Organizações de checagem rebatem Mark Zuckerberg: “Verdade alimenta a liberdade de expressão”

Carta aberta assinada por instituições de quase 30 países, inclusive do Brasil, alerta para riscos de desinformação e instabilidade global após anúncio do dono da Meta

Por #Colabora | ODS 16 • Publicada em 10 de janeiro de 2025 - 09:55 • Atualizada em 10 de janeiro de 2025 - 10:06

Mark Zuckerberg em entrevista: organizações de checagem alertam para retrocesso na qualidade do conteúdo online (Reprodução / Youtube)

Organizações de verificação de fatos de quase 30 países enviaram uma carta aberta a Mark Zuckerberg nesta quinta-feira (09/01), classificando como um “retrocesso” a decisão da Meta de encerrar seu programa de checagem independente nas plataformas Facebook, Instagram e Threads – a empresa também controla o WhatsApp. O documento, assinada por agências de checagem brasileiras como Aos Fatos e Lupa, alerta para “danos reais” decorrentes da suspensão, especialmente em regiões vulneráveis à desinformação.

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Na carta, as organizações – até hoje parceiras da Meta em programas de checagem – alertam para retrocesso na qualidade do conteúdo online e possíveis consequências globais. “Acreditamos que a decisão de encerrar o programa de verificação de fatos da Meta é um retrocesso para aqueles que desejam ver uma internet que prioriza informações precisas e confiáveis”, afirma o texto. “Estamos prontos para trabalhar novamente com a Meta, ou qualquer outra plataforma de tecnologia interessada em engajar a checagem como uma ferramenta para fornecer às pessoas as informações de que precisam para tomar decisões informadas sobre suas vidas diárias”, acrescenta.

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Veja o que já enviamos

No documento, as organizações destacam que a criação do programa de checagem da Meta, lançado em 2016, foi um “grande avanço” no incentivo à precisão factual online. A carta destaca ainda que, apesar do anúncio de Mark Zuckerberg se aplica apenas aos EUA, a meta tem programas semelhantes em mais de 100 países, alguns “altamente vulneráveis”, à desinformação. “O acesso à verdade alimenta a liberdade de expressão, capacitando as comunidades a alinhar suas escolhas com seus valores. Como jornalistas, permanecemos firmes em nosso compromisso com a liberdade de imprensa, garantindo que a busca pela verdade continue sendo um pilar da democracia”, conclui a carta – a íntegra segue abaixo.

Carta aberta dos checadores de fatos do mundo a Mark Zuckerberg, nove anos depois

9 de janeiro de 2025

Caro Sr. Zuckerberg,

Há nove anos, escrevemos ao senhor sobre os danos reais causados pela desinformação no Facebook. Em resposta, a Meta criou um programa de verificação de fatos que ajudou a proteger milhões de usuários contra boatos e teorias da conspiração. Nesta semana, o senhor anunciou o fim desse programa nos Estados Unidos devido a preocupações com “censura excessiva” — uma decisão que ameaça desfazer quase uma década de progresso na promoção de informações precisas no universo digital.

O programa, lançado em 2016, foi um grande avanço no incentivo à precisão factual online. Ele ajudou as pessoas a terem uma experiência positiva no Facebook, Instagram e Threads, reduzindo a disseminação de informações falsas e enganosas em seus feeds. Acreditamos — e os dados mostram — que a maioria das pessoas nas redes sociais busca informações confiáveis para tomar decisões sobre suas vidas e interagir bem com amigos e familiares. Informar os usuários sobre conteúdos falsos para desacelerar sua disseminação, sem censura, era o objetivo. Os verificadores de fatos apoiam fortemente a liberdade de expressão, como reiteramos na declaração de Sarajevo do ano passado. A possibilidade de dizer por que algo não é verdadeiro também é liberdade de expressão.

O senhor afirmou que o programa se tornou “uma ferramenta de censura” e que “os verificadores de fatos se tornaram muito politicamente tendenciosos e destruíram mais confiança do que criaram, especialmente nos EUA”. Isso é falso, e queremos esclarecer, tanto no contexto atual quanto para o registro histórico.

A Meta exige que todos seus parceiros no programa de verificação de fatos atendam a rigorosos padrões de imparcialidade, auditados pela International Fact-Checking Network (IFCN). Isso significa nenhuma afiliação com partidos políticos ou candidatos, nenhuma defesa de qualquer lado do espectro político e um compromisso inabalável com a objetividade e a transparência. Cada organização passa por uma rigorosa auditoria anual, incluindo avaliação independente e revisão por pares. Longe de questionar esses padrões, a Meta sempre elogiou o rigor e eficácia desse processo. Há apenas um ano, a Meta inclusive expandiu o programa para o Threads.

