Dez anos do Acordo de Paris com temperaturas recordes e COP30 sob pressão

Apesar de todas as metas e promessas assumidas por lideranças globais, quadro climático se agravou muito nos últimos 10 anos

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 13 • Publicada em 13 de janeiro de 2025 - 09:32 • Atualizada em 14 de janeiro de 2025 - 09:35

Ativistas do movimento Extinction Rebellion protestam em Haia, na Holanda, contra os subsídios para os combustíveis fósseis, uma das principais causas do agravamento da crise climática. Foto Mouneb Taim/Anadolu via AFP. Janeiro/2025

Agora é oficial. O ano de 2024 registrou a maior temperatura da série histórica, ultrapassando a diferença mínima de 1,5ºC em relação ao período pré-industrial (1850-1900), estabelecida no Acordo de Paris. O instituto europeu Copernicus foi o primeiro a confirmar que a temperatura de 2024 superou os recordes estabelecidos em 2023.

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O Acordo de Paris foi adotado em 12 de dezembro de 2015 e, originalmente, foi assinado por 195 países durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Este número representa praticamente todos os países membros da ONU, tornando-o um dos acordos internacionais mais amplamente aceitos da história.

Posteriormente, 193 países formalizaram a ratificação do Acordo, o que significa que adotaram suas disposições e comprometeram-se a implementar as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa e outras ações climáticas. As metas nacionais não foram impostas, mas sim definidas voluntariamente no âmbito da soberania de cada país.

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Contudo, as boas intenções ficaram no papel e não foram colocadas em prática. As emissões globais de gases de efeito estufa continuaram crescendo e só tiveram um pequeno declínio em 2020 em função da recessão econômica internacional provocada pela pandemia de covid-19. Assim, a despeito de todas as metas e promessas, o quadro climático se agravou nos últimos 10 anos.

A concentração de CO2 na atmosfera que estava em 377,7 partes por milhão (ppm) em dezembro de 2004, passou para 399,1 ppm em dezembro de 2014 e atingiu 425,4 ppm em dezembro de 2024. Na década de 2004 a 2014 o aumento na concentração de CO2 na atmosfera foi de 21,4 ppm e na década de 2014 a 2024 foi de 26,3 ppm, segundo dados da agência americana National Oceanic & Atmospheric Administration (NOAA). Portanto, ao invés de diminuir a concentração de CO2 na atmosfera continua crescendo e crescendo em ritmo mais acelerado.

Como qualquer adolescente aprende na escola, nas aulas de física, o aumento do efeito estufa provoca aumento de temperatura. Desta forma, não é surpresa alguma constatar que as temperaturas globais dos últimos 10 anos (2015 a 2024) tenham sido as mais elevadas dos registros históricos. Os recordes têm sido sucessivamente quebrados. O aquecimento global tem se tornado uma realidade implacável e, infortunadamente, apresenta uma tendência de aceleração, podendo ficar totalmente fora de controle.

O gráfico abaixo, do Instituto Copernicus, mostra que as anomalias anuais estavam abaixo de 0,5ºC até o início dos anos de 1980, ficaram abaixo de 1ºC até 2015, mas aumentaram rapidamente nos últimos 10 anos, com destaque para 2023 que apresentou uma anomalia de 1,48ºC acima do período pré-industrial e, especialmente, para 2024, que apresentou anomalia de 1,60ºC acima da temperatura de 1850-1900. A temperatura média global em 2024 foi de 15,10ºC, 0,12ºC acima da média de 2023.

O gráfico abaixo, também do instituto Copernicus, mostra as anomalias mensais da temperatura desde 1940. Nota-se que o segundo semestre de 2023 e o primeiro semestre de 2024 foram os mais quentes da série, pois estavam sob o efeito do fenômeno El Niño. Já o segundo semestre de 2024 teve temperaturas um pouco mais baixas, com o fim do efeito El Niño e o início do fenômeno La Niña.

O instituto Copernicus também destaca que a quantidade total de vapor d’água na atmosfera atingiu um valor recorde em 2024, cerca de 5% acima da média de 1991-2020, mais de 1% maior do que em 2016 e 2023, os anos com os valores mais altos.

