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Preços foram afetados por quebras nas safras associadas a estiagens e ondas de calor (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Café insustentável: mudanças climáticas impactam a produção e os preços do grão
Produto tradicional no cotidiano dos brasileiros registra inflação crescente. Produtores sofrem com secas e altas temperaturas
Beber café nunca foi tão caro e insustentável para os brasileiros. O preço do grão moído registrou uma alta de 50,35% nos últimos 12 meses até janeiro, segundo dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O produto é um dos principais responsáveis pela inflação dos alimentos no Brasil. Especialistas e produtores apontam que a alta do café tem relação direta com ondas de calor e estiagens e, consequentemente, com as mudanças climáticas e a degradação socioambiental no país e no mundo.
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Em janeiro, o preço médio do quilo de café torrado e moído ficou em R$56,07, segundo levantamento da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). Na comparação com o ano anterior, o valor era de R$29,62, o que representa uma alta de 89,29%, considerando o preço nos varejos.
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Veja o que já enviamosO Brasil é o maior produtor de café do mundo, seguido por Vietnã, Colômbia, Indonésia e Etiópia. Porém, nos últimos anos, as lavouras foram impactadas por estiagens severas, alternadas com períodos de chuvas intensas, além do aumento de dias com calor excessivo. “Vários dias com temperaturas muito altas alteram o metabolismo da planta, o que vai gerando estresse e a deixa mais suscetível a pragas e doenças”, explica Rodrigo Junqueira Barbosa de Campos, 59 anos, engenheiro agrônomo e produtor de café.
Tem consumidores fidelizados, muitos que viraram amigos próximos, então ficamos na dúvida do quanto vamos acompanhar esse preço do mercado. E como é que fecha a conta?
Ao lado da companheira – a bióloga Denise Bittencourt Amador, 54 anos -, Rodrigo trabalha com um sistema agroflorestal na Fazenda São Luiz, localizada entre os municípios de São Joaquim da Barra e Morro Agudo, no interior de São Paulo. Além do café, o terreno de 400 hectares abriga criação de gado e produção agroecológica de cana de açúcar, banana e outras culturas.
Segundo Denise, desde 2020 a produção na fazenda tem sido impactada por secas e, no ano passado, a situação atingiu níveis dramáticos. “Foi do dia 15 de abril até 12 de outubro, foram praticamente 6 meses sem uma gota de chuva. Isso impactou demais e esse ano estamos com uma produção muito fraca”, descreve a produtora. Em uma das áreas de plantio de café, mais antiga, a estimativa é de colher apenas 10%. Na outra área, a previsão é colher entre 30 a 40% do que foi plantado.
“Os eventos climáticos estão diretamente ligados ao impacto na produção e no preço do café. Enfrentamos, desde 2020, uma série de mudanças no clima”, afirma Celírio Inácio, diretor executivo da ABIC. De acordo com ele, os prejuízos nas safras também têm conexão com os fenômenos El Niño e La Niña. Em relação aos preços do produto, Celírio cita o crescimento na demanda global e problemas logísticos enfrentados pelo Vietnã na entrega do grão, como outros fatores que ajudam a inflacionar os custos do grão.
O representante da ABIC indica que os valores do café devem continuar elevados durante todo o primeiro semestre de 2025. “Caso as condições climáticas se mantenham favoráveis, a safra de 2026 poderá ajudar a recompor os estoques e, consequentemente, acarretar uma estabilização ou até mesmo uma redução dos preços”, projeta Celírio Inácio.
Produção em queda, preços altos
A saca de 60 kg do café tipo arábica – o mais produzido no país – estava sendo comercializada a R$2.663,83 em 18 de fevereiro, conforme indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP). Em 16 de fevereiro de 2024, o preço da mesma saca era de R$1.013,91, o que representa um aumento de 162,72%.
Dados de janeiro do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), indicam reduções na área plantada de café, na produção e no rendimento médio (quilos por hectare) do grão. A principal diferença na comparação entre 2024 e 2025 está na produção, que passou de 3,425 milhões de toneladas para 3,155 milhões, queda de 7,9%.

De acordo com análise da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil alcançou, em 2024, a produção de 54,2 milhões de sacas de café de 60 kg, redução de 1,6% em relação ao ano anterior. Desse percentual, 50,5 milhões de sacas foram destinadas para a exportação, o que gerou um recorde nos lucros, calculados em US$ 12,3 bilhões (cerca de R$70,2 bilhões pela cotação atual), crescimento de 52,6% na comparação com 2023.