Seus comentários sugerem que os verificadores de fatos foram responsáveis pela censura, embora a Meta nunca tenha dado a eles a capacidade ou a autoridade para remover conteúdos ou contas. Alguns usuários frequentemente culpavam e assediavam os checadores pelas ações da Meta. Seus comentários recentes, sem dúvida, alimentarão essas percepções. Mas a realidade é que a equipe da Meta decidia como e se os conteúdos apontados como falsos pelos verificadores deveriam ser removidos, freados ou rotulados. Vários checadores, ao longo dos anos, sugeriram à Meta melhorias nessa rotulagem, para que ela fosse menos intrusiva e evitasse até mesmo a aparência de censura, mas a Meta nunca agiu sobre essas sugestões. Além disso, a Meta isentou políticos e candidatos a cargos públicos da verificação de fatos como medida de precaução, mesmo quando eles espalhavam falsidades conhecidas. Os verificadores de fatos, por sua vez, afirmavam que os políticos deveriam ser verificados como qualquer outra pessoa.

Ao longo dos anos, a Meta forneceu informações limitadas sobre os resultados do programa, embora os checadores e pesquisadores independentes solicitassem repetidamente mais dados. Mas, pelo que pudemos observar, o programa foi eficaz. Pesquisas indicaram que os rótulos de verificação reduziram a crença e o compartilhamento de informações falsas. E, em seu próprio depoimento ao Congresso, o senhor se gabou do “programa de verificação de fatos da Meta ser líder da indústria”.

O senhor disse que planeja iniciar um programa de Notas da Comunidade semelhante ao do X. Não acreditamos que esse tipo de programa resultará em uma experiência positiva para o usuário. Pesquisas mostram que muitas Notas da Comunidade do X nunca são exibidas, pois dependem de um consenso político generalizado em vez de padrões e evidências de precisão. Ainda assim, não há razão para que as Notas da Comunidade não possam coexistir com o programa de verificação de fatos de terceiros; eles não são mutuamente excludentes. Um modelo de Notas da Comunidade que funcione em colaboração com a verificação profissional de fatos teria forte potencial para ser um novo padrão de promoção de informações precisas. A necessidade é grande: se as pessoas acreditarem que as plataformas de mídia social estão cheias de golpes e boatos, elas não passarão tempo ou farão negócios nelas.

Isso nos leva ao contexto político nos Estados Unidos. Seu anúncio ocorreu após a certificação eleitoral do presidente eleito Donald Trump e como parte de uma resposta mais ampla da indústria de tecnologia à administração que está por vir. O próprio Sr. Trump disse que sua fala foi “provavelmente” uma resposta às ameaças feitas por ele ao senhor. Alguns dos jornalistas que fazem parte da nossa comunidade de verificadores de fatos passaram por ameaças semelhantes de governos nos países onde trabalham, por isso entendemos como é difícil resistir a essa pressão.

O plano de encerrar o programa de verificação de fatos em 2025 se aplica apenas aos Estados Unidos, por enquanto. Mas a Meta tem programas semelhantes em mais de 100 países, nações em diferentes estágios de democracia e desenvolvimento. Alguns desses países são altamente vulneráveis à desinformação que incita instabilidade política, interferência eleitoral, linchamentos e até genocídio. Se a Meta decidir encerrar o programa mundialmente, haverá danos reais em muitos lugares.

Este momento destaca a necessidade de mais financiamento para o jornalismo de serviço público. A verificação de fatos é essencial para manter realidades compartilhadas e discussões baseadas em evidências, tanto nos Estados Unidos quanto globalmente. O setor filantrópico tem a oportunidade de aumentar seu investimento no jornalismo em um momento crítico.

Acreditamos que a decisão de encerrar o programa de verificação de fatos da Meta é um retrocesso para aqueles que desejam ver uma internet que prioriza informações precisas e confiáveis. Esperamos que, de alguma forma, possamos recuperar esse terreno nos próximos anos. Estamos prontos para trabalhar novamente com a Meta, ou qualquer outra plataforma de tecnologia interessada em engajar a checagem como uma ferramenta para fornecer às pessoas as informações de que precisam para tomar decisões informadas sobre suas vidas diárias.

O acesso à verdade alimenta a liberdade de expressão, capacitando as comunidades a alinhar suas escolhas com seus valores. Como jornalistas, permanecemos firmes em nosso compromisso com a liberdade de imprensa, garantindo que a busca pela verdade continue sendo um pilar da democracia.

#Colabora

Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.

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