As temperaturas extremas e alta umidade contribuem para o aumento dos níveis de estresse por calor. Grande parte do Hemisfério Norte experimentou mais dias do que a média com pelo menos “estresse por calor forte” durante 2024, e algumas áreas viram mais dias do que a média com “estresse por calor extremo”.

Como mostrou Liana Melo, aqui no # Colabora (11/01/2025), além de ter sido o ano mais quente da história, 2024 registrou recorde de anomalia da temperatura global de 1,6ºC. As mudanças do clima podem impactar diretamente diversos setores econômicos no Brasil, como o agronegócio que é muito vulnerável aos extremos climáticos.

Inundações, secas a incêndios aceleram extremos hidroclimáticos

O desequilíbrio climático provocou inundações, secas e incêndios nos quatro cantos do mundo em 2024. Furacões, tempestades e inundações lideraram as perdas entre as catástrofes naturais no ano passado. Cálculos da Munich Re, um dos maiores grupos resseguradores do mundo, estimam que as tragédias naturais tiraram a vida de 11 mil pessoas e custaram US$ 320 bilhões no ano passado.

Considerando apenas o continente americano, os furacões Helene e Milton foram os desastres mais destrutivos. Helene, que atingiu a Flórida em setembro de 2024, resultou em perdas de US$ 56 bilhões e mais de 200 pessoas mortas. O furacão Milton foi a segunda tragédia do ano a atingir a Flórida, em outubro de 2024, com menor número de mortes e perdas estimadas em US$ 38 bilhões.

O Canada viveu as piores temporadas de incêndios de sua história em 2023 e 2024. As chamas, que varreram o país de leste a oeste, queimaram mais de 20 milhões de hectares, mataram dezenas de pessoas e obrigaram as autoridades a evacuarem mais de 300 mil pessoas.

As enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no final de abril e início de maio do ano passado estão entre as grandes tragédias climáticas do ano, com cerca de 200 pessoas que perderam a vida. Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), o governo federal destinou R$ 98 bilhões (US$ 16 bilhões) a ações emergenciais e recursos para reconstrução de infraestrutura e apoio à população e empresários do Rio Grande do Sul.

Enquanto a região Sul do Brasil enfrentava enchentes, a região Norte vivia a pior seca da história em termos de impactos econômicos e sociais. No Amazonas, quase 1 milhão de pessoas foram afetadas pela estiagem, levando todas as cidades do estado a decretarem situação de emergência. Na maior bacia hidrográfica do mundo, o aquecimento das águas e os baixos níveis de oxigênio provocaram uma grande mortandade de peixes, além de deixar as comunidades ribeirinhas sem acesso à água potável. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em 2024, a Amazônia registrou o maior número de focos de queimadas dos últimos 17 anos. O Brasil enfrentou pelo menos quatro ondas de calor intensas, com temperaturas chegando a mais de 40ºC, com São Paulo experimentando inúmeros incêndios.

Os desastres climáticos também provocaram grandes danos nos demais continentes, como foi o caso das enchentes que atingiram a região de Valência, na Espanha, e o ciclone Chido que causou um rastro de destruição e mortes após passar pelo Oceano Índico, pelo arquipélago francês de Mayotte e chegar ao norte de Moçambique em dezembro de 2024. A lista de desastres é muito extensa.

Recordes de temperatura em 2025, efeito chicote hidroclimático e os incêndios em Los Angeles

Como será 2025? Depois de dois anos com os maiores recordes de temperatura dos últimos 125 mil anos, muitos climatologistas estimam temperaturas um pouco mais baixas em 2025. A previsão global do Met Office, o centro nacional de meteorologia britânico, indica que o calor deva ser um pouco menos intenso em 2025, com uma anomalia de 1,41ºC em relação ao período pré-industrial. Ou seja, seria um valor menor do que os registrados em 2023 e 2024, mas superior a todos os anos anteriores.

Contudo, os primeiros dados de janeiro de 2025 indicam novos recordes de temperatura, a despeito da presença do fenômeno La Niña. Segundo dados do Instituto das Mudanças Climáticas da Universidade do Maine, nos EUA, a primeira semana de 2025 foi ligeiramente mais quente do que o mesmo período de todos os anos anteriores, conforme mostra o gráfico abaixo.