Uma pequena parte da renda gerada na cadeia do café vai para os agricultores. E do ponto de vista nacional, o Brasil fica com muito pouca renda da produção do café
Em Minas Gerais, o volume de café exportado em 2024 superou, inclusive, a quantidade produzida. No total, foram 31 milhões de sacas enviadas para o exterior, com destaque no aumento das vendas para a China. Enquanto isso, a safra colhida foi de 28,1 milhões de sacas de 60kg (redução de 3,19% em relação a 2023). Assim, parte do café vendido foi de estoques mantidos por produtores e cooperativas.
Responsável por cerca de 50% da produção nacional de café, Minas Gerais teve 135 municípios em situação de emergência por causa da seca entre maio e agosto de 2024. O estado também registrou número recorde de incêndios em vegetação, com um total de 29 mil focos de fogo atendidos pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG).
Lucro não fica com os produtores
Mesmo com os valores da saca de café elevados, muitos produtores enfrentam dificuldades por conta da queda na quantidade produzida e das lógicas do mercado. “Aquele produtor que vai conseguir produzir um pouco, mas às vezes a saca triplicou de preço, talvez ele consiga chegar num valor que dê para ele empatar”, estima Rodrigo Junqueira, ao abordar também os custos de produção do grão – praticamente fixos.
No caso da Fazenda São Luiz, Denise conta que a maioria do café produzido é vendido para os varejos, diferente dos grandes produtores que direcionam o produto para a exportação. “Tem consumidores fidelizados, muitos que viraram amigos próximos, então ficamos na dúvida do quanto vamos acompanhar esse preço do mercado. E como é que fecha a conta?”, questiona ela.
Economista e doutora em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Luiza Borges Dulci fez sua tese sobre as redes produtivas do café, com foco na região sul de Minas Gerais. “Uma pequena parte da renda gerada na cadeia do café vai para os agricultores. E do ponto de vista nacional, o Brasil fica com muito pouca renda da produção do café”, aponta Luiza, atualmente vereadora em Belo Horizonte.
De acordo com a pesquisadora, mesmo que o país ocupe o posto de protagonismo na produção de café desde o final do século XIX, existem poucas políticas voltadas para estimular o setor e controlar os preços. Como exemplo, Luiza menciona a extinção em 1990 – durante o governo de Fernando Collor – do Instituto Brasileiro do Café (IBC), autarquia responsável por coordenar as políticas agrícolas do produto.
“O mercado cafeeiro e o mercado alimentício de modo geral tinham muitas empresas, mas hoje quando você chega no supermercado e olha uma prateleira de café, a maior parte das marcas ali pertencem a poucas empresas”. Segundo Luiza, essa conjuntura torna o café ainda mais vulnerável às quedas na produção e às mudanças climáticas.

Alternativas possíveis
Historicamente, o sudeste brasileiro foi o local onde o café mais se desenvolveu, por conta da menor variação de temperaturas e da disponibilidade de água, essencial para o crescimento e produtividade do grão. “Se tem um aumento muito excessivo das temperaturas ou uma mudança no ambiente de crescimento desse café, as espécies que temos hoje não estão adaptadas para isso”, alerta Luiza Dulci.
Diante de condições climáticas cada vez mais instáveis e extremas, a pesquisadora pontua que não existe possibilidade de retorno ao cenário anterior. Como alternativas, Luiza indica a necessidade de pesquisas voltadas para a adaptação e o fortalecimento de políticas agrícolas, como o controle de estoques e incentivos ao consumo local.
“Corremos o risco de acabar com os pequenos produtores, porque eles sentem mais os efeitos das mudanças climáticas. E aí vamos ter grandes fazendas de café, como já temos, com alta tecnologia para produzir, mas com mais concentração de renda e danos para o meio ambiente, porque as monoculturas consomem muita água e acabam com a biodiversidade”, aponta Luiza.
Rodrigo Junqueira defende uma mudança no sistema produtivo e, principalmente, nos incentivos que são concedidos para a agricultura convencional, baseada em lavouras de monoculturas para exportação. “Por outro lado, as pessoas que estão trabalhando com agricultura orgânica e sistemas agroflorestais, não tem todo esse mecanismo que inclui também o sistema de crédito bancário”, complementa o engenheiro agrônomo.
Localizada em uma área da região Ribeirão Preto com grande percentual de lavouras de cana de açúcar e forte presença do agronegócio, a Fazenda São Luiz também é um espaço de educação ambiental por meio do projeto “Arte na Terra”. “Queríamos uma agrofloresta o mais parecida possível com os ecossistemas naturais com altíssima biodiversidade e com muita dinâmica”, explica Denise, sobre a transformação promovida no local desde 1997. Mesmo diante das adversidades, a agroecologia praticada no local permite seguir resistindo.
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Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.