem a ideia e implementassem os processos internos para apoiá-lo. Hoje, o maior problema é fazer com que as pessoas saibam que ele existe e encorajá-las a usá-lo.

Os projetos desenvolvidos em Palo Alto podem ser aplicados em outras cidades do mundo?

Depende. Muitas coisas que fazemos, como por exemplo, o nosso portal de dados abertos à população, podem ser aplicadas em todos os lugares. Outras são específicas para a nossa comunidade e meio ambiente. Com certeza, todas as cidades podem adotar a inovação e realizar mudanças positivas. Isso é universal, desde que haja uma tomada de decisão nesse sentido.

Abrir os dados da cidade (desde os resultados financeiros aos números de consumo de energia) é uma forma de tentar mobilizar as pessoas para que elas ajudem a encontrar soluções para os problemas?

Devemos reconhecer que o governo de uma cidade não pode resolver todos os problemas. A questão é: como a comunidade pode participar, trazendo soluções para a mesa de discussões? Uma vez que muitas de nossas soluções são impulsionadas pela existência de dados, dando acesso a eles permitimos que qualquer morador possa dar um passo além, nos ajudando a resolver os problemas. Por exemplo, se disponibilizamos dados sobre a qualidade do ar ou da água, pessoas inovadoras podem analisá-los e propor soluções.

Veículos autônomos ainda vão demorar a chegar aos países em desenvolvimento? Como podemos usar a tecnologia para reduzir o número de carros nas ruas?

Há muito o que pode ser feito antes de os veículos autônomos chegarem. Primeiro, as cidades devem melhorar e aumentar as opções de transporte público. Também deve ser estimulado o uso de transportes alternativos,  disponibilizando bicicletas, por exemplo. Em um quadro mais amplo, as cidades devem equacionar a questão da distância entre o lugar onde as pessoas moram e onde elas trabalham. Se as distâncias forem grandes, o tráfego será ruim. Finalmente, as cidades devem trabalhar para apoiar  a experimentação de veículos autônomos.

Qual é o seu maior desafio em Palo Alto, neste momento?

Nosso maior desafio é priorizar os esforços, diante das muitas necessidades da nossa comunidade. Como todas as cidades, temos recursos limitados. Quais são as questões mais urgentes para investirmos tempo e dinheiro nelas?  Não há uma solução simples, é um desafio diário.

Bibiana Maia

Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.

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