Maior volatilidade climática significa maiores desastres sociais e ambientais. Como mostrou Oscar Valporto, aqui no # Colabora (09/01/2025), os violentos incêndios florestais que avançaram sobre a região de Los Angeles, ao sul do estado da Califórnia (EUA), estão deixando um rastro de destruição e medo.

O fato agravante é que o aquecimento global intensifica as oscilações entre secas e inundações. O aumento das oscilações rápidas entre períodos de clima intensamente úmido e perigosamente seco – conhecido como “efeito chicote hidroclimático” – já é uma realidade e deve se intensificar com o avanço do aquecimento global, segundo o artigo “Hydroclimate volatility on a warming Earth”, publicado na revista Nature Reviews Earth & Environment (SWAIN et. al. 2025).

Los Angeles enfrenta um desafio crítico à medida que o efeito chicote hidroclimático acelera os desequilíbrios climáticos. Os últimos anos demonstraram os impactos severos dessas oscilações, de secas intensas a chuvas recordes e agora incêndios florestais e urbanos devastadores.

Após anos de seca intensa no sul da Califórnia, o inverno de 2022-23 trouxe uma série sem precedentes de rios atmosféricos, liberando chuvas torrenciais e neve pesada. Esses eventos causaram inundações, deslizamentos de terra e danos generalizados. O inverno chuvoso subsequente alimentou ainda mais o crescimento da vegetação, que secou durante o verão recorde de 2024, criando condições ideais para incêndios florestais, já que a estação chuvosa de 2025 começou com seca excepcional.

Portanto, os incêndios de Los Angeles foram agravados por três fatores: 1) Seca severa e mudanças climáticas combinadas como o efeito chicote hidroclimático; 2) Falta de água, uma vez que combater os incêndios com hidrantes tirando água do aqueduto por várias horas é insustentável; 3) Os fortes ventos de Santa Ana, que segundo as autoridades chegaram a atingir 160 quilômetros por hora nas áreas dos incêndios.

O número de vítimas fatais tem sido baixo (embora o número deva crescer quando houver acesso aos prédios destruídos). Mais de 200 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas e as perdas econômicas são estimadas, até o momento, em mais US$ 20 bilhões (R$ 120 bilhões).

O fogo não poupou as propriedades de milionários e famosos, mostrando que ninguém está à salvo da emergência climática. Residências de diversas celebridades na região de Pacific Palisades e Malibu, onde o preço médio de uma casa ultrapassa US$ 3,5 milhões (R$ 21 milhões), foram destruídas e carbonizadas. Desta forma, o cartão de visita das mudanças climáticas neste início de 2025 não é nada animador.

Desafios da COP30 em Belém

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) foi assinada em 1992 durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro (Rio-92) e foi ratificada por mais de 175 países, com o objetivo de estabilizar e reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

No âmbito da UNFCCC já foram realizadas 29 Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COPs). A COP número 1 ocorreu em Berlim em 1995. A terceira COP ocorreu no Japão, em 1997, e foi responsável pela assinatura do Protocolo de Kyoto. A COP21 ocorreu na França, em 2015, sendo responsável pela assinatura do Acordo de Paris. A COP29 foi realizada em 2024 na cidade de Baku no Azerbaijão. A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) será realizada em Belém (PA), em novembro de 2025.

Nestes 33 anos, desde a Cúpula da Terra (Rio-92), muitos estudos foram realizados, muitas propostas foram apresentadas e muitos Acordos foram assinados. Contudo, as emissões de gases de efeito estufa continuaram crescendo, aumentou a concentração de CO2 na atmosfera e o aquecimento global mantem a tendência de subida em ritmo acelerado.

O professor Luiz Marques, da Unicamp, é um dos muitos pesquisadores que consideram que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas está morta. Em artigo recente, “COP29, a COP Zumbi. Faz ainda algum sentido a COP30?” (Jornal da Unicamp, 28/11/2024) ele dá o exemplo de Papua-Nova Guiné que boicotou a COP29, em vista das promessas vazias e da inação, preferindo adotar a política da cadeira vazia. Justin Tckatchenko, ministro das Relações Exteriores do país, descreveu a COP29 como “uma total perda de tempo”.

