‘Reivindico o direito de ser monstro’

Discurso de Indianara Alves Siqueira, criadora do PreparaNem

Por Marceu Vieira | Artigo • Publicada em 17 de dezembro de 2015 - 03:10 • Atualizada em 17 de dezembro de 2015 - 03:12

“Jamais entenderei os humanos. Já odiei muito a Humanidade por tudo que me fizeram. Hoje, em alguns momentos, odeio a Humanidade e me lembro de um documentário que mostra como seria, primeiro, um ano se o ser humano desaparecesse da Terra; depois, 10; depois, 100 anos sem o ser humano; e mostra o planeta se reconstruindo lindamente.

Nunca vou entender o humano. Vocês agridem e matam pessoas só por fazerem modificações corpóreas que em nada interferirão na vida de outrem senão da própria pessoa. Vocês matam e odeiam pessoas que amam outras pessoas só porque elas não seguem a heterossexualidade compulsória que lhes passou a ser infligida ao nascer, e idolatram como heróis pessoas que vão pra guerra matar pessoas. Por conta de um capitalismo que não vou chamar de selvagem, pois seria torná-lo lindo, mas sim um capitalismo humano desenfreado, para que uma minoria viva bem enquanto uma maioria morre de fome.

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Eu só queria viver, e, por causa disso, fui destituída de tudo. Meus direitos, amores, famílias, amigos. Vocês me destituíram da minha humanidade.

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Os ancestrais de vocês roubaram terras, destruíram culturas, invadiram territórios, dizimaram povos, estupraram e, através das religiões, provocaram ódio e guerras, escravizaram, oprimiram. Vocês assassinam animais para comer e não veem a dor e o sofrimento que causam. Hoje, os descendentes dos oprimidos tentam ir até os portões da Europa pra entrar e comer, mas esses portões lhes são fechados, e eles morrem à mingua ou afogados nos mares. Vocês deveriam ter vergonha. No país em que nasci, uns que têm belas casas para dormir põem fogo em pobres miseráveis que só têm como cama as calçadas das ruas e, às vezes, um cão ou cadela sem raça definida por vocês, que sentem a necessidade de definirem e aprisionarem tudo.

Eu só queria viver, e, por causa disso, fui destituída de tudo. Meus direitos, amores, famílias, amigos. Vocês me destituíram da minha humanidade. Vocês me definiram como monstro. Depois, tentaram me trazer de volta e me reinserir na prisão que vocês arquitetaram ao redor de vocês. Obrigada, mas não quero voltar.

Sinto ódio de mim por ainda guardar a racionalidade humana. Isso me é causa de angústia e sofrimento. Transito entre vocês, divido mesas de bares, rio. Mas vejo o quanto insignificantes vocês são. Vocês matam o amor que apregoam e idolatram o ódio que vos faz mal. Vocês matam a esperança e fazem nascer a desilusão, o desespero. Vocês professam a fé que causa dor, morte, sofrimento. Vocês se dizem humanos e não animais, mas, nas escolas, aprendemos que pertencemos ao mundo animal. Mas vocês estão certos, vocês são humanos e não animais. Se vocês fossem animais, seriam seres maravilhosos, desenvolvidos e superiores.

Quando eu vejo a miséria que vocês provocam e, ao mesmo tempo, quão miseráveis, egoístas e odioso é o ser humano, agradeço a vocês por terem me destituído de minha humanidade. Agradeço a mim o monstro vegano que me tornei ao ser destituída de minha humanidade, e com muito amor para dar aos animais ditos irracionais.

Sou vegana com muito amor pra dar. Mais ainda não desisti de vocês. Lutarei para libertá-los da prisão que vocês construíram e onde se aprisionaram. Sonho em destruí-la e transformar vocês em monstros como eu. Como diz minha amiga argentina Suzy em seu poema: Reivindico meu direito de ser MONSTRO”.

Marceu Vieira

Marceu Vieira é jornalista, compositor e, quando pode, ficcionista e cronista do cotidiano. Iniciou-se no jornalismo na extinta "Tribuna da Imprensa" e seguiu na profissão, sempre repórter em tempo integral, nas redações de "O Nacional", "Veja", "Jornal do Brasil", "Época" e "O Globo".

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