ODS 1
Posse de Trump abre nova e assustadora etapa da crise climática
Negacionista das mudanças no clima e seus impactos na vida do planeta, presidente dos EUA promete investir em combustíveis fósseis e cortar financiamentos para pesquisas climáticas e fundos internacionais
Há 10 dias, quando a Califórnia enfrentava uma temporada de incêndios florestais incomum para essa época do ano, Donald Trump interrompeu as articulações para a formação de seu novo governo, para se manifestar sobre o fogo que, aquela altura, já havia provocado mortes e destruição na região de Los Angeles. “Mudança climática? Não! Democratas!”, escreveu Trump no X, a rede social de seu amigo (e futuro colaborador do governo) Elon Musk, numa postagem ilustrada com as chamas californianas.
Leu essa? Planeta aquece e rompe limite climático do Acordo de Paris
O negacionismo do presidente dos EUA, que inaugura seu segunda mandato nesta segunda-feira (20/01), já é bem conhecido: Trump costuma chamar a crise climática de “uma farsa gigante”. Mas havia a expectativa de que desastres mais recentes no país provocados por recordes de calor e de frio, temporadas de furacões mais intensas e incomuns, e os próprios mais constantes e violentos incêndios, fizessem o milionário, ao menos, mudar algumas atitudes. A reação aos incêndios em Los Angeles foi uma aperitivo do que virá: Donald Trump negou a relação do fogo com a crise – apesar da longa temporada de seca extrema e dos ventos muitos mais fortes – mas também disseminou fake news associando a escassez de água para combate ao fogo à proteção do habitat de “um peixe essencialmente inútil”.
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Veja o que já enviamosAs dificuldades no enfrentamento do fogo no sul da Califórnia estão associadas a pior seca em mais de mil anos – não chove desde maio – a ventos de mais de 100 km/h, vindos do oceano (as ventanias são normais mas não nestas velocidade e intensidade). Para Ben Jealous, diretor-executivo do Sierra Club, uma das maiores organizações ambientais dos EUA, a reação de Trump aos incêndios “foi um microcosmo do que serão os próximos quatro anos” do novo mandato. “Vai ser muito difícil”. O moderno partido republicano opera como uma subsidiária integral da indústria de combustíveis fósseis e agora temos um presidente que busca confundir e confundir o povo americano. É inconcebível”, disse Jealous ao jornal britânico The Guardian.
As escolhas de Trump para o governo que começa nesta segunda-feira apontam para ameaças no enfrentamento à crise climático. O secretário (ministro) de Energia, o californiano Chris Wright, é o CEO da Liberty Energy, uma empresa de petróleo e gás sediada em Denver, que, em uma postagem no LInkedin, em 2023, disse que “o exagero sobre incêndios florestais é apenas exagero para justificar mais empobrecimento devido a políticas governamentais ruins”. Ao ser sabatinado pelo Senado na semana passada, durante a temporada de fogo que provocou a morte de 25 pessoas, Wright disse que mantinha seu comentário.
No Senado, Wright, pelo menos, não negou as mudanças climáticas. “É um problema global. É um problema real. É um problema desafiador. E a solução para a mudança climática é evoluir nosso sistema de energia”, disse, garantindo várias vezes apoiar toda forma de “energia acessível e confiável”. Essa definição – “acessível e confiável” – costuma ser usada pelos defensores dos combustíveis fósseis para criticar energia solar e eólica, que dependem de sol e vento e, nos EUA como no Brasil, ainda não têm redes de distribuição adequadas para atingir a um público maior.
O escolhido de Trump para a EPA (Environmental Protection Agency, agência de proteção ambiental dos EUA), o ex-deputado Lee Zeldin também disse, na sabatina no Senado, acreditar que a mudança climática é real, mas fez questão de destacar a prioridade do governo Trump. “O povo americano elegeu o presidente Trump em novembro passado, em parte devido a sérias preocupações sobre mobilidade econômica ascendente e sua luta para sobreviver. Podemos, e devemos, proteger nosso precioso meio ambiente sem sufocar a economia”, disse Zeldin.
Menos financiamento internacional
As últimas duas semanas – com as reações ao incêndio e as indicações governamentais – reforçam os temores ambientalistas de que a nova administração vai marcar um grande retrocesso para a ação climática. Especialistas na política americana acreditam que uma das primeiras decisões de Trump após a posse será retirar os EUA do Acordo de Paris – repetindo o que ele fez em seu primeiro mandato (2017/2020) e fazendo a maior economia do mundo juntar-se a Irã, Líbia e Iêmen como países da ONU fora do acordo climático.