Luiz Marques, que é autor do livro “O decênio decisivo”, concluiu seu artigo dizendo: “Finalmente um país teve a coragem de dizer que o rei está nu. Nesse jogo de cartas marcadas, todos fingem negociar o que já foi decidido antes e prometem o que não cumprirão. Por que cumpririam, se não há governança global capaz de impor sanções aos transgressores?”.

Mas se a situação já estava difícil e com pouca efetividade da COP1 até a COP29, tudo deve piorar em 2025 com os planos do presidente Donald Trump de retirar os EUA dos principais acordos climáticos, impactando negativamente os esforços internacionais. O negacionismo climático ganha força. Por exemplo, em relação aos incêndios da Califórnia, o presidente eleito dos EUA negou os efeitos da crise climática, criticou o governador (que é do partido Democrata) e culpou as políticas de conservação do estado pela falta de água. Outros governantes de extrema-direita também reforçam o coro negacionista.

Mas, a despeito de todas as dificuldades, a COP30 – primeira Conferência do Clima realizada na Amazônia – pode cumprir um papel decisivo nos 10 anos do Acordo de Paris. Na preparação para a COP de Belém, espera-se que os países apresentem metas mais ambiciosas, alinhadas com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global, de longo prazo, a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Para tanto é preciso ampliar as metas das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que são os compromissos assumidos voluntariamente pelos países para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e fortalecer a resiliência climática.

Relatórios recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) mostram que os compromissos atuais ainda são insuficientes para atingir o limite de longo prazo de 1,5°C. Mesmo com as NDCs apresentadas até 2024, o mundo está no caminho para um aumento de 2,4°C a 2,6°C, o que seria catastrófico.

Como anfitrião da COP30, o Brasil deverá enfatizar a necessidade de incluir a perspectiva de justiça climática, cobrando que países desenvolvidos assumam mais responsabilidades históricas e forneçam apoio financeiro e técnico aos países em desenvolvimento. A demanda por um financiamento climático anual de mais de 1 trilhão de dólares provenientes dos países ricos é essencial para acelerar a transição energética, combater o desmatamento e promover a restauração de ecossistemas nos países em desenvolvimento, que frequentemente enfrentam os impactos mais severos das mudanças climáticas, apesar de serem os menores responsáveis pelas emissões históricas.

Assim sendo, a COP30 só terá algum sucesso se, no mínimo: 1) Promover acordos ambiciosos para reduzir a dependência global de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural), que são responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa; 2) Implementar um adequado sistema de produção de alimentos, considerando que a agropecuária e o uso da terra respondem por uma parcela significativa das emissões globais de gases de efeito estufa. As práticas agrícolas atuais são insustentáveis e são grandes responsáveis pelo desmatamento, degradação do solo e perda de biodiversidade.

Referências:

MELO, Liana. Planeta aquece e rompe limite climático do Acordo de Paris, # Colabora, 11/01/2025

https://projetocolabora.com.br/ods13/planeta-aquece-e-rompe-limite-climatico-estipulado-pelo-acordo-de-paris/

SWAIN, D.L. et al. Hydroclimate volatility on a warming Earth. Nature Reviews Earth & Environment volume 6, 2025  https://www.nature.com/articles/s43017-024-00624-z?utm_source=miragenews&utm_medium=miragenews&utm_campaign=news

VALPORTO, Oscar. Incêndio em Los Angeles: crise climática prolonga e intensifica temporada de fogo na Califórnia, # Colabora, 09/01/2025

https://projetocolabora.com.br/ods13/incendio-em-los-angeles-crise-climatica-prolonga-e-intensifica-temporada-de-fogo/

MARQUES, Luiz. COP29, a COP Zumbi. Faz ainda algum sentido a COP30? Jornal da Unicamp, 28/11/2024

https://jornal.unicamp.br/artigo/2024/11/28/luiz-marques/cop29-a-cop-zumbi-faz-ainda-algum-sentido-a-cop30/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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