No início de seu primeiro mandato em 2017, quando Trump anunciou que os EUA deixariam o Acordo de Paris, ele lançou um ataque violento ao Fundo Verde para o Clima (GCF) da ONU e se recusou a entregar os US$ 3 bilhões prometidos ao fundo por seu antecessor, Barack Obama. Ambientalistas não acreditam que, agora com Trump, os EUA desembolsem os US$ 4 bilhões prometidos ao GCF pelo governo de Joe Biden.
Pelas regras, o processo de saída levaria um ano a partir do momento da formalização por Trump: os EUA ainda farão parte do Acordo de Paris quando as negociações climáticas da COP30 ocorrerem no Brasil em novembro. Diretor do Natural Resources Defense Council (Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, organização ambientalista sediada nos EUA), Joe Thwaites destacou que o efeito Trump já foi sentido na COP29, em Baku. onde o pífio acordo sobre uma nova meta financeira para canalizar dinheiro para países em desenvolvimento refletiu a probabilidade de Washington não cooperar pelos próximos quatro anos.
Thwaites disse a Climate Home News que a administração de Trump deve tentar cortar a provisão de financiamento climático internacional em todos os lugares que puder – mas isso não significa que o financiamento cairá para zero. Ambientalistas temem também o corte de financiamentos climáticos do EXIM (Export-Import) Bank, que apoia projetos de energia renovável – solar e eólica, principalmente – em outros países e agora vem investindo na produção de minerais como lítio, que são necessários para a transição energética.
Retrocesso nos EUA
Depois de repetir o refrão “Perfure, baby, perfure” (“Drill, baby, drill” na campanha eleitoral, Donald Trump promete aumentar a extração de petróleo e gás nos EUA e reverter muitas das regulamentações climáticas históricas introduzidas pelo governo Biden com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, vilões do aquecimento global e da crise climática. “É muito provável que Trump busque uma agenda agressivamente desregulamentadora”, disse a física e cientista ambiental Hannah Kolus, pesquisadora do Rhodium Group, instituição especializada em estudos sobre energia e clima, lembrando o primeiro mandato e declarações recentes do novo governo.
Os padrões de gases de efeito estufa (GEE) estabelecidos pela EPA em 2024 para usinas de energia podem ser os primeiros a serem cortados: as regras exigem que as usinas de carvão existentes e com planos de operar além de 2039 e as grandes novas usinas de energia a gás cortem 90% de suas emissões de GEE até 2032. “Reverter as regulamentações seria um processo longo, não vai acontecer no primeiro dia, mas certamente até o final de seu mandato, ele poderia remover muitas das principais regulamentações climáticas promulgadas nos últimos quatro anos”, acrescentou Hannah Kolus. Regras com padrões de emissões mais rigorosos para carros de passeio e caminhões pequenos — anunciados em março de 2024 — também podem ser alvos.
Durante a campanha eleitoral, Donald Trump também atacou seguidamente os incentivos fiscais para veículos elétricos e energia renovável, “gastos desnecessários” previstos no Inflation Reduction Act (IRA), decretado pelo governo Biden. Entretanto, esse corte de subsídios pode ter oposição no Congresso, inclusive de representantes de estados republicanos. O presidente (republicano) da Câmara dos Deputados dos EUA, Mike Johnson, já disse que os cortes nos incentivos fiscais verdes devem ser feitos “com um bisturi e não com uma marreta”.
Os ambientalistas preveem também retrocessos nos investimentos em pesquisa e ciência devido ao histórico de Trump de amplificar a desinformação e atacar estudos climáticas. De acordo com levantamento da Union of Concerned Scientists (UCS – União de Cientistas Preocupados), ao longo do primeiro governo Trump, houve mais de 1.400 mudanças em sites federais que removeram contexto científico vital para regulamentações sobre água limpa, espécies ameaçadas e clima. “Repetidamente, os indicados políticos do governo alteraram, editaram, suprimiram ou ignoraram a pesquisa científica realizada por sua própria equipe”, escreveu a bióloga Pallavi Phartiyal, vice-presidente de programas, políticas e advocacia na UCS, em artigo no site da instituição.
Depois de lembrar os ataques à ciência na primeira administração Trump, o artigo destaca que “desta vez, os abusos e a marginalização da ciência serão certamente mais evidentes e abrangentes”, acrescentando que “muitos dos nomeados por Trump para agências científicas federais têm um histórico de desrespeito à ciência ou vêm de indústrias regulamentadas por essas agências”. Pallavi Phartiyal, porém, lembra a campanha ‘Save Science, Save Lifes’ (Salve a Ciência, Salve Vidas), criada para apoiar e defender os cientistas e pesquisadores das agências federais. “Nós vamos expor os abusos à ciência; mobilizaremos a comunidade científica e seus apoiadores para lutar; e trabalharemos com parceiros na linha de frente, no Congresso, governos estaduais e sociedade civil para preservar o processo científico, proteger dados e manter o trabalho científico do governo federal independente e intacto”, afirma, no texto, a dirigente da UCS.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade